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14 de novembro de 2017
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19:39

Com destino incerto, famílias da Lanceiros Negros têm até o dia 22 para deixar o Centro Vida

Por
Luís Gomes
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Famílias da Lanceiros Negros estão morando no Centro de Vida há quase três meses |  Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O risco de despejo voltou a pairar sobre as cabeças das famílias que participaram das ocupações Lanceiros Negros em Porto Alegre. Morando de forma improvisada em um espaço pertencente à Brigada Militar no Centro Humanístico Vida, na zona norte, desde que firmaram um acordo para desocupar pacificamente o prédio do antigo Hotel Açores, em 24 de agosto passado, as famílias foram notificadas na semana passada de que terão que deixar o local até o próximo dia 22.

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Segundo Nana Sanches, coordenadora do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que organizou as famílias da Lanceiros desde a ocupação do prédio na esquina das rua General Câmara e Andrade Neves, em 14 de novembro de 2015, o coronel Jefferson Jacques, comandante do Policiamento da Capital, visitou o Centro Vida no último dia 7 e informou que as famílias tinham um prazo de 15 dias para deixar o local. Na última quinta-feira (9), durante o lançamento do livro “Lanceiros Negros: Histórias de vida e de luta por moradia” na Feira do Livro, a moradora Lisandra Rodrigues dos Santos fez um relato emocionado sobre a situação das famílias e a possibilidade iminente de um novo despejo, alertando que temia que ficassem sem ter para onde ir a partir do dia 22.

Jacques confirmou ao Sul21 a informação e disse que o local precisa ser desocupado para a realização de uma reforma. Segundo ele, desde as tratativas para desocupação do hotel já se sabia que em dezembro iniciaria a obra de construção de um centro de referência para a juventude da zona norte no local. Questionado sobre o destino das famílias, Jacques diz que isso não lhe diz respeito, que as famílias já tinham conseguido o aluguel social com a Prefeitura e que o prazo para desocupação do Centro Vida já foi dilatado o máximo possível.

No dia 24 de agosto, quem intercedeu nas negociações para garantir que as famílias teriam direito a 24 aluguéis sociais foi a então secretária municipal de Desenvolvimento Social, Maria de Fátima Záchia Paludo, mas ela deixou a Prefeitura no final de outubro. Por meio de sua assessoria, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte (SMDSE) informa que o processo de concessão do aluguel social está em andamento através do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) e que depende de trâmites jurídicos, como regularização de documentação, etc. Sobre a possibilidade de despejo das famílias do Centro Vida, a pasta informa que isso não é de responsabilidade da Prefeitura, uma vez que o local pertence ao Estado. No entanto, uma reunião entre representantes do movimento e da SMDSE deve ocorrer na tarde da próxima quinta-feira (16).

O deputado Jeferson Fernandes (PT), que acompanha o caso como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa — e que foi preso durante a desocupação do prédio da General Câmara quando tentava mediar o processo de desocupação –, disse que foi informado sobre o prazo do dia 22 nesta terça-feira e que irá entrar em contato com o movimento e com o coronel Jacques para encontrar uma solução que não seja o despejo. “O acordado no dia da desocupação [do Hotel Açores] era que as famílias ficassem até resolver a situação do aluguel social. Não resolvendo a questão, vamos tentar uma alternativa, mas jamais colocar esse povo na rua. Não é razoável as famílias saírem dali sem paradouro”, diz o deputado.

Famílias desocuparam o antigo Hotel Açores em 24 de agosto | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Demora no aluguel social

Nana Sanches explica que, em negociações com o Demhab, o movimento conseguiu obter permissão para que todos os recursos referentes aos 24 aluguéis sociais disponibilizados — R$ 500 cada — fossem unificados para o aluguel de um único imóvel capaz de receber todas as famílias cadastradas que participaram das ocupações, que seriam 71 — mais do que se encontram agora no Centro Vida. “Só que o poder público e o Demhab deixam a cargo das pessoas em situação de vulnerabilidade conseguirem tudo, tanto encontrar um prédio, como fazer acordo com o proprietário, o que nenhum proprietário quer fazer”, diz.

Ela afirma que nos locais identificados como capazes de receber as famílias, sempre é exigido que eles apresentem fiador, depositem caução ou façam o seguro fiança, o que eles não têm condições de apresentar por se tratarem de famílias de baixa renda. Ela diz que foi solicitada ajuda para a comissão formada no dia da negociação — que reúne Prefeitura, BM, Ministério Público, Defensoria Pública e deputados estaduais –, mas que não obtiveram retorno positivo. Ela ainda afirma que a divisão dos aluguéis em 24 imóveis diferentes também está sendo dificultada e teria outros problemas, como o fato de que as casas teriam que ser coabitadas por mais de uma família e os lugares disponíveis serem todos longe do Centro.

Mesmo que o despejo não se concretize, Nana diz que a situação das famílias já está complicada no Centro Vida, uma vez que estão em um espaço que é um alojamento, inadequado para moradia, suscetível a goteiras e entrada de água quando chove mais forte, além de que, como já tinham conseguido organizar suas vidas no Centro de Porto Alegre, estão tendo altos custos com passagens para conseguir trabalhar diariamente. “O Centro Vida acabou sendo uma forma de barrar o movimento, mas que nos deixou em uma situação muito precária”, afirma.


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