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7 de março de 2018
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17:46

Após demissões em massa, CAU-RS denuncia precarização do ensino de Arquitetura no RS

Por
Luís Gomes
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CAU-RS denuncia desqualificação do ensino de arquitetura e urbanismo no Rio Grande do Sul. Da esquerda para direita: Claudio Fischer, Tiago Holzmann e Rafael Passos | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RS) apresentou nesta quarta-feira (7) um dossiê ao Ministério Público Federal denunciando a precarização do ensino de Arquitetura nas universidades privadas do Rio Grande do Sul. Em entrevista concedida nesta manhã ao lado de outros profissionais da área, o presidente da entidade, Tiago Holzmann, explica que o material é resultado de um movimento foi iniciado em janeiro como reação às demissões em massa e mudanças nas cargas horárias das universidades e que à época já havia se reunido com o MPF para discutir o processo de precarização do ensino superior no RS. Apesar de evitarem nomear especificamente uma universidade, a UniRitter surgiu em diversos momentos como um exemplo de instituição onde o curso de Arquitetura passa pelo processo de desqualificação.

O dossiê aponta uma série de problemas que resultariam na desqualificação do ensino de arquitetura e urbanismo no Estado, como a demissão em massa de professores – não há números restritos aos cursos de Arquitetura, mas, segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro-RS), 1.216 professores do ensino superior foram demitidos no RS; o aumento da modalidade Ensino à Distância (EAD) nos cursos de arquitetura, com o registro de uma faculdade que oferece a formação 100% via EAD; a redução do período-aula de 50 minutos para 37 minutos e até 25 minutos, como ocorreu na UniRitter; alterações curriculares que não respeitam diretrizes do MEC e com redução de carga horária, com casos em que são oferecidas menos horas do que o mínimo exigido pelo MEC; queda no conceito de cursos.

O CAU aponta que, com essas mudanças, universidades incorreram em violações ao Código do Consumidor por não terem oferecido informação adequada aos alunos; violações do direito constitucional ao ensino de qualidade; e que está ocorrendo a formação de oligopólios que priorizam os lucros em detrimento da qualidade do ensino.

Apesar de evitarem citar o nome das faculdades, os arquitetos destacaram que o caso da UniRitter é emblemático por reunir demissão em massa, redução de carga horária, redução da duração dos períodos e alterações curriculares. “A pergunta que a gente tem feito é se uma empresa que tem ações na bolsa, no momento de decidir, vai priorizar a qualidade do ensino ou a rentabilidade dos seus acionistas?”, diz Holzmann.

O pedido do CAU é de que o MPF abra um inquérito civil para investigar os problemas que estão levando à precarização do ensino de Arquitetura.

UniRitter é um caso citado onde estaria ocorrendo desqualificação do ensino de Arquitetura | Foto: Divulgação

Ensino R$ 1,99

Para Holzmann uma das maiores preocupações é com a expansão do EAD, que considera ser uma ferramenta importante para a complementação da educação, mas que não substitui a relação entre professor e aluno. O presidente do CAU destaca que o ensino prático é essencial nos cursos de Arquitetura, citando como essencial, por exemplo, a participação em laboratório de projeto.

Rafael Passos, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), destacou que a espinha dorsal do curso de Arquitetura é o ensino prático e que a atuação profissional na área exige hoje cada vez mais trabalho em equipe e cooperação entre os arquitetos, o que fica inviabilizado no ensino à distância, modalidade que eles classificaram como “ensino R$ 1,99”.

Segundo Holzmann, essa maior permissividade com os cursos EAD, que violam até portaria do MEC determinando que não devem ultrapassar 20% das disciplinas, é resultado direto do lobby feito pelos grandes grupo educacionais no Congresso Nacional e dentro do próprio ministério, uma vez que esses grupos teriam representantes em cargos de alto escalão.

Claudio Fischer, responsável pela comissão de ensino e educação do CAU, destaca que a entidade tem como objetivo proteger a sociedade do mal profissional. Para ele, as demissões em massa nas escolas privada têm motivação apenas financeiro e tem como resultado a queda na qualidade dos corpos docentes no Estado, uma vez que estão sendo demitidos os professores mais qualificados que recebiam os maiores salários. Só a UniRitter demitiu 139 professores na virada entre o segundo semestre de 2017 e o primeiro de 2018.

Ele pondera que as escolas de Arquitetura do RS estavam rotineiramente entre as melhores do Brasil, mas que a qualidade está caindo especialmente pelo crescimento da participação de grupos multinacionais no mercado da educação, que tem se caracterizado pela compra de universidades locais. Rafael Passos diz que está se percebendo uma tendência cada vez maior de concentração de universidades privadas, antes em sua maioria eram confessionais e comunitárias, nas mãos de atores internacionais.

Sem citar diretamente o nome da UniRitter – compra em 2010 pela rede americana Laureate International Universities -, Holzmann criticou o fato de a universidade estar abrindo um campus no shopping Iguatemi por considerar que trata-se de um processo de mercantilização que desqualifica o ensino. “A vinculação do ensino com o shopping é algo que nos desagrada. Vou comprar uma calça de brim e também o título de arquiteto”, ironizou.

Foto: Joana Berwanger/Sul21

Aumento do número de cursos

Segundo o CAU, há atualmente 48 cursos de Arquitetura no RS, aumento de 30% apenas no último ano e meio. Fischer ponderou que isso poderia significar uma valorização do arquiteto na sociedade, mas que não é isso que se verifica e sim a falta de fiscalização pelo MEC dos novos cursos.

Passos pondera que, como resultado do aumento do número de cursos, o RS atualmente está chegando a uma proporção de arquitetos por habitantes semelhante a de países como França e Inglaterra, que são países menos desiguais e que tem mais demanda para o trabalho deste profissional. E, para piorar, ainda há uma grande concentração territorial dos profissionais em grandes cidades.

Ele ainda ressaltou que não cabe ao CAU pedir a suspensão de cursos, mas sim cobrar do MEC uma maior cooperação para fiscalização da qualidade dos cursos e de seus egressos, o que aí sim é o trabalho das entidades profissionais. O presidente do IAB-RS ponderou que a margem de ação do conselho é bastante limitada, uma vez que a legislação determina que o CAU é obrigado a registrar os profissionais formados em universidades credenciadas pelo MEC.

Contudo, como destaca Holzmann, há faculdades criadas na última década que já começaram a formar alunos sem terem sido aprovadas pelo MEC e, quando esses egressos buscam a Justiça para exigir o registro profissional, tem obtido ganha de causa. Ele diz que o MEC está “claramente patrocinando” essas iniciativas de expansão do EAD e aumento de cursos sem a qualificação necessária. Ele citou como “exemplo de absurdo” da proliferação de “faculdades R$ 1,99” o fato de que encontraram um curso 100% EAD de Enfermagem.

Os arquitetos destacam que, como resultado da proliferação de cursos de baixa qualidade, a sociedade corre o risco de ficar cada vez mais exposta à queda na qualidade de construções, problemas de segurança de edificações, de organização dos espaços urbanos, riscos de incêndios, entre outros problemas para a cidade que podem ser incontornáveis. Para Passos, o caso mais drástico pode ser uma estrutura mal planejada que resulte em uma construção com danos estruturais, mas que há problemas como aumento da insalubridade de edificações e perda de eficiência energética.


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