Geral
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17 de março de 2018
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11:13

Punir, educar e denunciar: Como lutar contra o assédio sexual no transporte público?

Por
Sul 21
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Campanha de combate ao assédio no transporte público de Porto Alegre | Foto: Divulgação/PMPA

Mariane Venditi da Rosa*

“Já se masturbaram ao meu lado. Já se esfregaram em mim. Já encostaram o braço nos meus seios. Já dormiram e ‘caíram sem querer’ deitados no meu ombro. Já tentei usar roupas masculinas, sem retratar a silhueta, mas fui tão assediada quanto sou quando uso roupas coladas ao corpo.” Relatos como o de Carla*, 23 anos, tão frequentes entre mulheres, estão entre as motivações para um Projeto de Lei aprovado na Câmara dos Deputados no dia 7 de março e que ainda precisa passar pelo Senado. De autoria da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) em conjunto com o deputado Zé Carlos (PT-MA), a proposta tipifica os crimes de importunação sexual em espaços públicos (como ruas e transportes coletivos), e a divulgação de cenas de estupro. “Nós não conseguimos prever a totalidade dos crimes sexuais nas leis. Sempre há um tipo de crime que acaba saindo impune. A minha principal motivação com esse projeto de lei é a proteção dos direitos da mulher”, diz a deputada Maria do Rosário.

Além de transformar este tipo de assédio em crime, o PL também aumenta a pena nos casos de estupro coletivo, com dois ou mais abusadores; de estupro corretivo, praticado para controlar o comportamento social ou sexual da vítima, envolvendo principalmente a comunidade LGBT; e em casos de vingança que visam a humilhação da vítima, como a divulgação de conteúdos sexuais sem consentimento.

Educar e denunciar

Quando não foram vítimas, muitas mulheres já presenciaram ou ouviram relatos de assédio no transporte público. “Presenciei uma cena de assédio em que ninguém além da cobradora do ônibus defendeu a vítima. Talvez por medo, ou por acharem que tal cena é comum”, diz Alice*, 30 anos.

Sem apoio, muitas vítimas acabam por se responsabilizar pela violência que sofrem. Para o terapeuta e educador sexual Breno Rosostolato, frases como “Mas que roupa ela usava?” só deixarão de ser ouvidas a partir da conscientização. “Só mudamos essa cultura do abuso e do assédio sexual com educação, desde a base, para desarticular o machismo estrutural. Ensinar crianças para o convívio e relações igualitárias, o respeito ao outro e as diferenças. Educar para a liberdade com respeito e não ao abuso e poder”.

A delegada Tatiana Bastos, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Porto Alegre, chama atenção para o fato de que o número de denúncias ainda é menor que a realidade: “Muitas vezes não se chega à autoria, a mulher silencia e acaba não denunciando. A gente sabe que tem uma subnotificação muito grande”, observa. Tatiana também reforça a importância do ato da denúncia: “No âmbito criminal, quando a gente gera uma estatística, conseguimos pautar políticas públicas e gerar um protocolo. Isso é afinado com os dados conhecidos. Quando a subnotificação é muito grande, nós não temos a dimensão do que é essa realidade.”

Para incentivar as denúncias na Capital, a Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre (EPTC) está desenvolvendo um aplicativo que terá, entre outras coisas, a função de denunciar assédios de forma rápida e discreta. “É bom para a gente ter esse canal mais rápido, porque a gente sabe que acontece muito, e as pessoas não denunciam. Os casos que chegam são extremos”, relata Fábio Berwanger, diretor de operações da EPTC. A empresa também lançou uma campanha de conscientização contra assédios em transportes coletivos no dia 27 de novembro, Dia Internacional contra a Violência de Gênero.

Para denunciar, ligue: 
Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência: 180
Telefone Lilás: 0800 5410803

Vagão Rosa

No Estado do Rio de Janeiro, a Lei 4733/06 dispõe sobre a destinação de espaços exclusivos para mulheres em trens e metrôs. Em São Paulo, o método também é utilizado, apesar de não ser regido por lei. Mas será que separar as mulheres é a solução para esse problema? O psicólogo Breno Rosostolato acredita que a implementação deve ser repensada por diversos fatores: “Separar mulheres em um vagão específico as culpabiliza, como se elas fossem a causa do assédio sexual. Além disso, é reduzido o espaço de convivência da mulher, e o agressor continua assediando em outros espaços públicos. Essas políticas públicas reforçam o machismo e a violência. O assédio sexual não está relacionado a desejos incontroláveis, mas à uma prática de poder. São poderes e privilégios que devemos debater”.

Segundo a Assessoria de Imprensa da Trensurb, a empresa não considera a hipótese de implantar vagões exclusivos para as mulheres.

Os nomes foram modificados para preservar a identidade das vítimas. Todas elas são moradoras da Região Metropolitana de Porto Alegre.

(*) Mariane Venditi da Rosa é aluna do curso de Jornalismo da UFRGS e teve sua matéria publicada mediante concurso de reportagem promovido pelo DACOM


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