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7 de abril de 2018
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20:00

Trabalho da Fipe contratado por R$ 3,3 milhões era realizado pela FEE por metade do valor

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Sul 21
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Movimento Em Defesa da FEE convocou coletiva de imprensa sobre o decreto de extinção da fundação | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Fernanda Canofre

Servidores da Fundação de Economia e Estatística (FEE) convocaram uma coletiva de imprensa, nesta sexta-feira (6), para se pronunciar sobre o decreto do governo do Estado que colocou um fim definitivo à Fundação e sobre a assinatura de um contrato com a Fipe, empresa privada de São Paulo, para assumir os cálculos de indicadores econômicos tradicionais.

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O contrato com a Fipe foi anunciado poucas horas depois do decreto publicado. A previsão, segundo informações do governo do Estado, é que ele dure 24 meses, com pagamento de R$ 3,3 milhões por ano. “A partir de agora, a Fipe ficará encarregada da elaboração dos principais indicadores econômicos do Rio Grande do Sul, sob supervisão da SPGG, como estimativa do PIB, IDESE e Análise de Empregos (antiga Pesquisa de Emprego e Desemprego), entre outros”, diz a nota no site oficial.

Um levantamento realizado pelos servidores, no entanto, aponta que a FEE realizava o mesmo trabalho por um valor aproximado de R$ 1,8 milhão por ano. Quase metade do valor que está sendo pago para a empresa.

“Se eles entregarem alguma coisa vai ser o que a gente chama de estimativa de atividade econômica, não serve como PIB, nem para o sistema nacional de contas. São estimativas como tem a Fiergs, a Farsul, equipes econômicas de bancos, paralelas aos números oficiais, até como uma forma de verificar se as visões estão batendo. Mas não é o dado oficial”, afirma Tomás Fiori, economista da FEE há 7 anos.

Os servidores apontam incongruências no contrato que fariam as estimativas prometidas impossíveis de serem realizadas, como é exigido pelos tribunais de contas. O PIB regional, por exemplo, é calculado com uma série de dados sigilosos repassados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) à FEE, graças a um convênio firmado entre os dois. Os dados não poderiam ser repassados a empresas privadas, segundo os economistas.

Para Adalberto Rocha, economista que trabalhou na FEE por 35 anos, o contrato é “uma fraude”. Rocha lembra que, até sua extinção, a Fundação apresentava três cálculos diferentes para o PIB: o trimestral, publicado a cada três meses; o PIB regional anual, de todo o Estado e dos municípios.

“Esses PIBs são responsabilidade do IBGE e, no Rio Grande do Sul, esse trabalho é feito junto com a FEE. Não existe nenhum exemplo no país, com essa modelagem, onde o governo do estado contrata uma empresa de fora e faz o PIB do seu estado. Nem vai existir, porque não é tradição do IBGE trabalhar assim. Eu trabalhei muito junto a eles, fui consultor do projeto de contas regionais de longa data, isso não vai acontecer. Eles nem foram contatados pelo governo do estado para sondar como vai ser depois que fechar a Fundação e ficar esse buraco no cálculo”, afirma ele.

Rocha chama a atenção ainda para o fato de que, sem o cálculo do PIB, outros indicadores outros indicadores como Idese ficam comprometidos, porque ficam sem base de cálculo.

Imagem: Reprodução

O pós-decreto

O decreto publicado nesta quinta-feira (5), colocando um fim à Fundação, pegou os servidores de surpresa. Há cerca de um mês, através de outro decreto, o governo de José Ivo Sartori (MDB) deu início ao processo de remanejamento de servidores para outras áreas do governo. Aproximadamente 14 funcionários, que ocupavam posições-chave dentro da Fundação, foram os primeiros a serem retirados dela.

Dos cerca de 120 servidores da FEE, só saíram os que aderiram ao chamado PDV (Plano de Demissão Voluntária). Outros 100 servidores, que buscam na Justiça o reconhecimento de estabilidade, em processo que pode se arrastar por algum tempo, seguem no Estado.

Para absorver parte dos servidores, o governo anunciou a criação de um Departamento de Economia e Estatística (DEE), criado dentro da Secretaria de Planejamento Governança e Gestão e dirigido interinamente pelo presidente da FEE.

“A decisão de publicar que as atividades estão encerradas não muda nada do ponto de vista legal, porque os processos legais continuam correndo no seu trâmite normal. Mas do ponto de vista da nossa atividade funcional nos vetou exercer a divulgação, os lançamentos, as coisas que carregam o nome da FEE e daquilo produzido aqui dentro”, diz Tomás Fiori, que foi lotado no novo departamento até o dia 17 de abril. Depois, assim como outros colegas, ele não sabe para onde será encaminhado.

Fiori critica a falta de planejamento na transição. O governo do Estado teve 16 meses, desde que a extinção das fundações estaduais foi aprovada na Assembleia Legislativa, para elaborar um plano de trabalho, mas nada foi apresentado. Segundo ele, servidores têm pouco conhecimento sobre local de trabalho, não há chefias, divisões ou atribuições específicas nos setores onde foram colocados. O próprio Departamento, por exemplo, tem um decreto de criação com trechos de sua função copiados do estatuto da própria FEE, sem especificar como ele irá operar, de acordo com o economista.

“Na FEE, [os trabalhos] eram coordenados em nível de núcleos, com supervisão de centro, seguindo toda uma hierarquia que articulava para que funcionasse. Agora, somos todos servidores soltos na estrutura do Estado, que não sabemos o que devemos fazer, porque ninguém nos diz, e o governo diz que vai contratar de fora um serviço que a gente está cansado de fazer e que não custa tudo isso que está sendo pago”, afirma.

Coletiva foi realizada na sede do Semapi | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Políticas públicas sem números

Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Wrana Maria Panizzi, foi presidente da FEE por um ano, oito meses e 29 dias. Uma época que, ela diz, “foi de muito aprendizado”. Para Wrana, a decisão de extinção da FEE é um “erro histórico”.

“Vamos perder uma instituição que dá confiabilidade aos dados. Por que os dados são importantes? São importantes, exatamente, quando são capazes de manter um compromisso com a verdade científica. O compromisso com essa verdade se dá com trabalho longo, metodologia, pessoal qualificado, troca de informações com outros setores”, avalia ela.

A grande questão está neste ponto, segundo Wrana. Sem a Fundação, que existe e trabalha dados a parte do governo que ocupa o Piratini, os dados poderão ficar sujeitos ao interesse político.

“Eles não são neutros porque revelam a realidade. Agora, o mau uso dos dados faz com que eles percam seu compromisso e se tornarem ‘neutros’ no sentido de que você pode fazer deles o uso que te interessar. Acho que é grave [a extinção]. Vamos perder”, diz ela, citando o exemplo da PED, com 26 anos de levantamentos.

Fiori diz que “uma transição que fosse efetivamente planejada, poderia, com menor trauma possível, preservar a continuidade de trabalho”. O que não parece mais possível. “As nossas estatísticas econômicas são bastante difíceis e problemáticas, tem muita simplificação. O grande mérito que a gente consegue ter nelas é quando a gente consegue ter consistência, pelo tempo. Quando não tenho isso, não tenho parâmetro de que lado estou indo”.


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