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2 de maio de 2018
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18:37

‘A arte vira o bode expiatório de ideias fascistas’: Coletivo realiza ato em apoio ao Instituto Goethe

Por
Sul 21
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O muro do Instituto Goethe, após as intervenções. (Foto: Giovana Fleck/Sul21)

Giovana Fleck

“Ai, meu deuso”. A frase escrita em tinta azul é o que se destaca no muro do Instituto Goethe, em Porto Alegre, desde a madrugada desta quarta-feira (02). Sobreposta a outras duas intervenções, é a última resposta aos atos contra o grafite de Rafael Pixobomb. Desde o dia 22 de abril, os muros da instituição exibem obras do projeto ‘Pixo/Grafite – realidades paralelas’, realizado para discutir modalidades de street art – que conta também com os desenhos de Amaro Abreu.

No muro principal, entre uma cidade que pinga sangue e personagens da estética de Abreu, a imagem de Jesus Cristo decapitado, com a cabeça em uma bandeja, gerou polêmica nas últimas semanas. A imagem se assemelha ao mais antigo ícone conhecido do Cristo, Pantorcrator. Mensagens de ódio e ameaças começaram a aparecer nas redes sociais do Instituto. Na noite da segunda-feira (30), tinta preta foi passada por cima da imagem de Jesus Cristo, com a frase: “Ele ressuscitou!”.

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Por conta disso, o coletivo ProsperArte convocou um ato em apoio ao Instituto no final da manhã da quarta. Para o membro do coletivo e professor da UFRGS, Francisco Marshall, a mobilização serviu para que a comunidade tomasse uma posição frente ao ataque. “Esse é o resultado de uma manifestação fundamentalista, de um espírito que nem religioso é. É um espírito de desacordo com o pensamento livre. As religiões são objeto de análise pela arte, pela História, pela Filosofia. Esse grafite era uma obra de arte pública. Não foi apenas uma reação cultural, foi uma reação estratégica de um grupo inconformado com a modernidade.”

Membros do coletivo ProsperArte e integrantes da sociedade civil em frente ao Instituto. (Foto: Giovana Fleck/Sul21)

No início do ato, durante o debate do grupo, um contraponto foi levantado sobre a frase pixada em cima do grafite original: “Mas não é arte também?”. Para Marshall, porém, não há dúvidas de que o caráter da intervenção corresponde a um ato exclusivamente violento. “A caligrafia urbana da pichação simboliza a inconformidade de quem não têm espaço no sistema da arte. Em um grau mais avançado, os grafiteiros, aqui, tiveram seu trabalho exposto. É uma mensagem ambígua, que pode sim ser agressiva. Faz parte da sua finalidade perturbar. Mas o que é feito como reação violenta e repressora não representa arte contra arte. É anti-pensamento”, conclui.

Presente no ato em frente ao Goethe, Gaudêncio Fidélis, curador da exposição ‘Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira’ fechada após 72h de críticas nas redes sociais, em setembro do ano passado, disse que o momento é de defesa da liberdade de expressão. Para ele, a frase pichada no muro representa um ataque proveniente do crescimento da intolerância. “É preciso que as pessoas tenham direito de fazer suas escolhas. Não pode ser um pequeno grupo de pessoas fanáticas que decidam por todos.”

Para Lucia Carpena, diretora do Instituto de Artes da UFRGS, o que aconteceu com as obras constitui um ato de cerceamento da liberdade de compreensão do público. “A arte tem essa possibilidade de despertar gatilhos nas pessoas, e eles são acionados. O que a gente viu aqui foi uma tentativa de censura para o que as pessoas poderiam pensar sobre aquela imagem. As pessoas se acham no direito de julgar o que os outros devem ou não ver. Mas ninguém deu esse direito para eles. É um gesto de autoritarismo.”

Para ela, há uma leitura equivocada da função da arte. Ela lembra da retaliação à performance “La Bête”, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, que convidava pessoas a tocar no artista nu. Inspirada na obra de Lygia Clark, a performance também sofreu com protestos e atos de boicote. “É um movimento amplo e em progresso no Brasil. Esse braço cada vez mais organizado que só encontra espaço por causa da ignorância das pessoas.” Para ela, no caso do Instituto Goethe, a ação foi claramente realizada sob um viés político. “E um viés distorcido, onde a arte vira o bode expiatório para a disseminação dessas ideias fascistas.”

Durante o ato do coletivo, integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) também se manifestaram contra a pintura. Após uma breve discussão, eles se retiraram do local.

Em nota divulgada hoje, o Goethe afirma que discutirá internamente as ações a serem tomadas. No dia 27, o Instituto já havia se manifestado a respeito de “mensagens de ódio” por causa das pinturas e avisado que, em breve, irá organizar um debate público para discutir a relação entre arte e religião. “Lamentamos manifestações que incitem o ódio e as ameaças à liberdade de expressão. Continuaremos com nossos esforços de incentivo à discussão e ao intercâmbio entre culturas, visões artísticas e diferentes formas do pensar. Continuamos de acreditar que a melhor forma de lutar contra a intolerância é a educação e a promoção do diálogo”, afirma a nota anterior.


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