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26 de novembro de 2017
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22:39

Vai ter brilho, purpurina e direitos: Parada Livre de Porto Alegre dá berro contra retrocessos

Por
Luís Gomes
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Thalia Miranda foi uma das artistas que se apresentou para milhares de pessoas durante a Parada Livre na Redenção | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Foi um domingo (26) de todas as tendências, de todas as tribos, de todas as cores, sejam elas de pele, cabelo, traje ou maquiagem, em que milhares de pessoas se reuniram no Parque Farroupilha, a Redenção, em Porto Alegre, para dançar, beijar, celebrar e expressar a cultura LGBTI+, mas também para se posicionar, ou melhor, berrar contra os retrocessos que a comunidade vem sofrendo e está ameaçada de sofrer. Realizada sob a previsão de chuva, mas com a aparição do sol para abrilhantar a tarde, a 21ª Parada Livre da Capital gaúcha teve dezenas de apresentações artísticas, intercaladas com falas políticas dos movimentos que compõem a organização e lutam pelos direitos LGBTI+ na cidade. Sob a benção de Lady Gaga, como dizia um cartaz, e o tema “Berro contra os retrocessos”, o evento teve como tom a necessidade de união dos movimentos sociais contra os retrocessos que atingem a comunidade nas esferas municipal, estadual e federal.

Sandro Ka, da ONG Somos – Comunicação Saúde e Coletividade, uma das várias entidades que organiza a parada, destaca que o evento é um momento de afirmação de existências e de pluralidade. “Quando a gente vem aqui, só o simples fato de mostrar quem nós somos, do jeito que somos, está dizendo que nós existimos, que temos direitos e que as políticas públicas precisam estar servindo essa população também”, diz Sandro. “A questão do tema da parada ser ‘Berro contra os retrocessos’ é porque nenhum destes governos, nem federal, nem estadual e muito menos o municipal, nos representa. Eles nos excluem e nos colocam à margem”, complementa Priscila Leote, da ONG Outra Visão, também organizadora da parada.

Eles destacam que esta é a primeira edição que não possui nenhum apoio da Prefeitura de Porto Alegre, nem financeiro, nem organizacional. Pelo contrário, afirmam que, em razão do Decreto Municipal nº 19.823, assinado em 30 de agosto pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), regulamentando o Escritório de Eventos da cidade, as entidades organizadoras precisaram arcar com taxas e custos de serviços básicos municipais, como o recolhimento de lixo pelo DMLU e de segurança pela Guarda Municipal. “Eles dizem que o evento tem a cara de Porto Alegre, desde que a gente pague as taxas”, diz Priscila.

Sandro ainda avalia que, na atual gestão, as políticas públicas para a comunidade LGBTI+ estão sendo feitas de forma “deslumbrada” e “desqualificada tecnicamente”. “Nós temos uma gestão despreparada para assumir o cargo e o diálogo com os movimentos sociais e com as populações. Existe uma glamurização do que significa ser um gestor público. A gestão pública está infantilizada e despreparada tecnicamente”, diz. “A gente está completamente aquém em todos os âmbitos, municipal, estadual e federal, de políticas que promovam a diversidade, a igualdade de gênero e orientação sexual”.

Público fez referência a uma das obras da exposição Queermuseu | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Onda de retrocessos

Uma das figuras mais ativas da comunidade LGBTI+ de Porto Alegre, Célio Golin, da ONG Nuances, avalia que a uma onda de retrocessos e de “discurso de ódio” no Brasil, que o tema da parada alude, começou a crescer a partir das eleições de 2014 e se fortaleceu com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT). “A gente sempre soube que existiam setores de extrema-direita e conservadores que pensavam isso, mas nos últimos 20 anos a nossa pauta foi se construindo e nós fomos avançando. Eu acho que com esse processo de golpe, esses setores se sentiram legitimados para expressar todo esse conservadorismo que está rolando nas redes sociais”, diz. “O golpe acabou agravando em várias questões que remetem para a pauta LGBT, como o projeto Escola Sem Partido, a retirada da questões de orientação e identidade de gênero dos planos estaduais e municipais de educação, todo o discurso conservador de direita e extrema-direita, tivemos em Porto Alegre o fechamento do Queermuseu, que repercutiu também negativamente em relação às nossas pautas. Ou seja, nós vivemos um momento de retrocesso muito grande no Brasil”, complementa.

O curador da referida exposição Queermuseu, Gaudêncio Fidelis fez uma das falas no evento. A pedido do senador Magno Malta (PR-ES), um dos líderes da bancada evangélica no Senado, Gaudêncio foi alvo na semana que passou de uma medida de condução coercitiva para que fosse obrigado a depor na CPI dos Maus-tratos para explicar supostas denúncias de violações dos direitos das crianças na exposição Queermuseu, que foi cancelada em setembro pelo Santander Cultural após uma onda de boatos difundidos por grupos conservadores online, como o MBL.

“Eu acho que é muito importante que a exposição do Queermuseu tenha sido essa plataforma tão excepcional de debates, de diálogos, para a gente discutir todas essas questões em meio a esta zona de extrema turbulência, retrocesso e conservadorismo que está atravessando a sociedade brasileira. Eu acho que, nessa semana, a gente venceu, a democracia venceu lá no Senado. Mas a gente também tem que entender que temos que continuar lutando contra a censura, lutando pela democracia, pela liberdade de expressão, pela liberdade de escolha, para que a gente continue construindo uma sociedade democrática e inclusiva para todos”, afirma Gaudêncio.

Para ele, as comunidades artística e LGBTI+ devem unir forças para enfrentar a “onda de obscurantismo”. Já Golin acredita que este momento conservador ainda tende a aumentar, mas a tendência é que acabe sendo revertida com o tempo. “Eu não tenho dúvida de que uma parcela significativa da sociedade já entende que essas questões de direitos humanos, de racismo, da misoginia, da LGBTfobia, têm que ser superadas e já estão superadas, pelo menos para uma parcela. É com isso que nós contamos”, afirma.

Gaudêncio Fidelis fala durante a Parada Livre de Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ato festivo e político

Ao longo da tarde e noite, a parada foi conduzida por cinco artistas e representantes da cena LGBTI+ da Capital: Valéria Houston, Glória Crystal, Charlene Voluntaire, Heinz Limaverde e Cassandra Calabouço, que a todo momento buscavam valorizar as apresentações artísticas. “Temos o direito de sermos quem quisermos, quando quisermos”, disse Charlene Voluntaire ao convocar a apresentação de uma drag queen.

Thalia Miranda, que se apresenta há anos no evento e neste domingo era uma das artistas mais requisitadas para tirar fotos com o público, destaca que a parada é um momento que combina a festa com a luta por direitos. “A festa acaba sendo um festival muito bonito, colorido e alegre, que é do feitio LGBT, o que eu acho muito bom para chamar a atenção. Mas, claro, a luta pelos direitos e igualdade vai muito mais a fundo”, diz.

Fazendo alusão ao tema da parada, Valéria Houston brincou que o berro e os gritos são mais do que uma luta contra retrocessos, mas por avanços, uma vez que ainda é preciso avançar muito na pauta de reivindicações da comunidade LGBTI+. “Mais do que tudo, é um momento de gritar por direitos básicos que a gente reivindica. Quando falam que isso é privilégio, eu falo assim: ‘Vamos trocar de direitos por um dia?’ Eu não tenho o direito de ser chamada da maneira que eu quero, nem tampouco pelo gênero que me identifico. Às vezes usar um banheiro é uma coisa muito difícil. Será que isso que o que eu estou pedindo é um privilégio? Não né”, afirma.

Dezenas de artistas se apresentaram na Parada Livre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Gabriel Galli, também do Somos, afirma que um dos aspectos mais importantes do evento é sim ser uma festa, um espaço que busca valorizar a expressão cultural da cidade, as drag queens e os artistas locais. “É um momento em que mostrar a cara na rua dessa forma é uma forma de luta política”, diz.

Pelo lado político, entre diversas manifestações de representantes de movimentos sociais, a parada também contou com falas das deputadas Maria do Rosário (PT) e Manuela D’Ávila (PCdoB), além da vereadora Fernanda Melchionna (PSOL). Rosário pediu um minuto de silêncio na festa para lembrar dos 277 assassinatos de LGBTs em 2017, segundo levantamento da ONG Grupo Gay da Bahia (GGB) – o dado é referente a 20 de setembro, o que dava uma média de mais de um homicídio por dia. “Por isso que o Brasil precisa criminalizar a homofobia”, disse, pedindo apoio ao projeto de lei que criminaliza a homofobia.

Em alusão aos avanços conservadores, Melchionna destacou que a parada “é fundamental para reafirmar a resistência contra meia dúzia de reacionários que botam a cabeça para fora diante dos nossos avanços”. Fazendo referência ao Queermuseu, a vereadora ainda afirmou que movimentos como MBL e figuras como Jair Bolsonaro entrarão para o “lixo da história” por seus ataques à comunidade LGBTI+.

Além das apresentações e das falas, a Parada Livre contou com uma caminhada ao redor da Redenção, animada por sete trios elétricos disponibilizados por entidades que fizeram parte da organização e parceiras.

Confira mais fotos: 

Rosário (esq.), Manuela (centro) e Fernanda (dir.) falaram durante a Parada Livre | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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