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17 de dezembro de 2017
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16:22

Encravadas na Lomba do Pinheiro e na Mário Quintana, duas escolas campeãs de robótica

Por
Luís Gomes
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Alunos da EMEF Heitor Villa Lobos, na Lomba do Pinheiro, já conquistaram diversos prêmios em robótica | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

As escolas municipais Timbaúva e Heitor Villa Lobos estão localizadas em comunidades de Porto Alegre – os bairros Mário Quintana e Lomba do Pinheiro, respectivamente – que volta e meia aparecem na imprensa nas páginas policiais. A primeira, em setembro, chegou a operar sob toque de recolher em meio a uma onda de violência. Mas, em meio à pobreza que cerca as duas escolas, desenvolve-se um premiado trabalhado na área de robótica, que, mesmo com poucos recursos, costuma deixar para trás muitas escolas particulares.

No último dia 2 de dezembro, as equipes Elétrica, da EMEF Timbaúva, e Lobóticos, da EMEF Heitor Villa Lobos, foram premiadas na etapa regional do campeonato de robótica First Lego League (FLL) – do qual participaram alunos de 13 escolas públicas, 12 privadas e 30 da rede mantida pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) -, conseguindo assim a classificação para participarem da etapa nacional, a ser realizada em Curitiba (PR) entre os dias 16 e 18 de março.

A premiação na FLL não foi um acidente, muito longe disso.  As duas equipes já foram premiadas em diversas competições desde que a robótica foi introduzida na rede municipal em 2007. Na ocasião, todas as escolas da rede municipal ganharam kits de robótica da Lego, voltados para a aprendizagem infantil na área e que também permitia que participassem das competições.

Lobóticos acumula dezenas de medalhas em seus dez anos de participação em competições de robótica | Foto: Maia Rubim/Sul21

Aprendendo desde cedo 

Na FLL, a Lobóticos, da Lomba do Pinheiro, ganhou o prêmio “Gracious Profissionalism”, na categoria Core Values, que considera que a equipe trabalhou com respeito, inclusão e cooperação entre os membros e entre outras equipes. Mas este não é o primeiro prêmio da equipe, pelo contrário. A Lobóticos é tricampeã da Olimpíada Brasileira de Robótica – uma das olimpíadas científicas promovidas pela Ministério da Educação (MEC) – no nível Ensino Fundamental, o que os levou a representar o Brasil em três ocasiões na RoboCup, o campeonato mundial de robótica educacional. Em 2012, estiveram no México. Em 2013, na Holanda. Em 2014, ficaram no Brasil, quando a competição foi realizada em João Pessoa (PB). Além da FLL, neste ano, a equipe também foi campeão na Latin American Robotics Competition, realizada em novembro passado em Curitiba (PR), na modalidade dança de robô.

Única representante da atual Lobóticos que disputou o mundial de 2014, Lauren Rybarcik, quando vence a timidez, lembra com carinho da experiência em João Pessoa, sua primeira viagem para fora do Estado e onde teve a oportunidade de se comunicar com estudantes de diversos países. “Foi muito legal, eu conheci um monte de pessoas”.

Cristiane Pelisolli Cabral é professora da escola Heitor Villa Lobos há 12 anos. Há 10, trabalha com a robótica educacional, desde que o começou o projeto de robótica educacional na rede municipal, em 2007. Pedagoga de formação,  fez mestrado voltado em aprendizagem e robótica educacional e agora está fazendo o doutorado em aprendizagem e programação para crianças. Hoje, ela é a responsável pela oficina ministrada no contra-turno do ensino regular. Os alunos que se destacam nas oficinas são chamados para participar da equipe da escola, a Lobóticos.

Professora Cristiane é a responsável pelas aulas de robótica na EMEF Heitor Villa Lobos | Foto: Maia Rubim/Sul21

A professora explica que as aulas de robótica na Villa Lobos começam já no 3º ano do Ensino Fundamental, ministradas por monitores, com o objetivo de introduzir conceitos tecnológicos básicos para as crianças. “Aprendem como funcionam polias, engrenagens, etc. São conceitos básicos que depois vão dar a base para a aula que acontece a partir do quinto ano”.

Quando chegam a quinta série e passam a ter aula com Cristiane, os alunos começam então a trabalhar com programação utilizando um material chamado Lego Mindstorm, uma linha da tradicional empresa de brinquedos desenvolvida a partir do trabalho do educador sul-africano, Seymour Papert, que criou uma linguagem de programação voltada para facilitar a aprendizado tecnológico de crianças. O material entregue às crianças da rede municipal consta com as peças da Lego, mais um conjunto de controladores, sensores e motores que permitem o desenvolvimento do trabalho em robótica.

Além da participação em campeonatos, Ayrton Myra saúda o fato de que o ensino de robótica nunca é monótono, sempre oferece novidades para os alunos. “A gente sempre vai aprendendo coisas novas”, diz. Michel Junior Pereira Martins, 14 anos, destaca também que o trabalho na Villa Lobos vai desenvolvendo o interesse das crianças ao longo dos anos. Mais novo da equipe João Gabriel Domingues, 12 anos, explica que o empenho é tanto que, às vezes, a equipe só deixa a escola por volta das 21h. “A gente fica até mais tarde trabalhando”, diz.

Cristiane destaca que o aprendizado da linguagem de programação é facilitada pelo trabalho com blocos de Lego, para que depois o aluno possa compreender através de códigos. “Toda a linguagem de programação tem uma base comum através da lógica. O que a gente usa com eles não é nada mais do que um tipo de programação que envolve a questão da lógica, mas é facilitada por blocos. Quem olha pela primeira vez fica espantadíssimo com o que eles conseguem fazer, mas é um trabalho de formiguinha que começa do básico até chegar ao mais avançado”.

A professora salienta que atualmente a procura pela oficina é maior que a sua capacidade de atendimento e há uma lista de espera, uma vez que os alunos são divididos em turmas de no máximo 12 por série, enquanto a escola chega a ter até seis turmas de até 32 alunos por ano. A limitação, no entanto, é por falta de espaço. A sala de robótica possui quatro mesas, cada uma com um computador, espremidas em um espaço com armários, diversas caixas com peças de Lego e os troféus conquistados no passado. Quando precisam de mais espaço, especialmente para desenvolver o trabalho voltado para as competições, os alunos acabam ocupando um espaço na sala de informática, que fica ao lado, e é mais ampla.

EMEF Timbaúva está localizada em um dos bairros mais violentos de Porto Alegre | Foto: Maia Rubim/Sul21

Soluções inovadoras

A Equipe Elétrica foi premiada este ano na FLL, pela quarta vez consecutiva, pelo seu trabalho em pesquisa na busca por soluções inovadoras relacionadas à temática da competição, que, em 2017, foi “Hydro Dynamics: melhorar a maneira como as pessoas encontram, transportam, usam ou descartam a água”.

As professoras Rozane Beust de Oliveira, que começou o trabalho em robótica na Timbaúva em 2007 e foi a responsável pelo programa até se licenciar da rede no início deste ano, e Camila Marques Vigolo de Farias, que assumiu as aulas de robótica da escola após a saída de Rozane – que ainda acompanha a equipe -, contam que estimularam os alunos a pensar o desperdício dentro das suas residências, que geralmente ocorre pela má utilização de chuveiros, torneiras e em decorrência de vazamentos de difícil detecção. Eles então criaram um sistema de monitoramento utilizando a robótica que pudesse identificar pontos de desperdício.

“Através de sensores identificar um banho muito demorado ou uma torneira que ficou muito tempo aberta, e até mesmo esses vazamentos que ficam escondidos, embaixo da terra, dentro das paredes. Esses sensores apontam em um painel digital onde está ocorrendo desperdício e vazamento”, explica Camila.

Para participar da FLL, precisaram apresentar um protótipo da solução criada, o que fizeram com o uso de uma maquete e do sistema de robótica utilizado na escola. Além disso, também tiveram que fazer um trabalho de estimativa de custos que o projeto teria para ser efetivado, uma vez que os trabalhos precisam ser viáveis, isto é, aplicados na prática. “Eles ganharam o prêmio porque foi realmente uma solução inovadora”, diz Camila.

Esta também não é a primeira experiência vitoriosa da Elétrica. Na verdade, é quarta vez consecutiva que a equipe conquista um troféu regional da FLL na categoria soluções inovadoras. Em 2014, foram premiados por criarem um aplicativo para smartphones e web voltado para facilitar a aprendizagem em robótica. Em 2015, chegaram ao bi com um pesquisa voltada para a utilização de caixas de leite para a proteção de telhados contra granizo. Em 2016, a rede municipal ficou de fora da edição gaúcha da FLL, mas se juntaram com a equipe da escola Ildo Meneghetti para participar da etapa de Santa Catarina da competição. O tri veio por desenvolverem o protótipo de um robô programado para ministrar remédios para animais na ausência de donos.

Agner (esq.), Juan (centro) e Dudu (dir.) compõe a atual formação da Equipe Elétrica | Foto: Maia Rubim/Sul21

O menino que gosta de programar

Juan, 14 anos, o mais experiente da Equipe Elétrica, responsável pela programação dos robôs que disputam as competições, começou a estudar robótica em 2014, no sexto ano. O interesse surgiu a partir do irmão, que estudou no mesmo colégio e tinha participado da oficina anteriormente. “Eu fiquei interessado e quis ver como é que era”. Entrou para a equipe no ano seguinte. “O Juan era um menino que não parava. Tava sempre de um lado para o outro, brigando com um, brigando com outro. Às vezes ele ainda faz umas bobagens. Mas melhorou muito depois que se achou na robótica”, diz Rozane.

Morador de uma ocupação no bairro Mário Quintana, Juan é um menino cujo destino talvez fosse virar estatística, assim como muitos ex-alunos de Rozane que ela vê com armas na mão pelas ruas do entorno da escola, muitos dos quais sequer completaram o Ensino fundamental. “A comunidade aqui é muito complicada. Normalmente, ela tá nos noticiários pela violência. A primeira coisa é que a escola é um refúgio para eles. Então, quando eles conseguem, dentro desse refúgio, achar alguma coisa que eles gostam, é um casamento perfeito”, diz.

Camila explica que para os alunos poderem participar do projeto tem que ter um bom rendimento em sala de aula. “Se dependesse só dele, o Juan estaria das 8h às 5h da tarde dentro da sala da robótica, mas ele sabe que não pode e que o rendimento dele no turno regular tem que ser tão bom quanto é na robótica. E é óbvio que a gente às vezes temos contratempos. Eles não deixam de ser adolescentes, tem certas responsabilidades, mas aquele momento da falta também aflora. Mas a gente observa que, se não tivesse a entrada desse projeto, talvez ele nem tivesse mais na escola”.

Camila e Rozane dizem que o trabalho em robótica ajuda os alunos inclusive a permanecerem na escola | Foto: Maia Rubim/Sul21

Segundo as professoras, o interesse de Juan na área de programação não é comum, visto que a maioria dos estudantes se interessam pelas oficinas de robótica primeiro por ser uma oportunidade de brincar com as peças de Lego, algo raro para uma equipe em que a realidade de pobreza é de famílias que não têm dinheiro para comprar brinquedos. “Quando eles chegam aqui e veem um monte de Lego, eles querem montar Lego. Por isso que muitos até não ficam na robótica, quando veem que tem uma coisa a mais do que só montar, às vezes se assustam. E o Juan se apaixonou pela programação. Tem coisa que ele aprendeu sozinho porque foi atrás. Quando ele teve a oportunidade de entrar na equipe, a primeira vez que ele participou a equipe já foi premiada. Foi paixão. E, como para estar na equipe ele tem certas responsabilidades, naturalmente amadureceu, mudou certas atitudes”, diz Rozane.

Camila destaca que a própria experiência de participar de campeonatos traz ensinamentos e valores que muitas vezes as crianças não conseguem aprender no dia a dia da escola, em um ambiente de muita brincadeira, rixas e bullying. “Tem ‘ene’ coisas que acontecem aqui que às vezes não permitem que eles olhem o ambiente como divertido”, afirma. Rozane complementa que uma dos pontos mais valorizados nas competições de trabalho é justamente o trabalho em equipe, uma habilidade que eles muitas vezes não tinham antes da robótica, mas acabam desenvolvendo.

Juan mesmo reconhece que não conseguia trabalhar em equipe antes da robótica. Preferia tentar fazer tudo sozinha. Aos poucos foi apreendendo a cooperar com os colegas. Aos poucos também aprendendo a se divertir com a robótica. Se no início pensava em seguir os passos dos antigos alunos da equipe e repetir as premiações, passou então a curtir todo o momento, não só a competição, mas a participação nos eventos. “Depois de um tempo eu percebi que não era só vencer, mas que o importante é se divertir”, diz.

Além da diversão e dos prêmios, ele também diz que pretende usar os ensinamentos da robótica para o resto da vida. “Depois que eu acabar o Ensino Médio, eu vou cursar a faculdade de Engenharia Militar”, diz convicto.

Conquista da Lobóticos é saudada com faixa logo na entrada da escola Heitor Villa Lobos | Foto: Maia Rubim/Sul21

Orgulho da Lomba do Pinheiro

Cristiane diz que é uma surpresa para muitas pessoas o fato de que uma escola de periferia – “periferia mesmo”, ressalta – desenvolve um trabalho de ponta na área de tecnologia. “Eu entendo que, ao longo desses anos, o que eu pude observar, e também com os estudos que desenvolvi na área, é que as capacidades humanas são independentes da classe social. Qual é o diferencial desses alunos para os de uma escola privada? Eles têm muito foco, porque não tem tantas oportunidades e tantas coisas que poderia dividir a atenção deles. Não têm um telefone de última geração, não tem uma televisão com Netflix. Eles têm o que a escola oferece. Então, aqui eles têm a orquestra, a robótica, o futebol”, diz. “A gente vê nas competições, o quanto os alunos de classe média e alta às vezes perdem o foco mexendo no celular ou numa brincadeirinha. Esses alunos têm foco e determinação, porque eles sabem que a oportunidade deles de conquistar um prêmio e talvez viajar para a Europa é através da robótica. Muito provavelmente, vai ser muito complicado a família custear uma viagem dessas, então eles se agarram com todas as forças a essa oportunidade”, complementa.

Leonardo Balsamo, 13 anos, diz que além de ser legal ganhar prêmio, de propiciar amizade com os colegas de equipe, o trabalho em robótica também é uma atividade importante que os permite ocupar o tempo. “Como aqui as crianças ficam mais correndo na rua, a gente não tem tanta tecnologia na nossa comunidade e a robótica é uma coisa bem diferente. Aí as pessoas veem, gostam do projeto e começam a trabalhar”, diz. A professora Cristiane diz que, por ser uma localizada na periferia, os alunos tem poucos atrativos fora da escola. “Para tu ter uma ideia, a gente não tem uma praça decente para eles brincarem”.

Cristiane destaca que os resultados em robótica já são um orgulho para a comunidade escolar e para a região da Lomba do Pinheiro. Mesmo os alunos que ainda não podem participar das aulas, como do primeiro e segundo ano, já são estimulados a se interessar pelo tema nas visitas que faz as suas turmas, levando um robô para que os pequenos possam brincar, interagir com os sensores, já tomando conhecimento de uma realidade. “Quando os alunos passam da aula para a equipe, eles dizem ‘não acredito, estou vestindo o manto sagrado’. Para uma comunidade que tem muito pouco, a gente cria uma expectativa de algo além. Eu costumo dizer que ninguém quer algo que nunca viu. A partir do momento que a gente vai criando essas possibilidades e os alunos vão indo, eles vão querendo mais. Dificilmente um aluno daqui vai querer cursar o Ensino Superior na área tecnológica se ele nunca viu o que pode fazer com robótica. Então, por exemplo, a competição brasileira de robótica, a mostra nacional de robótica, que reúne nível fundamental, médio e superior, eles podem ver o que os robôs de nível superior fazem, a nível de indústria. A partir daí podem querer alguma coisa”, afirma.

Leonardo Balsamo posa com o troféu conquistado na FLL | Foto: Maia Rubim/Sul21

Para ela, conseguir bons resultados de aprendizagem muitas vezes nem se trata de oferecer grandes condições de trabalho, um pouco já suficiente. “O entorno não favorece em nada, mas eu preciso criar as condições e oferecer as possibilidades para que eles queiram algo além. A partir do momento que a gente condições mínimas, os alunos decolam”, diz. “Cria essa expectativa de um futuro melhor. A gente tem alunos da orquestra, por exemplo, que foram cursar mestrado e doutorado no exterior. Tem um aluno que está voltando agora que foi para Alemanha, foi premiado, fez doutorado lá”.

Alguns dos primeiros alunos premiados da Lobóticos estão concluindo o Ensino Médio no Instituto Federal da Restinga, formando-se técnicos em informática e eletrônica. Outro, Leonardo Nunes, 18 anos, incomodou tanto para continuar a estudar robótica no Ensino Médio, que pode ser considerado o responsável pelo fato de a escola Júlio de Castilhos ter iniciado seu trabalho na área há alguns anos. Hoje, ele atua como monitor na Villa Lobos, dá aulas na privada Monteiro Lobato e coordena o laboratório de robótica no Julinho “O trabalho dá uma expectativa de algo melhor, não é uma garantia, porque a gente sabe que o caminha cada um traça, mas é algo a mais. Eu tenho uma expectativa de que eu vou poder ser alguém através do projeto. A gente escuta do próprio tráfico: ‘não mexe com ele, porque é da robótica’, ‘não mexe com ele porque é da orquestra’. Tem uma promessa de futuro”, diz a professora Cristiane.

Falta de investimento, o outro lado

Por meio de sua assessoria, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) informa que o trabalho em robótica inicialmente era voltado para todas as escolas de Ensino Fundamental da rede municipal, mas nem todas “demonstraram perfil adequado e interesse”. Atualmente, cerca de 15 escolas ainda mantêm o projeto, que é realizado como um complemento curricular no turno inverso para alunos de diversas séries.

Rozane avalia que a falta de recursos para manter o trabalho atualizado é um dos motivos que levaram muitas escolas deixarem de lado o trabalho em robótica. A coisa vai ficando muito difícil. “Para a gente conseguir ir em algum lugar, não tem transporte. Alimentação é difícil. Eles não conseguem dinheiro, não tem de onde tirar”, diz.

Ela afirma que o material básico que a escola tem para trabalhar projetos voltados para competições é o mesmo recebido em 2017, não sendo mais adequado. “Além de ter dez anos de uso, pau e pau, já está muito defasado. O que a gente consegue utilizar agora é um material comprado pelo dinheiro de uma caixinha de um ano dos alunos que ganharam bolsa. É o kit que a gente usa, mas ele está acabando também, porque é muito uso”.

Camila também pondera que o material para as competições é caro, vai além das capacidades de muitas escolas e do que é disponibilizado pelas redes. O tapete em que a competição de robôs da FLL é desenvolvido é caro, custa cerca de R$ 1 mil. No último ano, os professores fizeram um “tapete fake” com recursos próprios, que custou R$ 150. “A gente pegou a imagem e levou na gráfica para fazer um banner. Ficou muito aquém do que deveria ficar. Isso dificulta. A gente não tem as peças que precisa, acaba usando as que têm de outras competições para montar, mas tem que fazer adaptações. Isso leva muito tempo. E não fica igual. Por exemplo, a robótica é muito sensível a textura. Não sendo o material oficial, na hora de usar o oficial, dá muita diferença. Então, uma programação que funcionava super bem para de funcionar. Essas são as limitações que a gente acaba tendo, que são financeiras mesmo. A gente precisa do dinheiro para comprar um material para comprar um pouco melhor e não tem, porque o material é caro. E o recurso é limitado de um modo geral, não é só para a robótica”.

A Smed informa que a última renovação de materiais ocorreu em 2015, com a compra da tecnologia de software livre Arduíno em complementação aos kits Lego. A pasta diz que, “sempre que possível”, busca investir na atualização de materiais e custeio de despesas de viagens para participar de competições.

Cristiane critica o fato de que, na atual gestão, os servidores públicos estão sendo “bombardeados” com frases do prefeito de que “nada presta”. Por outro lado, diz que a Prefeitura não se dispôs a apoiar financeiramente a participação da Lobóticos na competição de Curitiba, o que acontecia na gestão anterior. Pelo plano de trabalho feito por Cristiane, os custos da viagem – incluindo transporte, hospedagem e alimentação – eram de R$ 10 mil. “Chegou na SMED, não tinha dinheiro”, disse. “Dez mil é menos do que o salário de um mês de alguns CCs, mas é algo que muda a vida dessas crianças”.

A escola e os alunos então se mobilizaram para realizar uma vaquinha online e vender uma rifa, cujo prêmio eram duas diárias em uma pousada em Ibiraquera (SC), disponibilizadas pela proprietária, uma ex-professora da rede municipal. Essas iniciativas renderam R$ 6 mil. O resto veio da Smed, mas só depois de buscarem apoio na Câmara dos vereadores Sofia Cavedon (PT), Tarcísio Flecha Negra (PSD) e Ricardo Gomes (PP). “Eles não estava pedindo nenhum favor, conquistaram com muito mérito”, diz a professora.

Ela lamenta o “discurso neoliberal forte” do prefeito e chega a se emocionar ao falar da relação do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) com os servidores municipais, em especial com os professores. “Atualmente, a gentes está num ano bem difícil. Ouvir que o servidor público é vagabundo, que não faz nada. Poxa, eu trabalho muito além da minha carga horária e ouvir isso de um chefe, é bem complicado”.

Equipes precisam de uma série de materiais caros para participarem de competições | Foto: Maia Rubim/Sul21

Especialmente durante os primeiros meses de seu mandato, quando a Prefeitura estava estabelecendo uma nova rotina escolar para a rede municipal, o prefeito Marchezan fez duras críticas a qualidade do ensino da Capital. “A situação atual é um fracasso. Não vamos abrir mão de dar alternativas para alunos que estão condenados a não aprender”, disse em reunião com vereadores no dia 5 de abril, e assim em diversas outras oportunidades.

Camila, da Timbaúva, avalia que a gestão atual não teve nem tempo de olhar para a robótica, porque está focada em outras coisas. “Não dá importância nem para conhecer e saber se vale a pena o investimento ou não. Eles vindo aqui a gente com certeza vai mostrar que vale a pena, só que eles não vieram”.

A professora da Villa Lobos diz que o trabalho na escola pública, muito questionado por seus resultados – inclusive publicamente pelo prefeito Marchezan sempre que fala no assunto -, é como lapidar esmeralda. “As escolas da Prefeitura são todas de periferia. Atendemos somente periferia. Obviamente, a gente lapida esmeralda, porque é um aluno que não chega pronto. Essas oficinas são super importantes para os alunos ficarem mais tempo na escola, desenvolverem potências cognitivas e, consequentemente, os índices cognitivos. Enquanto o aluno de escola privada vem praticamente pronto, o aluno de escola pública a gente ensina até a se portar. E esse resultado vai contra o senso comum, é totalmente o inverso da política que é colocada na mídia”, diz Cristiane.  “Os alunos da rede particular vão passar o final de semana em Paris, em Nova York. Os nossos muitas vezes não vão nem no Centro”, complementa Rozane, que dá aula em uma escola particular atualmente.

Para além da robótica, Cristiane destaca que o trabalho da rede municipal em Matemática, tão criticado pela Prefeitura, resultou na premiação de 15 alunos rede na Olímpiada Nacional de Matemática. Ela ressalta que a realidade das escolas municipais faz com que os professores, em muitos casos, precisem ir além do conteúdo básico de suas séries. “A gente recebe crianças com 6 anos que não reconhecem número e a alfabetizamos em três anos. Aí ele vai na TV para dizer que a gente não faz nada”, pondera Cristiane.

“Falta investimento, falta recurso, falta uma série de coisas e ainda assim a gente consegue dar conta com louvor. Quando termina uma competição como essa, saímos felizes e vitoriosas, a gente se olha e questiona: ‘Como é que a gente consegue?’ Agora a gente saiu super feliz de uma competição, com uma classificação, mas tem um baita problema, porque a gente não sabe como vai fazer para ir”, afirma Camila.

Confira mais fotos: 

Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21

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