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29 de março de 2018
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22:29

Após decisão judicial, UFRGS convoca cotistas pendentes para matrícula provisória: ‘a gente se sente como penetra’

Por
Luís Gomes
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Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Jonathan de Moura Soares e João Vítor Almeida Santos passaram no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de 2018 para as vagas reservadas para cotistas socioeconômicos – para estudantes oriundos de famílias com renda bruta mensal igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo nacional per capita. Ao final de janeiro, entregaram a documentação para fazer a matrícula, mas como a universidade considerou que faltavam informações, tiveram que apresentar mais documentos, enquanto isso, iam acompanhando as aulas sem estar matriculados formalmente. Quase um mês depois do início do semestre, graças a uma decisão judicial em resposta a uma ação do Diretório Central dos Estudantes (DCE), os dois receberam um e-mail nesta quinta-feira (29) informando que terão direito a uma matrícula provisória. Contudo, segundo a UFRGS, isto não está disponível a para alunos que tentam a vaga pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e há outros estudantes que reclamam de problemas no processo de análise documental que não serão contemplados.

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Jonathan diz que, em decorrência do curto prazo de tempo para reunir a documentação necessária para fazer a matrícula, acabou não conseguindo enviar um documento referente a declaração de que ele não possuía renda própria. Após a análise inicial, no início de março recebeu então uma mensagem no Portal do Candidato que dizia que faltavam mais dois documentos – a rescisão contratual de sua mãe e o comprovante de que estava recebendo o seguro-desemprego -, o que enviou no último dia 15. Desde então, aguarda uma resposta para saber se sua matrícula será homologada ou não pela universidade.

O problema para Jonathan é que as aulas da UFRGS começaram no dia 5 de março e ele não está na chamada de nenhuma cadeira. Por enquanto, está assistindo as aulas na expectativa de que tenha uma resposta positiva, mas, como não está matriculado formalmente, não tem acesso a direitos básicos de todos os alunos, como ao Restaurante Universitário, à bibliotecas, às salas de aulas virtuais e à documentação necessária para fazer a passagem escolar. “Teve uma palestra que um professor deu sobre pré-história que eu não pude assistir. É um transtorno e eles não dão prazo, simplesmente dizem que está em avaliação. Já vai fazer mais de um mês do início das aulas, acho que seria tempo suficiente para eles avaliarem a documentação”, diz o estudante.

João Vitor Almeida Santos (Arquivo Pessoal)

João, que entrou nas cotas raciais socioeconômicas, conta que recebeu uma resposta da UFRGS sobre a documentação apresentada inicialmente e solicitando o envio de mais documentos no dia 16 de março. “Alegaram que a comprovação de renda não tinha sido bem explicada, não tinha sido apresentado extrato bancário”, diz, acrescentando que apresentou toda essa documentação no recurso, mas que ainda não obteve resposta.

Assim como Jonathan, ele também vinha acompanhando as aulas sem saber se teria a matrícula homologada ou não. “Em fevereiro, a maioria dos colegas já estavam matriculados, comendo no RU, com Tri, assistindo as aulas normalmente e eu estava nessa situação de espera e fazendo várias correrias”, diz. “A sensação é de exclusão na sala de aula. A gente acaba sendo marcado como cotista. Não que eu tenha vergonha, mas gera um constrangimento na hora da chamada. A gente se sente como se estivesse ali como penetra. Fica uma situação chata. Sem falar nos gastos por não conseguir acessar o RU e a passagem escolar”, complementa.

Nesta quinta-feira, Jonathan e João receberam e-mails solicitando que informassem se gostariam de se matricular no bacharelado ou em licenciatura de Historia e foram informados que poderiam fazer a matrícula provisória na próxima semana. Os estudantes em situação provisória estão sendo comunicados por e-mail e terão que comparecer às comissões de graduação (Comgrads) de seus cursos nos dias 3 e 4 de abril, entre 9h e 12h ou 14h e 17h, conforme o horário recomendado para cada candidato. A UFRGS ressalta que a matrícula provisória vale apenas para estudantes que prestaram o vestibular 2018 e que aqueles que ainda aguardam a homologação da matrícula via Sisu não estão contemplados na ação judicial, isto é, terão de aguardar a conclusão da análise documental pela universidade.

Os candidatos listados na relação a ser divulgada precisam efetivar sua matrícula provisória presencialmente, comparecendo junto às Comissões de Graduação (COMGRADs) de seus respectivos cursos nos dias 3 e 4 de abril (terça e quarta-feira), no horário das 9h às 12h ou das 14h às 17h, conforme faixa horária recomendada para cada candidato.

Ação judicial

A matrícula provisória ocorre porque, na terça-feira (27), a juíza Graziela Cristine Bündchen, da 1ª Vara Federal da Fazenda Pública, acatou um mandado de segurança ajuizado pelo Diretório Central de Estudantes (DCE) que exigia que os estudantes que estivessem em situação pendente tivessem a matrícula provisória realizada imediatamente para que pudessem acompanhar as aulas em “igualdade de condições com os demais alunos”.

Contudo, a decisão da magistrada ressalta que a matrícula provisória dos candidatos deverá perdurar “apenas até a conclusão definitiva das avaliações de ordem étnico-racial, escolar/acadêmica e socioeconômica no âmbito administrativo”, pois “uma vez julgados os recursos de forma definitiva pela Universidade, a decisão administrativa deverá prevalecer, considerando a presunção de legitimidade dos atos administrativos”.

Frederico Lemos, Gabriela Silveira, do DCE da UFRGS, e o advogado Ramiro Castro. (Arquivo Pessoal)

Coordenadora-geral do DCE, Gabriela Silveira explica que desde que saiu a lista dos aprovados no Vestibular o diretório vem prestando auxílio para todos os estudantes que vêm enfrentando problemas com suas matrículas, o que motivou que fossem ajuizadas duas ações. Uma primeira para garantir a matrícula de todos os estudantes oriundos de escolas públicas que enfrentaram greve no ano passado e com isso não tinham terminado o Ensino Médio em tempo hábil. A segunda ação se referia justamente aos casos como o de Jonathan e João, isto é, em que a análise recursal estava pendente para que os estudantes pudessem acessar a matrícula e os mesmos benefícios dos demais estudantes. Segundo a UFRGS, 438 alunos estão sendo chamados para a matrícula provisória.

O DCE também está pleiteando junto à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis que disponibilize mais prazo para que os alunos cotistas possam acessar aos benefícios (gratuidade no RU, moradia, Auxílio Transporte, etc.) com a matrícula provisória e junto a Pró-Reitoria de Graduação para que ofereça mais vagas de monitoria para auxiliar nas cadeiras que apresentam maiores índices de reprovação no primeiro semestre. Segundo ela, o próprio diretório está criando uma monitoria solidária para auxiliar os cotistas que já foram prejudicados com a demora na análise documental.

Contudo, Gabriela destaca que o DCE agora está disponibilizando um formulário para que estudantes que não se enquadram nas duas situações, mas ainda não tiveram a matrícula homologada, com o objetivo de estudar a possibilidade de ingressar com outro mandado de segurança coletivo. “A UFRGS desde o início tem tido vários problemas, cometeu erros grosseiros e, por isso, que a gente está com esse formulários pedindo informações para poder entrar judicialmente”, diz.

‘Excesso de renda’

Um dos estudantes que se encontra numa terceira situação e reclama da análise documental feita pela universidade é William Cândido, que também prestou Vestibular para o curso de História. Ele conta que, ao se inscrever para buscar uma vaga na UFRGS, solicitou o acesso por cotas destinadas para estudantes de escola pública – diz ter estudado a vida toda em escola pública – e pelo critério socioeconômico. Ele acabou sendo aceito no primeiro critério, mas tendo a matrícula negada no segundo porque a UFRGS considerou que a renda familiar bruta ultrapassava 1,5 salário mínimo per capita (o equivalente a R$ 1.431).

O que William reclama é que esta análise não está correta. Ele diz que sua mãe, que trabalha como vendedora, é divorciada, não recebe pensão e é a única provedora da família com um salário fixo de cerca de R$ 1,1 mil reais. A declaração de renda apresentada para a universidade, referente ao ano de 2016, apresentava vencimentos de R$ 22 mil, o que daria uma renda mensal bruta per capita na casa dos R$ 916.

“Quando eu passei, bixo UFRGS, era só felicidades. A gente foi atrás de toda a documentação. Depois de um mês, uma semana antes de começar as aulas, eles não homologaram. Eles implicaram com basicamente duas coisas: a média salarial dos seis meses que foram analisados, que passou do permitido, e certos depósitos que estavam sendo feitos na conta dela. Quando a pessoa não é homologada, a gente pode entrar com recurso e foi isso que eu fiz. O fixo dela é apenas R$ 1.081, ela depende das comissões e das gratificações. Por exemplo, ela precisa vender muito em dezembro para conseguir salvar dinheiro para sustentar outros meses piores, como janeiro, fevereiro e março. A renda da minha mãe é sazonal, mas por causa de dezembro, ela fica um pouquinho acima da média. A média passou menos de R$ 100 per capita. Ficou em R$ 3 mil e pouquinho. Eles também queriam esclarecimentos que estavam sendo feitos em uma conta da minha mãe, que era a minha irmã que estava depositando porque a minha mãe estava com uma dívida de R$ 10 mil no banco. Eles alegaram que toda a renda que entrava fazia parte da renda familiar, só que aquela renda vai direto para o banco, não vai para minha mãe”, diz.

William conta que já apresentou uma declaração da mãe, autenticada em cartório, explicando a origem do depósito e outra da chefe dela informando que a renda é sazonal e não fixa. Contudo, há dois dias recebeu o indeferimento da matrícula. “Dá para perceber que eles nem se deram o trabalho de ler as declarações. E eles fizeram um novo cálculo em que a média salarial dela aumentou, ficou em R$ 6 mil, o que não é verdade”, diz. “A gente tem noção de que a média dos últimos 12 meses ultrapassou um pouco, mas foi só uns R$ 80 por cabeça e que se trata de renda variável. A minha mãe precisa trabalhar cedo, fazer hora extra, se matar trabalhando e o que mais me entristece é que eles nem marcaram uma entrevista para compreender o contexto da pessoa. Tá, realmente, passou, mas quem paga a faculdade com R$ 80 reais? A renda de uma vendedora é superior? Eles não estão preocupados com isso, só querem cortar as pessoas”.

O estudante diz que a família estuda agora entrar com uma ação na Justiça para garantir o direito à vaga. Enquanto isso, o DCE diz que casos como esse precisam ser informados através do formulário disponibilizado pelo diretório para que seja estudada a possibilidade de uma nova ação coletiva.


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