Últimas Notícias > Geral > Areazero
|
7 de dezembro de 2017
|
18:59

‘Criminalização não se limita à ação policial. Estado de exceção foi declarado pelo TRF4’

Por
Sul 21
[email protected]
Audiência reuniu militantes de sindicatos, movimentos sociais e coletivos, além de parlamentares e representantes do MP Estadual, MP Federal e Defensoria Pública. (Foto: Vinicius Reis/AL-RS)

Marco Weissheimer

A criminalização dos movimentos sociais e das lutas contra a destruição de direitos não se limita à violência policial. Ela é sistêmica, possui uma dimensão internacional e tem como objetivo atacar direitos constitucionalmente garantidos. No Brasil, o estado de exceção foi oficialmente declarado quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que princípios constitucionais podem ser deixados de lado em situações de excepcionalidade. A avaliação foi feita pelo procurador do Estado e membro do Comitê Estadual Contra a Tortura, Carlos César D’Elia, durante a audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (7), na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, para debater o processo de criminalização dos movimentos sociais.

Proposta pela direção do Cpers Sindicato, a audiência foi coordenada pelo deputado Jeferson Fernandes, presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, reunindo militantes de sindicatos, movimentos sociais e coletivos, além de representantes do Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Defensoria Pública.

“Estamos vivendo tempos que eu achava que não viveria mais. Vivi a ditadura e pensei que não veria mais isso durante a minha vida”, disse Helenir Schürer, presidente do Cpers, que destacou o fato de que o processo de retirada e destruição de direitos vem sendo marcado pela violência do Estado em todo o país. “Quando lutamos por nossos direitos, como estamos fazendo aqui no Rio Grande do Sul, o Estado responde com uma repressão feroz. Além disso, assistimos estarrecidos à perseguição à arte e à cultura e ao afloramento de ideias fascistas. Como educadores, não podemos deixar que isso aconteça”, assinalou a presidente do Cpers.

Jeferson Fernandes avaliou que, no Rio Grande do Sul, houve uma intensificação do uso da força policial contra mobilizações sociais a partir de dezembro de 2016, quando o governo José Ivo Sartori promoveu o cerco da Assembleia Legislativa com batalhões de choque da Brigada Militar. “Muitas bombas foram lançadas de dentro do Parlamento contra os manifestantes que estavam na Praça da Matriz. Ali houve uma certa autorização do Estado para o aumento da violência policial, o que acabou se manifestando na própria Guarda Municipal de Porto Alegre”, afirmou o parlamentar.

Natalielle Antunes, moradora da Ocupação Lanceiros Negros e militante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), lembrou que a criminalização que é vivida com mais força pelos movimentos sociais agora já faz parte do cotidiano dos pobres há muito tempo. O fato de a Ocupação Lanceiros Negros ter ocorrido no centro de Porto Alegre, acrescentou, fez com que a sua criminalização fosse maior. Natalielle denunciou o não cumprimento do acordo firmado na segunda reintegração de posse da Lanceiros. “Naquele momento, ou a gente apanhava feito cachorro ou aceitava aquele acordo. Mas as promessas não se cumpriram. Ontem (6), aconteceu o último despejo com a retirada de 20 famílias do Centro Vida. Nesta manhã, elas estão na rua, abaixo de chuva, com os seus pertences”, relatou.

Audiência pública foi coordenada pelo deputado Jeferson Fernandes, presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. (Foto: Vinicius Reis/AL-RS)

Curador da exposição Queermuseu, Gaudêncio Fidelis disse que a criminalização dos movimentos sociais encontra um paralelo muito grande em outro processo de criminalização, o da produção artística, que vem se difundindo pelo país. “No caso da exposição Queermuseu, a reação do Santander foi criminosa e não estou usando essa palavra de modo inconsequente. No dia em que ocorreu uma manifestação contra o fechamento da exposição, eles transformaram a Praça da Matriz em um campo de guerra. O choque da Brigada estava dentro do cofre do Santander esperando para atacar a comunidade artística com bombas. Estamos assistindo a um crescimento do fundamentalismo e do fascismo no Brasil que precisa ser barrado”, defendeu.

A diversidade de relatos de casos de violações de direitos e de violência policial levou o diretor do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Jonas Tarcísio Reis, a propor a criação de um fórum estadual em defesa dos direitos e dos movimentos sociais para acompanhar regularmente esses casos. “Hoje, temos governos criminosos na Prefeitura, no governo do Estado e na Presidência. Não é um exagero usar esse termo. As consequências da destruição de direitos e de políticas públicas são criminosas. Para citar um exemplo, a taxa de desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre aumentou, em 2017, de 10% para 12%. O Estado vem usando seu aparelho repressor para violar a nossa Constituição e os nossos direitos”, criticou o diretor do Simpa.

Preso pela Brigada Militar na greve geral do dia 30 de junho, o professor Altemir Cozer lembrou o episódio de sua prisão e criticou o uso da lei anti-terrorismo contra manifestantes. “O artigo 251 do Código Penal, que já existia, foi agravado por essa lei. Quando fui preso, colocaram um monte de coisas na minha mochila e acabei sendo acusado de porte de explosivos. Nossa luta agora é para evitar uma condenação ou para que nos forcem a fazer algum tipo de acordo que significaria, na verdade, uma pré-condenação. Espero que o Ministério Público não seja cúmplice da Brigada e da Polícia neste caso”.

A procuradora Angela Salton Rotunno, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos, da Saúde e da Proteção Social, também manifestou preocupação com o quadro de violação de direitos no Brasil. “Às vezes, parece que os nossos direitos estão tão naturalizados que as pessoas não lembram mais de quanta luta foi necessária para que eles fossem conquistados, como ocorreu, por exemplo, com o direito de voto para as mulheres”. Angela Rotunno pediu um voto de confiança aos movimentos sociais e colocou o Ministério Público à disposição para receber denúncias de violências e violações de direitos. “Assumi o Centro em junho deste ano com a proposta de aproximar o Ministério Público dos Movimentos Sociais”, garantiu a procuradora.

O Ministério Público Federal também participou da audiência pública. O procurador Enrico Rodrigo de Freitas, da Procuradoria dos Direitos do Cidadão, disse que é muito triste vivenciar o que está acontecendo no país. “Apesar do que conquistamos na Constituição de 1988, o Estado brasileiro nunca se democratizou verdadeiramente. O que vivenciamos hoje não é um momento isolado e faz parte do cotidiano das nossas periferias há muito tempo. Estamos passando por um retrocesso muito grande, onde o aumento dos discursos de ódio e intolerância dão amparo ao abuso policial e à criminalização dos movimentos sociais”.

Centro de Referência em Direitos Humanos, da Defensoria Pública, vem recebendo e avaliando denúncias de abuso e violência policia.l (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Todo esse quadro de violações de direitos, de aumento da violência policial e da criminalização das lutas sociais não é uma exclusividade brasileira, destacou Célio Golin, do grupo Nuances. “Estamos vendo a aplicação do projeto neoliberal em nível internacional, um que coloca o mercado acima de tudo. Até aqui, estamos perdendo a disputa ideológica na sociedade, inclusive no campo cultural. O MBL é só a ponta do iceberg. Há um caldo autoritário na sociedade brasileira que vem sendo alimentado sistematicamente. Em função disso, as polícias estaduais e a Polícia Federal estão à vontade para reprimir”.

Mariana Py Cappellari, coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (CRDH), materializou essa ofensiva policial com alguns números. “O CRDH vem recebendo e acompanhando uma série de denúncias de violência policial. Nós já estamos com mais de 700 expedientes abertos tratando destas denúncias. Só em 2017, já recebemos 350 denúncias de prática de violência policial, especialmente na Região Metropolitana de Porto Alegre.

A audiência pública também recebeu relatos de casos de violência contra coletivos culturais, de racismo e de violência contra a mulher. Maria Rosa Noal, do Instituto Parrhesia, relatou a ação policial contra a sede do instituto, realizada pelo fato da sede do mesmo estar localizada em um antigo endereço da Federação Anarquista Gaúcha (FAG). “Levaram nossos computadores e equipamentos de trabalho e até hoje não devolveram”, contou.  Coordenador da União Estadual dos Estudantes Livres (UEE), Aleff Fernando da Silva, relatou uma sequência de casos de racismo ocorridos dentro da Universidade Federal de Santa Maria e acusou a reitoria de se omitir. “A reitoria sequer atendeu os estudantes agredidos que tiveram que ir à Polícia Federal sozinhos”, afirmou.

Maria do Carmo Bittencourt, da Marcha Mundial das Mulheres, chamou a atenção para o fato de que a violência é estruturalmente voltada contra as mulheres e os negros. “Quando a gente está numa manifestação, a gente sente o ódio nos olhos dos policiais. Não foi um acaso que a professora de Cachoeirinha, que recebeu dois choques de taser da polícia, não tomou esses choques em qualquer parte do corpo, mas sim em seus seios”.

A audiência pública tomou o encaminhamento de reativar o Fórum Estadual contra a Intolerância como um espaço para recolher denúncias e acompanhar passo a passo os seus desdobramentos.

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora