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17 de novembro de 2017
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17:35

UFRGS cria comissão para verificar suspeitas de fraudes em cotas raciais

Por
Luís Gomes
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UFRGS cria comissão para verificar suspeitas de fraudes em cotas raciais
UFRGS cria comissão para verificar suspeitas de fraudes em cotas raciais
Comissão especial da UFGRS irá avaliar | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A partir de denúncias feitas por coletivos de estudantes negros, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul decidiu convocar 334 suspeitos de fraudarem a política de cotas para comparecerem diante de uma comissão especial destinada a averiguar se eles podem ser considerados negros ou não. A iniciativa é uma resposta a um trabalho feito por coletivos de alunos negros da universidade que denunciou que centenas de pessoas estavam se beneficiando das políticas afirmativas de forma irregular.

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O reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann, diz que as denúncias de fraudes passaram a ser percebidas com maior frequência a partir de 2012, com a criação da lei federal de cotas para negros, pardos e indígenas. “Sempre houve a consideração que poderia haver a fraude. Não entendemos que essas denúncias feitas pelo Balanta e outras fontes sejam de fraudes, porque a pessoa pode se declarar negra ou parda por vários motivos, como vinculação familiar com um antepassado. A universidade não vai entrar no mérito se a autodeclaração foi feita por má-fé ou não, apenas realizará a exclusão pela avaliação de duas comissões de alunos que não estão compatíveis com o direito das cotas e estão ocupando a vaga de quem tem o direito. Nós não estamos perseguindo ninguém, estamos apenas ofertando o direito a quem merece”, diz o reitor.

Segundo a UFRGS, a comissão, que terá 11 titulares e 6 suplentes, será formada por técnicos-administrativos e docentes, entre homens, mulheres, brancos e pretos, seguindo critérios de diversidade de gênero, cor/etnia e naturalidade apontados pela Orientação Normativa nº 03 do Ministério do Planejamento para a formação de comissões semelhantes para a seleção de concursos públicos. Não há representação de alunos, porque eles são os denunciantes.

A constituição da comissão está especificada na decisão normativa nº 212 do Conselho Universitário da UFRGS (Consun), de 22 de setembro de 2017, que determina que a aferição de fraude se dará pelo fenótipo, isto é, se as características físicas do estudante indicam que ele se enquadra ao “grupo racial negro”. Além da cor da pele, serão consideradas características como o tipo de cabelo, formato do nariz e lábios. A avaliação será feito de forma presencial e silenciosa, diante de ao menos três membros da comissão. A análise será feita de forma consensual pelos membros da comissão após a saída dos estudantes.

Por que o fenótipo? Oppermann explica que, no Brasil, esta é a característica mais utilizada para fazer uma avaliação mais imediata. Também considera-se que, no Brasil, as características físicas são o que fazem com que pessoas sejam vítimas de atos racistas no país.

Os alunos suspeitos de fraude foram notificados individualmente com a data e o horário de quando deverão comparecer. Os membros da comissão serão divididos em dois grupos para dar maior agilidade ao processo. O trabalho da comissão começa no dia 24 de novembro e prossegue nos dias 27, 28 e 29.

Oppermann explica que alunos que forem considerados como não negros pela comissão, terão direito a apresentar recurso explicando porque se autodeclararam negros e terão a argumentação analisada por membros diferentes da comissão. Apenas a partir dessa segunda avaliação e que os casos serão encaminhados para a Pró-Reitoria de Graduação, que ficará responsável por realizar os processos de desligamento dos estudantes.

Pressão do movimento negro

A comissão é resultado de um trabalho de pressão feito pelo Balanta, coletivo criado em 2016 para reunir diversos movimentos de estudantes negros da universidade a fim de reivindicar o aperfeiçoamento das políticas afirmativas da UFRGS. O combate às fraudes era uma das pautas do movimento de ocupação da reitoria da universidade em 2016.

O próprio Balanta fez uma lista, a partir do cruzamento das listas de aprovados com os perfis das pessoas nas redes sociais, identificando 400 pessoas que se autodeclararam negras, pardas ou indígenas e que, na realidade, seriam brancas. Parte desses 400, no entanto, ou não teriam se matriculado ou já teriam deixado a UFRGS. Além da lista do Balanta também há pessoas que foram denunciadas por outras fontes ou até mesmo identificadas como suspeitas pela própria universidade.

Um representante do Balanta, que não quis ter seu nome identificado, diz que considera que a universidade avançou muito a partir do diálogo com o movimento para compreender os equívocos que comete ao homologar matrículas sem fazer um controle mais efetivo de quem estaria utilizando a política pública. “Se o mecanismo de autodeclaração está usando para que pessoas não negras mantenham seus privilégios, as universidades precisam se adequar a esse fato. É um avanço nesse sentido”, diz. O estudante reconhece que a lista do Balanta pode ter identificado nomes que “não deveriam estar ali”, mas pondera que a responsabilidade de verificação deve ser da universidade.

Tanto Oppermann quanto o estudante consideram que não há risco de a comissão se tornar uma espécie de “tribunal racial”, responsável por decidir subjetivamente quem é e quem não é negro, citando que há como jurisprudência uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou como válida a realização de entrevista e de comissões para avaliar as autodeclarações, bem como portarias dos ministérios do Trabalho e de Planejamento estabelecendo estas possibilidades para concurso público. “Quem tem medo de passar por uma banca de aferição não são as pessoas negras. Vai ser um procedimento totalmente silencioso, que respeita as pessoas, que não vai ter exposição. A pessoa vai passar por processo, se autodeclarar e ponto. Depois vai ser homologada a sua declaração ou não”, diz o estudante.

Ele ainda diz que é importante salientar que o movimento não tem por objetivo desqualificar a política de cotas, como algumas pessoas poderiam fazer para afirmar que trata-se de uma política que não dá certo, mas o contrário disso, é a defesa de uma política que “está dando tão certo que tem gente que não deveria e quer entrar por ela”.

Oppermann diz que a própria UFRGS já se utilizou do expediente de uma comissão de verificação este ano, quando realizou um concurso público para técnicos-administrativos.

Ingressos em 2018

A normativa 212 do Consun já havia estabelecido a formação de uma Comissão Permanente de Verificação das Autodeclarações para todos os candidatos que ingressarem na universidade a partir de 2018. A diferença para a comissão especial é que a permanente irá contar com a participação de estudantes e representantes do movimento negro.

Caso UNB

A existência de comissões do tipo já gerou polêmica em outras ocasiões. Um caso muito conhecido ocorreu na Universidade Federal em Brasília (UNB), em 2007, quando dois irmãos gêmeos tentaram ingressar pelas cotas e um foi aceito e o outro não. Entre 2004 e 2012, a UNB adotou uma comissão para analisar as autodeclarações. Inicialmente, esta análise era feita a partir de fotos. Depois de 2007, o critério mudou para entrevistas. Este modelo foi abandonado em 2012, com a aprovação da lei federal de cotas, que definiu o critério de reserva de vagas por autodeclaração.


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