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18 de janeiro de 2018
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17:20

‘Não operamos com o mínimo’: Engenheiros denunciam precarização do DAER e deterioração das rodovias

Por
Sul 21
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Paulo Campos, Laércio Toralles e Sônia Bertolucci, respectivamente. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Giovana Fleck

Em 2008, cerca de 20 engenheiros do Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (DAER) redigiram um plano de atualização com o objetivo de analisar a situação do Departamento e propor ações que buscassem melhorias e modernizações. O relatório apresenta não só maneiras de melhorar os serviços oferecidos pelo DAER, como também pontos de economia por meio de planejamento estratégico visando recuperar a independência financeira e administrativa do Departamento. “Pena que ninguém leu”, diz um dos autores, o engenheiro civil e presidente da Sociedade dos Engenheiros Civis do DAER (Secdaer), Laércio Toralles. Ele afirma ainda esperar pelas melhorias que propôs há quase dez anos. “Na verdade, ocorreu o contrário do que se esperava”.

Em 2018, o DAER completa 81 anos – e as perspectivas não são promissoras. Hoje, o Departamento é responsável não só pela manutenção de mais de 11 mil km de malha rodoviária, como também pelo transporte coletivo intermunicipal, pelo policiamento do trânsito rodoviário e pela realização de pesquisas sobre o transporte e que promovem desenvolvimento tecnológico para aplicação prática na construção ou preservação de rodovias. “O DAER não existe só para tapar buracos”, brinca Paulo Ricardo Campos, presidente da Sudaer (Associação dos técnicos de nível superior do DAER) e engenheiro mecânico.

Sônia Bertolucci, engenheira civil e membro da diretoria da Secdaer afirma que o compromisso do DAER é com a boa aplicação da engenharia, porém, de acordo com o que é possível em termos técnicos. “Estamos na luta por melhores condições de trabalho há anos, mas precisamos de uma resposta, não de menos incentivos”, desabafa.

Estrutura em risco

Renovação da rodovia que leva ao Vale dos Vinhedos pelo DAER. Foto: Divulgação/DAER

No início do século XX, o DAER operava como construtor de rodovias em um Rio Grande do Sul com quase nenhuma estrutura de circulação interurbana. “O perfil mudou com o passar dos anos e das demandas”, diz Campos. Com a Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro assumiu um novo perfil de estrutura
pública. Assim, ele deixa de ser o único empreendedor, passando a exercer o papel de normatizador, regulador e fiscalizador. Por conta disso, as grande obras de construções começaram a ser terceirizadas. Em função disso, as instalações do DAER se localizam em zonas estratégicas em 17 cidades do RS.

Porém, no final do ano passado, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul divulgou um levantamento de ativos imobiliários na proposta de pré-acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Na lista constam as Superintendências Regionais do DAER de Santa Maria e Bento Gonçalves, que contam com, em média, 90 servidores. “Ambas estão ativadas agora. E queremos que continue assim”, ressalta Toralles. Segundo a Secretaria da Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos  (Smarh – RS), três imóveis foram encaminhados para concorrência. Ao todo, eles somam R$ 51 milhões e 630 mil. Apenas um dos ativos foi vendido, os outros dois devem ser colocados à venda novamente mas não há previsão de data.

Segundo o Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio Grande do Sul (Senge), no dia 4 de dezembro, foram publicados editais de Concorrência Pública para alienação dos imóveis. A abertura das propostas foi homologada no início de janeiro e, assim, os imóveis deverão ser desocupados em até 90 dias. “Porém, não se fala em realocação ou em demissões. Por parte do Estado, na verdade, não se fala em nada”, ressalta Campos. De acordo com a Smarh, o levantamento de imóveis para concorrência prevê a racionalização e destinação de ativos, assim como a alienação dos dispensados ao uso público e outros fatores, como a modernização do sistema e maior fiscalização. Campos afirma que os servidores não são contra a venda dos imóveis, desde que isso não represente uma redução de equipe e que ocorra uma transferência de unidades dentro dos municípios. “Quando aparecerem os problemas nas rodovias, quem vai pagar a conta é o DAER e seus servidores por falta de planejamento”.

“A falta de investimentos vem caindo com o passar dos anos, é algo que chega a ser mensal”, aponta Toralles. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Os últimos concursos para selecionar servidores para o DAER ocorreram, respectivamente, em 1972, 1998 e em 2010. Quando os três engenheiros entraram, a equipe contava com cerca de 1.800 funcionários. Hoje, são menos de mil, contando com cerca de 700 operários e menos de 300 técnicos em nível superior. Alguns contratos emergenciais foram realizados nos últimos anos, porém, segundo os engenheiros, não suprem a demanda.

Campos e Bertolucci já estão em abono-permanência, se encaminhando para a aposentadoria. Torelli afirma que mais de 200 servidores do DAER poderiam se aposentar de imediato. “São as mesmas pessoas para responder pelas mesmas demandas de uma equipe que deveria ser muito maior”, aponta Campos.

Bertolucci, Campos e Toralles se consideram da “velha guarda” entre os servidores. Dentro do DAER, acompanharam as gestões de diferentes posições políticas. “O problema não é esse governo”, aponta Toralles. “A falta de investimentos vem aumentando com o passar dos anos, é algo que chega a ser mensal”. Ele afirma que processos que deveriam demorar dias acabam se transformando em meses. “Vai indo pra baixo da pilha. O que três deveriam fazer acaba nas mãos de um. Por isso reclamam tanto das rodovias estaduais”.

O quadro de profissionais de nível superior está em 40% do necessário previsto pela legislação. Somente 80 são da área de Engenharia. O número de técnicos de nível médio está reduzido a 12% do necessário. “Temos acesso, apenas, a dados contabilizados a partir de 2003. Comparando com 2017, percebemos que o que foi aplicado representou apenas 66% dos investimentos de 2003, em valores corrigidos”, diz Campos.

Os engenheiros listam o que gostariam de ter feito se o relatório de 2008 tivesse sido levado em consideração: duplicação de vias, modificações na matriz de transporte – equilibrando o transporte rodoviário e o ferroviário, modernização nas rodovias e diversas outras obras em estrutura e pesquisa. “Em mais de 20 anos, nunca paralisamos. O DAER trabalha, e muito, só que ninguém vê. O problema é que precisaríamos de muito mais para operar o mínimo”, desabafa Toralles.

“Estamos na luta por melhores condições de trabalho há anos, mas precisamos de uma resposta, não de menos incentivos”, desabafa Sônia. Foto: Joana Berwanger/Sul21

“Reestruturação”

Cada quilômetro de estrada nova custa entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão. Porém, devido ao peso trasportado e desgastes naturais, a rodovia precisa passar por manutenções. Cada quilômetro reparado custa cerca de R$ 350 mil. “São custos muito altos. Quanto mais se deixa a rodovia sem manutenção, mais se gasta”, explica Toralles. Sem poder intervir em momentos propícios, o gasto das ações do DAER acaba sendo maior.

Ainda assim, o governo atual considera que deva ocorrer uma diminuição da operação funcional para enxugar gastos dentro do RRF. A redução das superintendências implicaria na instalação de escritórios regionais e, assim, no investimento em servidores administrativos e na diminuição de engenheiros – que, possivelmente, viriam a ser terceirizados.

Exemplo disso foi a possibilidade de alienação do laboratório que realiza pesquisas para o DAER em Porto Alegre. Em função dos pesquisadores, cuja equipe somará servidores da extinta CIENTEC, as manutenções e construções podem ser adaptadas para as condições de circulação das vias. Por conta de intervenções do grupo de engenheiros, o Governo voltou atrás. “Mas nós já somos velhos, e não existe uma nova geração para lutar pelo DAER”, afirma Sônia Bertolucci.

Os servidores afirmam não verem a privatização como possibilidade. “Têm estradas onde passam 20 carros por dia. Eles vão ter que pagar R$ 100 de pedágio? É inviável”, argumenta Paulo. Porém, eles temem o desmonte gradual do DAER a ponto de não poderem operar. “Construir estradas boas dá prejuízo. É caro, demorado e difícil. O Estado não pode prever lucro nesse ponto. Sendo assim, deixa a população desassistida”, afirma Toralles.

O DAER foi procurado pela reportagem para se manifestar sobre o relatório de 2008 e a respeito do déficit de funcionários apontado pelos trabalhadores, mas não emitiu posição até o fechamento da notícia.



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