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26 de fevereiro de 2018
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22:47

Pais rejeitam fechamento de escola voltada para crianças de ‘extrema vulnerabilidade’

Por
Luís Gomes
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Escola de Ensino Fundamental Ayrton Senna está ameaçada de fechamento | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A rede estadual de educação está iniciando seu ano letivo de 2018 com seis escolas a menos em Porto Alegre. Mas, em entrevista publicada pelo site GaúchaZH nesta segunda-feira (26), o secretário estadual de educação, Ronald Krummenauer, diz que se “arrepende de não ter fechado mais escolas”. Pela lógica, do secretário e do governo do Estado, como a taxa de natalidade da população e o número de estudantes da rede pública tem caído nos últimos anos, não há prejuízos que alguns colégios fechem as portas e os alunos sejam encaminhados a locais próximos. Mas pais e professores da EEEF Ayrton Senna da Silva, localizada no bairro Santo Antônio, uma das que serão fechadas, não concordam com essa argumentação.

Nesta segunda, representantes da Secretaria de Educação (Seduc) foram à escola para participar de uma reunião com o corpo docente e com pais de alunos – também contou com a participação de representantes do Centro de Professores do Estado (Cpers) e da vereadora Sofia Cavedon (PT) -, em que apresentaram a proposta de fechamento da sede atual da escola e deslocamento da instituição para o mesmo prédio da EEEF Balduíno Rambo, distante 1,4 km, nas proximidades da Av. Bento Gonçalves, bairro Partenon. Para as representantes da Seduc, não haveria prejuízo para os alunos e, na verdade, eles estariam ganhando, porque foi apresentado a eles a possibilidade de a escola passar a funcionar em turno integral, se assim tivessem interesse.

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A ideia, contudo, foi rechaçada por veemência tanto por pais quanto pelo corpo de funcionários da escola. Para os pais, as principais preocupações dizem respeito a segurança dos filhos e o aumento do deslocamento. Já para o corpo docente, há a preocupação de que a escola perca a sua política pedagógica atual. A Ayrton Senna não é uma escola convencional porque trata-se de uma escola aberta, isto é, ela pode receber alunos em qualquer época do ano e não fecha durante as férias. Além disso, conta com turmas menores, com 10 alunos em média. Isso ocorre porque a maioria das crianças que ali estuda foram encaminhadas pelo Ministério Público ou pelo Conselho Tutelar em situação de alta vulnerabilidade. Em geral, isso se traduz em alunos com histórico de violência, repetência ou defasagem cognitiva, que não conseguiram acompanhar as aulas nas escolas regulares.

Valmir da Silva Lima, é morador da Restinga, mas diz que mantém a filha Ana Clara, 10 anos, na Ayrton Senna porque foi essa escola que a ajudou a superar deficiências cognitivas que a levaram a rodar e a sofrer bullying na escola regular. Ana nasceu prematura, de apenas cinco meses, e teve duas paradas cardíacas após o parto. Valmir conta que os médicos disseram que, como sequela, ela teria dificuldades de aprendizado. “Ela tem um probleminha e aqui, como o número de crianças é reduzido, adquiriu muita coisa que em outra escola não conseguiria adquirir, o aprendizado dela foi excelente”.

Ana Paula Tavares tem dois filhos na escola | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para Valmir, é inaceitável que a escola seja deslocada para junto da Balduíno Rambo. “É um lugar inviável, que não tem segurança, o prédio todo detonado, sem condições. A nossa proposta é não sair daqui”, afirma. Atualmente, Ana Clara está na quarta série, praticamente acompanhando as demais crianças de sua idade.

Ana Paula Tavares é mãe Tomas, 7 anos, e Larissa, 10 anos, além de ser a representante dos pais no Conselho Escolar da Ayrton Senna. Moradora de uma área conflagrada no bairro Medianeira, próximo de onde a escola está localizada, Ana Paula defende que é essencial que a escola permaneça onde está por questões de segurança. “Pedimos para manter o prédio para que a gente ainda possa continuar trazendo as nossas crianças em segurança. Aqui é uma área neutra”, diz.

Já a Balduíno, segundo Ana Paula, está localizada em uma área de risco. “A gente que mora aqui nunca teve interesse em colocar os filhos porque [a Balduíno] é uma escola que já está em situação precária há muitos anos, desde o tempo que eu estudava. Ali tem uma situação de tráfico e já não é de hoje, assaltos, tudo isso torna em uma área de risco. Imagina para nós que temos filhos pequenos, de 7 anos, crianças que não tem o mesmo raciocínio de outras das escolas normais”, pondera a mãe.

A supervisora da escola Patrícia Patrícia também argumenta que, graças às características da escola, é possível dar um excelente encaminhamento para crianças que acabaram ficando para trás em outros locais. “Os alunos chegam aqui não alfabetizados no 3º ano do Ensino Fundamental. Aqui, como a proposta é diferenciada, com poucos alunos por sala, a gente tem quase 100% alfabetização na 1ª série. Falo com certeza porque eu sou a supervisora e conheço todos os alunos pelo nome”, diz, destacando, por exemplo, que a escola trabalha todas as atividades de forma pedagógica, mesmo que não relacionadas ao ensino, como horário das refeições, de escovar os dentes, que sempre são acompanhados de músicas ou alguma forma de aprendizado. “É uma proposta diferenciada do resto da rede, onde ele é só mais um no meio de 30. O aluno vai perder sim, com certeza”.

Diretor Adroaldo Machado Ramos conversa com pais durante a reunião | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O diretor Adroaldo Machado Ramos destaca que o espaço das escola foi pensando para receber alunos que vêm de situação de extrema vulnerabilidade encaminhados pelo Ministério Público ou o Conselho Tutelar. A escola funciona numa casa, com apenas sete salas de aula – atualmente funcionam seis turmas, de 1ª a 5ª série, com 10 alunos cada. As paredes são cobertas por mensagens que promovem a cultura da paz e a corpo docente tem um trabalho diferenciado para ser um espaço seguro para crianças habituadas a um ambiente de violência. “Esse aluno precisa de um atendimento pedagógico diferenciado. Então, esse espaço físico é pensado com essas limitações, onde se trabalha com 10 alunos por turma, que atende o aluno individualmente, que serve as quatro refeições dia. É por isso que pensamos que essa casa-escola é um espaço adequado para esse aluno de extrema vulnerabilidade”, defende.

Sobre a questão da violência, Patrícia argumenta que a escola é considerada um espaço neutro porque não está localizada em uma área conflagrada, apesar de estar localizada na região da Grande Cruzeiro. “A gente recebe alunos que moram em áreas com problema de conflito entre facções, bala perdida, zonas de tráfico, e está longe desses ambientes”, afirma. Já a Balduíno Rambo seria exatamente o oposto, estaria localizada próxima a uma “conhecida boca de tráfico. “Se for determinado que o corpo de professores e as crianças terão que ir para essa escola, asseguro que muitos pais não irão aceitar por questões de segurança para seus filhos”.

Durante a reunião, as representantes da Seduc, especialmente a coordenadora estadual do programa de escola em turno integral, Hilda Diehl, tentaram argumentar que as crianças não teriam prejuízo com o deslocamento e que, na verdade, seriam beneficiadas pelo turno integral, e tentou convencer os pais que a qualidade do ensino seria mantida com o argumento de que a Ayrton Senna continuaria a existir com direção e corpo docente separados no mesmo prédio da Balduíno. “Não existe uma fusão imediatamente”, disse, mas após questionamentos dos pais, reconheceu que essa possibilidade poderia ocorrer no futuro.

Presentes no encontro, representantes do Cpers e a vereadora Sofia Cavedon argumentaram que a escola em turno integral é uma situação positiva para os alunos, mas criticaram o fato de, no caso específico da Ayrton Senna, os pais terem tomado conhecimento do fechamento da sede da escola apenas quando as aulas estavam prestes a iniciar. Os pais também questionaram Hilda se a decisão era motivada apenas pelo aspecto financeiro, devido ao fato do prédio ser alugado – o contrato de aluguel vai até 2019. As representantes da Seduc destacaram que, sim, a decisão passa pelo componente do pagamento de aluguel e argumentaram que as mudanças na escola já haviam sido anunciadas no ano passado, mas reconheceram que só tomaram conhecimento do deslocamento para outro local recentemente.

Hilda Diehl (de pé e ao centro) tentou argumentar com os pais que o deslocamento da escola seria benéfico | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Resultado indefinido

Durante a reunião, Hilda deixou claro que não há mais a possibilidade de a Ayrton Senna continuar a funcionar como escola aberta, uma vez que essa seria uma modalidade antiga que está sendo abandonada pelo governo do Estado. O argumento central da Seduc é que não há justificativa para manutenção desse tipo de instituição quando há políticas nacionais de maior abrangência sendo desenvolvidas. Contudo, como houve a recusa dos pais a aceitarem o turno integral na Balduíno, ela reconhece que, em princípio, as aulas da Ayrton Senna começarão no dia 12 de março no atual prédio. Adriana Cunha, assessora da 1ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), destacou, porém, que a escola deverá a funcionar apenas em turno regular e não mais com o modelo atual, muito próximo da escola integral, uma vez que a escola não teria condições físicas de se adequar ao modelo proposto pela Seduc.

Por sua vez, o diretor Adroaldo diz que a escola começará em 12 de março com a mesma política pedagógica dos anos anteriores, abrindo as portas das 8h às 17h. Ele salienta que, na próxima quinta-feira (1º), a promotoria de educação do Ministério Público irá se reunir com representantes do Estado para avaliar a decisão de extinção das escolas abertas – o MP atualmente é um dos órgãos que encaminha crianças para a Ayrton Senna. Além disso, ele conta com a possibilidade de reversão da mudança em uma reunião com o secretário Krummenauer a ser marcada. Hilda destacou que irá levar as críticas e reclamações da comunidade ao secretário, mas que não tinha o poder de interferir na decisão, uma vez que o fechamento das escolas era uma determinação dos gabinetes.


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