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19 de maio de 2018
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11:00

Dos andes venezuelanos a Porto Alegre, a travessia de Moisés e Sara

Por
Luís Gomes
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Moisés, Sara, Mateo e Salomé estão vivendo em Porto Alegre há dois meses | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Essa é a história de uma travessia que durou quatro dias, mas foi planejada por meses e é um reflexo de anos de crise econômica: a viagem de Moisés David Escalona Sulbaran, 27 anos, Sara Maria Mata Sosa, 32, e dos dois filhos pequenos do casal de Mérida, nos alpes venezuelanos, até Porto Alegre. A primeira etapa foi de avião, carregando malas recheadas de dinheiro para comprar as passagens de ônibus que os levariam até a fronteira brasileira, sob risco de serem pegos pela polícia local, que fiscaliza a circulação de cédulas. Após horas de espera para cruzar a fronteira até o Estado de Roraima, mais dois ônibus e outro avião ainda foram necessários para chegar à capital gaúcha. Uma travessia que ajuda a explicar a realidade compartilhada por seus conterrâneos que permanecem no país.

Junto desde 2012, o casal morava na casa da mãe de Sara em Mérida, desde a primeira gravidez dela. Salomé, a filha mais velha, tem cinco anos. Mateo, nascido dois anos depois, três. Ambos eram professores na Universidade de Los Andes, em Mérida. Ele, de Biologia. Ela, de Física. Moisés, que começou a dar aulas em 2014, logo após se graduar, conta que, antes, o salário de professor universitário costumava ser bom no país, permitindo comprar casa e carro. “Nesse momento, a situação já era ruim. O salário não dava para muita coisa, mas ainda assim a gente conseguia pagar as necessidades básicas”.

Nos últimos anos, com o declínio geral da economia e uma hiperinflação que cresce na casa dos milhares de pontos percentuais ao ano, a situação foi piorando progressivamente, até que agora, mesmo com dedicação exclusiva, o salário sequer dava para pagar o aluguel. “Se eu troco o meu salário de professora, agora não dá nem US$ 2”, diz Sara. Em março, quando deixaram o país, ela afirma que o salário mínimo comprava uma caixa com 36 ovos ou 1 kg de carne.

No início do mês, o presidente Nicolás Maduro anunciou um aumento de 95% no salário mínimo, passando de 1,3 milhão de bolívares fortes — valor que havia sido estipulado em março — para 2,5 milhões. No ano passado, foram seis aumentos, o último elevara o salário mínimo para 797 mil bolívares a partir de janeiro. Na última quarta-feira (16), um real era trocado no mercado negro de Caracas por 200 mil bolívares. Isto é, o salário mínimo venezuelano equivaleria a cerca de R$ 15. De acordo com o site DolarToday, usado pela família para acompanhar o “câmbio real”, a cotação naquele dia era 731.454,55 bolívares para US$ 1. A taxa oficial está muito abaixo disso, mas não vale na prática. “Às vezes, a moeda desvaloriza 10% em um dia”, diz Moisés [A volatilidade do mercado paralelo faz com que seja muito difícil precisar o quanto vale na prática a moeda venezuelana. No período de elaboração deste material, a reportagem constatou, a partir de sites que trazem o “câmbio real” que a moeda desvaloriza rapidamente a cada dia].

Eles explicam que, para minimizar os efeitos da inflação, o governo libera produtos subsidiados para alguns mercados cadastrados e os obriga a vender a um “preço justo”, que Moisés diz não ser justo. Essa distribuição ocorre em dias específicos e as pessoas devem ir no local e horário designado pelo número de identificação nacional. “Por exemplo, se teu número termina em 4, tu vai na segunda-feira. Só que tem que ir bem cedo, quatro da manhã, para entrar na fila para pegar a senha e, com sorte, comprar alguma coisa”.

Moisés conta que, em geral, nessas condições se consegue comprar 1 kg de farinha de milho, 1 kg de massa e um litro de óleo, o que poderia dar para uma semana. Mas ele diz que depende muito do dia. Em algumas oportunidades, só há um produto. Em outros, há mais. Também há uma distribuição oficial do governo das chamadas de Caixas Clap, entregues por associações comunitárias a partir de dados do Censo, que funciona como uma distribuição de alimentos regular. Contudo, segundo Moisés, isso não chega a todos os bairros necessitados, mas especialmente àqueles com lideranças alinhadas ao governo, e também não daria para alimentar uma família inteira. Mesmo essas Caixas Clap, um acrônimo para Comités Locales de Abastecimiento y Producción, seriam abastecidas principalmente por produtos importados. “O problema é que a produção caiu. Anteriormente, muitos alimentos eram produzidos na Venezuela, ao menos para consumo nacional”, diz Moisés.

Como uma família de classe média para os padrões locais, eles contam que não chegaram a passar fome, mas atribuem isso ao fato de que ainda possuíam reservas acumuladas no passado. “Tenho amigos que seguem trabalhando na universidade e estão ficando magros”, diz Moisés.

Em 2016, surgiu a oportunidade de ele vir cursar o Mestrado em Biologia na PUCRS, com direto a bolsa da Capes. Moisés veio sozinho a Porto Alegre, com o plano de, se possível, trazer o resto da família. “Só que a situação da Venezuela foi piorando. Eu estava tentando trazer a família, mas não deu certo só com a bolsa de Mestrado [então, no valor de R$ 1,5 mil]“, diz. Antes de concluir a pós-graduação e retornar para casa, no final do ano passado, Moisés participou da seleção do Doutorado na PUCRS e foi aprovado, com direito à bolsa CNPq. Como o auxílio agora passava para a casa dos R$ 2,2 mil, ele avaliou que havia condições para trazer a família toda.

Sara e Moisés moravam nos andes venezuelanos | Foto: Arquivo pessoal

A longa viagem até a fronteira

Sara e Moisés deixaram Mérida no dia 20 de março, com destino a Santa Elena de Uairén, cidade mais próxima da fronteira brasileira em Roraima, a uma distância de aproximadamente 1,8 mil km. “É praticamente como cruzar toda a Venezuela”. O problema é que não há um voo direto entre as duas localidade e tampouco há muitas possibilidades de voos diretos para Caracas, capital do país e localizada há cerca de 700 km de Mérida. “Antigamente, tinha três voos diários de Mérida a Caracas, agora tem um voo diário”.

O que eles fizeram foi contatar uma agência de viagem, um mês antes da data prevista, para avaliar a possibilidade de voar para Caracas ou Puerto Ordaz, último aeroporto antes da fronteira com Roraima. “Finalmente, a gente conseguiu um voo Mérida-Caracas”, relembra Moisés.

Venderam os pertences que tinham em Mérida para ajudar a pagar as passagens internas na Venezuela e depois as que os trariam de Boa Vista, capital de Roraima, a Porto Alegre. Uma moto, por exemplo, saiu por metade do valor que precisavam para o trecho de avião. “Essa moto aqui poderia valer 2 ou 3 mil reais, mas lá está muito desvalorizado, ainda mais agora. Com troca de combustível muito cara, para você trocar um litro de óleo de um carro é como duas vezes o meu salário de lá. Então, muita gente que tinha carro, agora está vendendo, porque não dá mais para manter. O problema é que muita gente está vendendo e ninguém está comprando, então o preço [de veículos usados] caiu muito”.

Chegando em Caracas, passaram uma noite na casa de um irmão de Moisés, que mora nas redondezas da capital venezuelana, à espera de um ônibus até Santa Elena de Uairén. A passagem de ônibus também não é fácil de conseguir. Contam que só está disponível no mesmo dia da saída e exige-se que uma parte seja paga em dinheiro vivo, o que é outro problema, uma vez que, com a hiper-inflação e desvalorização da moeda, há uma escassez de papel, além de ter ficado quase inviável carregar em mãos os valores a serem transacionados.

Para conseguir moeda, precisaram pedir ajuda à mãe de Sara, que, por ser aposentada, tem prioridade no banco para retirar dinheiro em papel. Ainda assim, como há limites para saques, não conseguiram toda a quantia necessária para a viagem de ônibus. Tiveram então que recorrer a atravessadores no mercado negros, pessoas que fazem a troca de dinheiro por transferências eletrônicas, mas cobram ágio altíssimo nessas transações. “Isso é normal agora”, diz Moisés.

Para comprar cada passagem, precisavam de um milhão de bolivares, mas, à época, ainda não tinham conseguido acessar a nota de 100 mil bolívares lançada pelo governo neste ano. A saída foi carregar pilhas de cédulas em uma caixa. Ainda havia o risco de as cédulas serem apreendidas pela polícia durante a viagem entre Mérida e Caracas, uma vez que há um controle sobre a circulação de moedas. Para evitar isso, distribuíram as cédulas em malas. Por sorte, não foram barrados.

Passaram então uma noite em Caracas. No dia seguinte, acordaram cedo e foram para a rodoviária comprar as passagens de ônibus. Gastaram todo o dinheiro em papel que carregavam e ainda precisaram fazer passar o resto no cartão. Moisés destaca que também há limitações para transações eletrônicas, com muitas empresas aceitando apenas operações de clientes que operam com o mesmo banco. Nesse caso, conseguiram.

A viagem de ônibus para Santa Elena de Uairén, distante cerca de 1,2 mil km de Caracas, levou quase 24h.

Sara relutou em vir ao Brasil pelo fato da mãe ter ficado na Venezuela | Foto: Arquivo pessoal

Deixando a família para trás

A princípio, Sara não estava aberta à ideia de sair da Venezuela. Receava deixar a mãe em Mérida, mas acabou convencida por Moisés por ser uma oportunidade de ela também buscar aprimorar sua formação acadêmica e profissional. Sara não de desvinculou da Universidad de Los Andes e segue recebendo salário porque está em um intercâmbio acadêmico — os vencimentos, porém, são todos transferidos para a mãe. Moisés está em licença por quatro anos para o Doutorado, com a remuneração suspensa.

Apesar do salário deixado pela filha e da aposentadoria que recebe, a mãe de Sara vive mesmo é da ajuda dos filhos que estão no exterior — tem um no Chile e outro na Colômbia, além da caçula que permanece na Venezuela estudando. “Ela tem uma pensão, mas é muito baixa, menor do que o salário mínimo. Com isso, não consegue comprar quase nada”, diz Sara.

Em contrapartida, com R$ 100 que enviam do Brasil, a mãe consegue comprar comida para todo o mês. “A maioria está sobrevivendo desse jeito [com dinheiro enviado de fora do país]. Quem não tem essa alternativa, está passando fome”, conta Moisés.

Já Moisés deixou na Venezuela seu pai e dois irmãos — a mãe já é falecida. Nenhum dos irmãos passa por grandes dificuldades financeiras. O mais velho é seminarista, vivendo nas dependências da sé, que conta com apoio da comunidade religiosa. O mais novo trabalha com um tio em um pensionato para idosos, também vinculado à Igreja Católica. Ele também cursa a universidade. Já o pai, que é médico e já foi uma autoridade do escritório de saúde do Estado de Lara — o equivalente a uma secretaria estadual de saúde –, hoje enfrenta dificuldades. Com o salário menor do que aquele que o filho ganhava como professor universitário, “está muito pobre”. Moisés envia ajuda para o pai com parte da sua bolsa de Doutorado.

A crise econômica

A Venezuela passou por um verdadeiro boom econômico na década passada. Após o governo assumir o controle da companhia nacional de petróleo, a PDVSA, no primeiro trimestre de 2003, a economia praticamente dobrou em cinco anos, crescendo a uma média superior a 13% ao ano. Entre 2003 e 2008, o índice de pobreza caiu de 54% para 26% das famílias, com a extrema pobreza caindo 72%. O índice de desigualdade social, o coeficiente de Gini, caiu de 0,47, em 1999, para 0,41, em 2008 — o coeficiente do Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, era de 0,49 em 2017. Entre 1998 e 2006, a mortalidade infantil caiu mais de um terço, por causa do disponibilização da saúde pública a milhões de pessoas que antes não tinham acesso. Até mesmo indicadores como o endividamento total do país apresentaram melhora significativa, caindo de 30,7% para 14,3% do PIB em 2009.

A situação começou a mudar na década seguinte. O governo atribui a crise econômica à queda no valor do petróleo. Em junho de 2008, o barril chegou a ser comercializado no mercado internacional a US$ 160, o valor mais alto da história — em comparação, quando Chávez ascendeu ao poder, em 1998, estava na casa dos US$ 20. Pouco mais de seis meses depois, no auge da crise econômica mundial, caiu para US$ 52, em fevereiro de 2009. O preço do barril se recuperaria ao longo dos meses e anos seguintes, atingindo um novo pico de US$ 126 em abril de 2011 e mantendo-se acima dos US$ 100 até agosto de 2014, quando iniciou-se um novo colapso que levaria ao nadir de US$ 30, em janeiro de 2016. Aos poucos, o valor vem subindo, superou neste mês de maio, pela primeira vez desde 2014, a barreira dos US$ 70.

Moisés conta que costumavam praticar esportes de montanha em sua terra natal | Foto: Arquivo pessoal

 

Críticos do governo atribuem a origem da crise às políticas econômicas de Chávez, que combinaria excesso de gastos com tentativas de controle de preços, o que se tornou insustentável e gerou, inicialmente, uma inflação, que se converteria em hiperinflação durante o governo Maduro. De acordo com o FMI, a inflação venezuelana fechou 2017 em 1.087,5% e deve beirar os 14.000% neste ano. O FMI projeta queda de 15% no PIB ao final de 2018, isso em um cenário em que a recessão já se estende há quatro anos.

Moisés e Sara eram crianças quando Chávez assumiu o governo, em 2 de fevereiro de 1999. Ele diz que ouve de pessoas mais velhas que muita coisa melhorou no país no início do governo chavista, especialmente em termos de igualdade social, e avalia que, a partir do final da década passada, quando já entrava na idade adulta, percebeu que as coisas começavam a piorar. “Em 2013, quando o Chávez morreu [em 5 de março], já tinha muitos problemas. Inflação alta, corrupção”, diz.

Moisés avalia como um dos grandes equívocos do chavismo foi ter desapropriado muitas empresas e, em vez de o governo ou os trabalhadores assumirem o comando para continuar a produção sob outra forma, o que ocorria, em geral, era a descontinuidade delas. Ele diz que, em 2013, já era difícil encontrar nos mercados a farinha de milho, que o casal usa para cozinhar a arepa, um prato típico venezuelano consumido geralmente no café da manhã e na janta.”Paulatinamente, essa farinha de milho foi desaparecendo, porque muitas das empresas foram desapropriadas. Agora é bem difícil de conseguir”. O mesmo foi acontecendo com outros bens básicos alimentícios, remédios e até com o gás natural para cozinha, apesar de o país ser uma das principais reservas de petróleo e gás do mundo. “É um paradoxo”, diz Moisés.

A falta de alimentos no comércio faz com que muita coisa seja encontrada apenas no mercado negro, o que também é outro fator que acaba empurrando os preços para cima e influenciado para que sejam retirados das lojas regulares, uma vez que os preços praticados de forma paralela são melhores. Bolsas de sangue e as próprias cédulas de bolívares são dois dos itens mais procurados no mercado paralelo.

O trecho final

Moisés e Sara chegaram à fronteira entre Brasil e Venezuela no dia 22 de março, duas noites antes da data marcada para a viagem de Boa Vista a Porto Alegre — a passagem já estava comprada com antecedência, graças ao dinheiro da bolsa de Mestrado que ele vinha poupando. Optaram por dormir do lado venezuelano, mais barato. Entre as duas cidades, há uma viagem relativamente curta de ônibus, apenas quatro horas. Antes, porém, precisaram passar por uma fila na fronteira para carimbar o passaporte com o registro de saída da Venezuela e entrada no Brasil.  “No total, foram umas quatro ou cinco horas na fila para a saída”, conta Moisés. Da fronteira até Pacaraima, primeira cidade do lado brasileiro, há um trecho de mais de 50 km. Pegaram mais um ônibus até lá e de lá outro até a capital, outras três horas de viagem.

De acordo com a Polícia Federal, em 2017, 70 mil venezuelanos cruzaram a fronteira. Desses, 29 mil deixaram Roraima. Em anos anteriores, a maioria dos venezuelanos usava o Estado apenas como porta de entrada para outros estado ou para pegar voos para outros países. Em 2016, por exemplo, dos 57 mil venezuelanos que ingressaram pela fronteira norte, 47 mil não permaneceram no Estado.

Com as dificuldades crescentes na Venezuela, passaram a entrar em Roraima cerca de mil pessoas por dia no início de 2018, o que, em fevereiro, levou o governo estadual a pedir que o Supremo Tribunal Federal autorizasse o fechamento da fronteira, pois haveria pelo menos 40 mil venezuelanos vivendo em condições precárias no Estado, a maioria em Boa Vista, cuja população, segundo o IBGE, é de 330 mil habitantes. O pedido foi negado pela corte.

Moisés e Sara viram muitos compatriotas morando nas ruas de Boa Vista, em péssimas condições de higiene, usando banheiros públicos, grande parte sem água, e indo até a rodoviária para as necessidades mais básicas. “Conheci alguns que estavam aproveitando o banheiro do aeroporto para tomar banho e esse tipo de coisa”, diz Moisés.

Ele reconhece que a condição de sua família, que entrou no Brasil com uma perspectiva de vida, é excepcional. “Muitos saem sem certeza do que vão fazer. Agora, muitas pessoas estão indo para o Peru, para Lima, mas não têm certeza do que vão fazer, não tem trabalho. A muito custo, tem 100 dólares”, conta.

Em Porto Alegre, a família divide um apartamento com outras duas pessoas | Foto: Joana Berwanger/Sul21

A vida em Porto Alegre

Na capital gaúcha, Moisés, Sara e as crianças dividem com outras duas pessoas um apartamento de três quartos em um prédio antigo na Rua 24 de Maio, na região central. É o mesmo imóvel em que ele morou quando veio a primeira vez para Porto Alegre.

Logo que chegaram, a rotina familiar consistia em Moisés ir de bicicleta para as aulas do Doutorado em Biologia na PUCRS, enquanto Sara ficava em casa cuidando das crianças e fazendo pesquisas para a universidade na Venezuela. Menos de um mês depois de chegarem, conseguiram matricular Salomé e Mateo na escolinha infantil Pica-Pau Amarelo, localizada na Duque de Caxias, também no Centro. Outra estratégia para economizar é fazer as refeições sempre em casa ou levá-las prontas para as aulas.

Sara, que estuda abalos e movimentos sísmicos, também tentou ingressar no Doutorado no Brasil e chegou a ser aprovada na PUCRS em 2016, mas, como não ganhou bolsa, acabou não vindo ao País na oportunidade. Ela planeja tentar a sorte em institutos que atuam na área em São Paulo e em Brasília, mas enquanto as vagas não aparecem, participa de uma pesquisa não remunerada de um professor na PUCRS.

Segundo Gustavo Chacón, também professor universitário radicado há três anos em Porto Alegre e coordenador do Projeto Araguaney, que busca reunir e auxiliar os venezuelanos na Capital, há entre 200 e 250 conterrâneos seus no Rio Grande do Sul atualmente registradas na rede de apoio. A maioria deles, entre 150 e 180, vivem em Porto Alegre. Os demais estão espalhadas especialmente pela Região Metropolitana, em cidades como Sapucaia do Sul, Sapiranga, Esteio e Novo Hamburgo.

Chacón diz que a maioria dos que optaram por cruzar o Brasil inteiro para chegar até o RS o fizeram porque tinham algum familiar ou conhecido que fizera essa travessia antes. Os primeiros vieram pelo Mais Médicos, entre seis ou sete, que moram em Porto Alegre há pelo menos três anos. Também há engenheiros, enfermeiros, professores como Moisés e Sara, entre outras profissões.

O projeto Araguaney, que recebeu o nome da árvore-símbolo da Venezuela — aqui conhecida como Ipê-Amarelo –, foi criado justamente para auxiliar pessoas a procurar emprego, diz Chacón, além de também prestar auxílio para as famílias que chegam e ser uma estrutura que aglutina as doações encaminhadas para a comunidade venezuelana na cidade. Oficialmente, é uma parceria com a Associação do Voluntariado e da Solidariedade (Avesol), mantida pela Rede Marista. Mas Chacón também agradece o auxílio que a comunidade tem recebido de outras igrejas, como a Adventista, Universal, dos jesuítas da Associação Antônio Vieira (Asav), do Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações (Cibai), da UFRGS — que este mês passou a oferecer uma turma de português para estrangeiros voltada aos venezuelanos –, além da assistência oferecida pela Diretoria de Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte (SMDSE). “Inicialmente, éramos sete venezuelanos. Hoje, conseguimos formar uma rede de apoio”, diz. Segundo ele, uma das ideias para integrar os conterrâneos é procurar empresas que precisam de falantes de espanhol.

Moisés e Sara têm procurado participar dos encontros promovidos por entidades com a Avesol. Num desses eventos, conheceram um casal em condições semelhantes a deles, com dois filhos pequenos. Além disso, conheceram muitas pessoas que só tinham contato por meio do grupo de Facebook “Venezuelanos em Porto Alegre”. “A gente está encontrando venezuelanos que a gente nem tinha ideia e a coisa está ficando legal”, diz Moisés.

Desmancham-se em elogios também aos parques da cidade. A Redenção já virou destino dos finais de semana, bem como a Praça Júlio Mesquita, em frente ao Gasômetro, reformada em 2016. Nos passeios, se dizem admirados com a acolhida que recebem, especialmente de outras crianças a Salomé e Mateo. “Outras crianças estão sempre se aproximando para brincar com eles. Quando se dão conta de que falam outro idioma, inicialmente estranham, mas não é um impedimento para que brinquem. As crianças são bem carinhosas”, diz a mãe.

Neste domingo, a Venezuela vai às urnas para decidir quem governará o país pelos próximos seis anos. Apesar de pesquisas mostrarem que há chances de candidatos opositores derrotarem Maduro, Sara defende que as eleições nem deveriam ser realizadas. Ela não acredita que o pleito será livre e que, independente do que acontecer, Maduro continuará no poder. Moisés diz não ter esperança na recuperação do país a curto prazo. Avalia que, mesmo que haja mudanças na política econômica, levará pelo menos cinco anos para as coisas melhorarem. Ainda assim, dizem que o desejo é voltar para casa, mas que isso não ocorrerá antes dos quatro anos de Doutorado de Moisés.


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