Últimas Notícias > Geral > Areazero
|
13 de janeiro de 2018
|
10:42

Governo Sartori encerra turmas e temor de fechamento de escolas se espalha entre alunos e professores

Por
Sul 21
[email protected]
Escola Infante Dom Henrique | Foto: Giovana Fleck/Sul21

Giovana Fleck

Vinícius Silveira Souza mora em Alvorada. Todos os dias, ele pega pelo menos dois ônibus em um trajeto de mais de uma hora e meia para chegar até a Escola Estadual de Ensino Médio Infante Dom Henrique. Por quê? “Porque aqui se formaram a minha avó e a minha mãe; a escola faz parte da história da minha família”. Porém, na quinta-feira (11), Vinícius pegou dois ônibus e cumpriu o trajeto de uma hora e meia para protestar em frente à escola.

“Estudante na rua, Sartori a culpa é sua”, cantavam os mais de 50 estudantes reunidos em frente à Infante. No final de 2017, a Secretaria da Educação (Seduc) solicitou o fechamento das turmas de 1º ano da escola. Assim, em 2018, o colégio abrirá matrículas somente para o 2º e 3º ano do Ensino Médio. A justificativa para o fechamento dessas turmas e de outras no Estado diz respeito à queda de natalidade e regressão na taxa de matrículas.

Em nota, a secretaria afirma ter registrado 70 novos alunos matriculados no ano passado na Infante. Segundo uma das organizadoras da manifestação, Amanda Flora Costa, estudante do 1º ano do Ensino Médio, a escola tem tido procura maior não-correspondente ao número de matrículas efetuadas. “A Infante é uma escola com uma estrutura e um histórico acima da média. Todos os anos, são muitos estudantes que querem entrar aqui, mas por algum motivo acabam não chegando”, afirma. Em nota, a Secretaria informou que não há previsão de encerramento das atividades da escola ou de venda do prédio onde opera. “O problema é que uma coisa leva a outra. Que estudante de Ensino Fundamental vai querer fazer o Ensino Médio dividido entre duas escolas?”, questiona Amanda, que ironiza sobre uma possível compra do terreno pelo supermercado ao lado. “Vai virar mais um estacionamento que Porto Alegre tanto precisa”, completa.

No pátio da Infante, a grama chega nos joelhos de alguns alunos. Foto: Giovana Fleck/Sul21

Ela lembra da importância da escola para o bairro Menino Deus. Amanda, que mora no  Glória, escolheu estudar na Infante pelo reconhecimento histórico do colégio. “O Infante já foi tão disputado que precisava de concurso. Era um colégio reconhecido pela sua estrutura. Hoje, está se despedaçando com o tempo”. A grama no pátio e nas quadras está alta, encosta no joelho de alguns alunos. Dentro do colégio, a fiação está exposta, as luzes de emergência não funcionam e alguns espaços, como quadras esportivas, estão inutilizados.

Ainda assim, Arieli Boch, estudante do 2º ano, escolheu a Infante por considerar, mesmo com todos os problemas estruturais, a escola menos precária da região onde mora. Arieli trabalha à tarde e só consegue estudar no turno da manhã. Se o colégio fechar, ela afirma que talvez não continue seus estudos. “É difícil. Eu quero estudar, eu valorizo a educação. O Infante me fez gostar de estudar depois de experiências ruins no meu Ensino Fundamental”. No oitavo ano, Arieli estudava em um colégio particular e não ia bem em uma das disciplinas do currículo. Por isso, era alvo de comentários irônicos da professora. “Eu não conseguia mais confiar em ninguém, até ser acolhida aqui dentro. Mas daí tu te depara com um possível fechamento”. Ela ressalta a decepção com a forma como a Seduc tem lidado com a comunidade. “A principal responsabilidade da Secretaria de Educação deveria ser manter os estudantes nas escolas. Fechar escolas é o exato oposto disso”.

A Infante trabalha com professores concursados e contratados. José Roberto é graduado em História, porém, dá aulas de Filosofia, Sociologia e Artes. “É a realidade do contratado. A Secretaria acredita que eu posso dar todas essas disciplinas e dividir minha carga horária assim”. Porém, o professor caracteriza as aulas na escola como diferenciadas pelo nível de cooperação entre os alunos e os docentes. Ele não acredita na falta de estudantes por diminuição de natalidade, como afirma a Seduc. “Me parece muito mais um caso de redistribuição, enquanto têm turmas lotadas em outros colégios em volta, o Infante poderia ter tido mais matrículas nos últimos anos”. Além disso, ele enfatiza a falta de acompanhamento dos alunos que se matriculam. “A gente sabe que, da turma que inicia o ano, só metade vai terminá-lo”. Para o professor, a evasão escolar é um problema que não tem sido encarado pelo Estado. “Não dá pra pegar o aluno em casa. Mas alunos estão aí, por diversos motivos não estão na escola, mas por virem menos alunos para o Infante, a realidade é mais gritante”, afirma.

Quado um aluno sai do Ensino Fundamental, ele encaminha um requisito online para a Seduc com as escolas onde pretende ingressar no Ensino Médio. A Secretaria, então, distribui os alunos de acordo com a disponibilidade das matrículas, o que nem sempre corresponde às demandas dos estudantes. “Só que, em alguma parte do processo, algumas escolas acabam abarrotadas e outras vazias”, afirma José Roberto. O professor ainda lembra da situação dos professores concursados, que passaram por greve histórica recente em função do atraso nos salários e benefícios. “É um cenário de desmonte. Não se valoriza a escola, não se valoriza o professor e nem o aluno. No final, tudo indica que alguma coisa vai ser fechada e alguém vai ser demitido”.

Futuro incerto

Livros novos de série com matrícula encerrada são entregues na escola Infante Dom Henrique. Foto: Giovana Fleck/Sul21
Os livros didáticos acabaram se acumulando no laboratório de química, que se encontrava desativado. Foto: Giovana Fleck/Sul21

Mesmo que o fechamento da Infante não tenha sido confirmado, o fato é que em 2018 não existirão turmas de 1º ano no colégio. No entanto, enquanto os estudantes se manifestavam em frente à escola na última quinta, um carregamento de livros didáticos era entregue. “Livros que ninguém vai usar, né!”, gritava um dos estudantes ao identificar material do 1º ano entre as pilhas. O carregamento acabou ficando no laboratório de química, desativado há alguns anos. “Vão acumular poeira”, ironiza o estudante João Vitor de Ávila Vidal.

Com o fechamento das turmas, os colégios apontados como preferíveis para acolher os alunos das proximidades seriam o Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, a Escola Estadual de Educação Básica Presidente Roosevelt e o Colégio Protásio Alves. Segundo a diretora do Emílio Massot, Carla Guimarães, as turmas de primeiros anos do colégio se encontram com lotação máxima – de 35 alunos por sala. “Têm sido assim nos últimos anos”, diz ao completar afirmando que a escola funciona apenas no turno da tarde. Assim, não poderia atender alunos como Arieli que trabalham em turno inverso. A Presidente Roosevelt também tem tido turmas lotadas, porém funciona nos dois turnos.

No caso do colégio Protásio Alves, haveria disponibilidade de acolhimento de novos estudantes. No entanto, segundo a vice-diretora da tarde, Sônia de Souza, a escola estuda a possibilidade de se tornar exclusivamente técnica. “Temos mais alunos se formando do que ingressando no Ensino Médio, algo que não ocorre nos cursos técnicos – que têm tido grande demanda”.

A Seduc garante que nenhum estudante será prejudicado. Porém, não informou se garantirá algum auxílio aos alunos do bairro que dependeriam de transporte público para acessar a escola.

“Quero acreditar que não vamos fechar, tenho que acreditar”

Na manhã da terça-feira (09), o secretário estadual de Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos, Rafaeli di Cameli, afirmou em entrevista à Rádio Gaúcha que o governo estuda vender terrenos e prédios de escolas estaduais considerados “subutilizados”. A declaração foi rapidamente contestada pela Seduc, afirmando que “não existe nenhuma possibilidade de venda de escolas ou terrenos vinculados à Seduc” e que “nenhum levantamento ou estudo está sendo feito por parte” da secretaria para isso.

Telhado do Colégio Dom Pedro após as chuvas de outubro de 2017. Foto: Divulgação/Colégio Dom Pedro

No entanto, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Doutor Miguel Tostes organizou, na tarde da quinta-feira (11), uma reunião com a secretaria após anúncio informal de fechamento. Segundo a diretora, Carla Guimarães, o retorno oficial deve ocorrer até a próxima semana. Localizada no bairro Ipanema, a Miguel Tostes atende estudantes que não se adaptam em outras instituições. “Focamos muito em alunos que vêm de situações de bullying e valorizamos a saúde mental de quem frequenta a escola”, explica a diretora. Por isso, as turmas não passam de 12 crianças.

No entanto, em 2017 a Seduc cortou 2.256 turmas nas escolas estaduais – nos três níveis de ensino: Infantil, Fundamental e Médio. A redução de 5,3% foi motivada, segundo o governo do Estado, pela queda no número de alunos nos últimos 10 anos e tem objetivos econômicos e pedagógicos: diminuiria a necessidade de professores e aumentaria a “socialização” dos estudantes. Na Miguel Tostes, o 1º e o 2º ano do Ensino Fundamental acabaram e o turno da manhã foi fechado. “O nosso medo é a entrega do prédio para o Município e a perda da escola”, diz a diretora.

Por não oferecer mais turmas do 1º ano do Ensino Fundamental, quando tem início a alfabetização, a instituição teme não ser procurada para inscrições no 2º ano em 2019, no 3º em 2020 e assim por diante. Até que, finalmente, não teriam alunos em número suficiente para continuar existindo.

Outra instituição que teme por seu futuro é a Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Pedro I, no bairro Glória. Com as chuvas de outubro do ano passado, a escola teve seu telhado e fiação destruídos. Desde lá, os mais de 400 alunos foram acolhidos dentro da Escola Municipal de Ensino Fundamental Euclides da Cunha. “Só que, por conta da distância e do processo de adaptação, já perdemos 150 alunos”, desabafa a diretora do Dom Pedro I, Maria do Carmo Gaetani. A direção chegou a negociar com a Seduc e a Secretaria de Transportes um auxílio de passagens para os alunos que necessitassem. Mesmo assim, houve evasão estudantil.

A diretora afirma que a preocupação é constante. “A Seduc garante que as reformas de emergência começarão no final do mês, e que tudo indica que poderemos voltar até o final de março. Mas, enquanto nada começa, é difícil ter uma certeza”. Ela afirma tentar manter o otimismo entre os estudantes e professores. “Eu quero acreditar que não vamos fechar, eu tenho que acreditar”.

Nessa sexta-feira (12), a presidente do Centro dos Professores Estaduais do Rio Grande do Sul (CPERS), Helenir Aguiar Schürer, divulgou um vídeo onde fala sobre os possíveis fechamentos e pede a união da categoria para evitar perdas na educação estadual.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora