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27 de janeiro de 2018
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16:30

HQ relembra os 14 anos de impunidade da Chacina de Unaí

Por
Luís Gomes
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Arte: Alexandre de Maio/Reprodução

Luís Eduardo Gomes

No dia 28 de janeiro de 2004, três auditores fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados em uma emboscada, enquanto iam fiscalizar uma fazenda em Unaí (MG), alvo de uma série de denúncias de violações trabalhistas. Para marcar os 14 anos da tragédia, que se tornou um símbolo de impunidade e das dificuldades da luta contra o trabalho escravo, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) está lançando, a partir deste sábado (27), uma história em quadrinhos em três capítulos decidida a relembrar o que ocorreu em Unaí naquela data.

“Essa tragédia marcou para sempre a atuação dos auditores fiscais do trabalho. Nós sempre atuamos exigindo o cumprimento da lei nos mais distantes rincões do País. Apesar de muitas ameaças que sofremos e continuamos sofrendo, nenhuma foi tão bárbara como esse crime realizado no dia 28 de janeiro de 2004. Os meus colegas estavam exigindo ali nada mais do que o seu dever, o cumprimento da lei. Havia suspeitas de trabalho escravo na lavoura de feijão. Eles estavam se dirigindo à zona rural, numa estradinha de terra, e foram tocaiados por assassinos de aluguel que colocaram uma bala na cabeça dos nossos colegas”, diz Rosa Jorge, vice-presidente do Sinait.

O caso foi revelado porque o motorista Aílton Pereira de Oliveira, que conduzia o carro com os fiscais do trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, conseguiu dirigir por cerca de 7 km após a emboscada, mesmo ele próprio tendo sido alvo de dois disparos, e conseguiu relatar para o um policial militar o que havia acontecido antes de falecer. “Foi uma execução, um crime de encomenda”, diz Rosa Jorge.

Acusados de serem mandantes da chacina, os irmãos empresários Antério Mânica e Norberto Mânica foram condenados em 2015, ao lado de Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Somadas, as penas dos quatro passam de 220 anos de prisão, mas eles estão aguardando o julgamento dos recursos em liberdade. Na quarta-feira (24), integrantes do sindicato protestaram às portas do Tribunal Federal Regional da 1ª Região (TRF1), em Brasília, responsável por julgar o recurso, para cobrar punição aos envolvidos. Os responsáveis por executar o crime foram condenados em 2013 e continuam presos, um deles em regime semiaberto desde o ano passado.

Rosa Jorge aponta que, apesar da grande repercussão que a chacina teve, os auditores fiscais continuam trabalhando praticamente nas mesmas condições, uma vez que, em geral, as ações de fiscalização não são acompanhadas por policiamento. “Só o grupo móvel de combate ao trabalho escravo é que vai acompanhado de polícia para dar proteção a eles quando vão fazer uma operação. Os demais auditores continuam indo sem acompanhamento. O objetivo da chacina foi claro, era inibir a fiscalização e fazer com que nós retroagíssemos no nosso dever”, diz Rosa.

Arte: Alexandre de Maio/Reprodução

Segundo ela, as ameaças feitas por empresários suspeitos de empregar trabalhadores em condições análogas à escravidão continuam sendo comuns e, inclusive, muitos deles citam a chacina de Unaí para pressionar os auditores a desistirem de ações de fiscalização. “Recentemente, um empresário de Unaí mesmo disse a uma auditora: ‘Olha, tem razão de terem matado um colega de vocês, eu mesmo estou com vontade de fazer isso’. Isso continua acontecendo. A impunidade faz isso, dá a outras pessoas a motivação”, diz Rosa.

Nas eleições de 2004, mesmo ano da chacina, Antério Mânica foi eleito prefeito pelo PSDB e permaneceu no cargo até o final de seu mandato, em 2008.

Transformando a chacina em HQ

Artista responsável pela HQ, Alexandre de Maio destaca que, quando foi convidado pela agência 8 Total Brand para tocar o projeto, a ideia era contar a história da chacina de uma forma diferente. Maio conta que tem se especializado no trabalho jornalístico em quadrinhos. Um de seus projetos, a HQ “Meninas em Jogo”, produzida para a Agência Pública, foi premiada no VII Concurso de Jornalismo Investigativo Tim Lopes, em 2014. A novidade desse trabalho, explica o artista, é que ele foi pensado para ser divulgado pela ferramenta “stories” do Instagram.

O primeiro capítulo foi lançado neste sábado (27) no perfil do Sinait. Ainda há dois capítulos que serão lançados até o próximo dia 1º de fevereiro. Segundo Maio, um dos desafios do trabalho foi fazer com o que roteiro começasse interessante, mas que “não entregasse tudo” na primeira parte. Após a conclusão da publicação, a HQ ficará fixada nos stories do Sinait ou poderá ser acessada no website do sindicato.

Maio diz que o principal desafio do trabalho foi condensar uma história que é grande e muito complexa em apenas 15 telas, mas que, por outro ladro, a quantidade de material jornalístico já produzido, inclusive visual, sobre o assunto facilitou a pesquisa para esse trabalho. “É uma história incrível. Você vê que o personagem principal é um cara negro, lutando contra a escravidão, em pleno 2004. Me lembra Zumbi dos Palmares e a luta contra a escravidão, e o cara morreu. Isso demonstra como a gente ainda tem que avançar muito”, diz o artista.


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