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7 de outubro de 2017
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11:10

Tempestades severas devem aumentar no RS nos próximos anos, diz pesquisador

Por
Sul 21
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FEE promoveu debate sobre a agenda global das mudanças climáticas e o impacto dessas mudanças no Rio Grande do Sul. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Marco Weissheimer

A tempestade que atingiu Porto Alegre e outras cidades do Rio Grande do Sul no último dia 1de outubro não foi um ponto fora da curva, mas a confirmação de uma tendência à qual a população dessa região e as autoridades públicas devem se acostumar e, sobretudo, se preparar para minimizar danos. A Fundação de Economia e Estatística (FEE), entidade que o governo José Ivo Sartori (PMDB) está prestes a extinguir por considerá-la dispensável para o desenvolvimento do Estado, promoveu, dia 4 de outubro, um debate sobre a agenda global das mudanças climáticas e o impacto dessas mudanças no Rio Grande do Sul. Francisco Eliseu Aquino, professor e pesquisador do Centro Polar e Climático, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Mariana Lisboa Pessoa, geógrafa pesquisadora da FEE foram convidados a debater esse tema e deixaram clara que a produção de conhecimento sobre as mudanças climáticas em curso no planeta é estratégica, não só para a segurança das populações, mas para a própria definição de políticas públicas para o desenvolvimento da região.

Francisco Aquino iniciou sua intervenção assinalando que a região Sul do Brasil e o Rio Grande do Sul em especial estão localizados em um ambiente atmosférico favorável a tempestades e, em virtude do aquecimento global da temperatura, esse quadro deve se acentuar nas próximas décadas. Os dados mais recentes não deixam muitas dúvidas sobre a realidade desse fenômeno. Nos últimos 30 anos, a temperatura média global subiu um pouco mais de um grau Celsius. O ano de 2016, destacou o pesquisador da UFRGS, foi o mais quente do último século, atingindo temperaturas até 5 graus Celsius acima da média em determinadas regiões. Não foi um aquecimento localizado apenas em algumas regiões, mas em praticamente todo o planeta. E a curva segue ascendente em 2017. O primeiro trimestre deste ano foi o mais quente do último século e o último mês de agosto um dos mais quentes do último século.

Francisco Aquino: “A circulação do ar inteira está mudando e aumentando as anomalias na região Sul”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Este mês de agosto, observou Aquino, foi repleto de fenômenos anômalos no mundo inteiro, como chuvas intensas, inundações, diminuição de gelo marinho no Ártico e na Antártica. “Estamos diante de sinais que algo não está funcionando bem. O planeta inteiro está ficando mais quente, independentemente da região. Assim como 2016, 2017 também está sendo um ano anômalo”.

A diminuição do gelo marinho é um dos fenômenos que mais vem preocupando cientistas no mundo inteiro. Em março deste ano, a Nasa e o Centro americano de Neve e Gelo (NSIDC) anunciaram que o gelo marinho no Ártico registrou sua menor extensão no inverno em 38 anos. Fenômeno similar foi registrado com o gelo marinho no continente antártico. Francisco Aquino lembrou que a população do Rio Grande do Sul vive perto da maior concentração de gelo do planeta:

“Neve e gelo são os elementos da natureza que têm a maior capacidade de elevar ou baixar a temperatura com rapidez. A Antártica concentra 90% do gelo da Terra, com uma espessura média de 2km, podendo chegar, em alguns pontos, a quase 5km de gelo. Essa cobertura de gelo tem um papel fundamental no resfriamento da água e do ar. A concentração de C02 (dióxido de carbono) e metano nunca estiveram tão altas quanto hoje. Os gases de efeito estufa cresceram, nas últimas décadas, numa quantidade e numa velocidade jamais vista. De 1960 a 2010, passaram de 320 partes por milhão (ppm) para mais de 400 partes por milhão. E esse número deve aumentar ainda mais”.

Um dos efeitos desse processo, assinalou o pesquisador, é o maior aquecimento da troposfera, a camada atmosférica mais próxima da superfície terrestre, que passa a ter também ventos mais fortes. O Rio Grande do Sul, acrescentou, sempre foi palco de eventos severos, o que deve aumentar com o aquecimento da temperatura global. O Estado está localizado numa região de trânsito do fluxo de ar quente que vem da Amazônia e de entrada de ar frio que vem do sul. Segundo Francisco Aquino, Porto Alegre reuniu, no dia 1° de outubro, todas as condições para a ocorrência de tempo severo: entrada de ar quente do norte, entrada de ar frio vindo do sul e um jato de ar na troposfera funcionando como um exaustor. O problema desse tipo de cenário, advertiu, é a dificuldade de fazer previsões em função das nuvens convectivas que se formam em horas. “Uma única nuvem dessas gerou o tornado que atingiu São Miguel das Missões (no noroeste do Estado) em 2016”, exemplificou (ver vídeo abaixo).

A circulação do ar inteira está mudando e aumentando as anomalias na região Sul. Entre essas anomalias, algumas podem parecer paradoxais, como o aumento das precipitações e das estiagens. O problema é que as chuvas estão ocorrendo de modo mais concentrado em curtos espaços de tempo, o que deverá afetar o abastecimento de água. Em função disso, previu o pesquisador, o Rio Grande do Sul terá que estocar água nos próximos anos para atender a demanda. “A bacia do Prata, de modo geral, terá que adotar uma política similar a da instalação de cisternas no Nordeste”. A geógrafa Mariana Lisboa Pessoa reforçou essa previsão, especialmente na região do Pampa, chamando a atenção para a necessidade de vencer uma resistência cultural para aplicar aqui medidas que, de um modo preconceituoso, muita gente acha que é “coisa do Nordeste”.

Mariana Pessoa: “Apesar de possuir grande disponibilidade hídrica, bacias do RS apresentam situação crítica”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Embora o Rio Grande do Sul possua uma grande disponibilidade hídrica, salientou a pesquisadora, as suas bacias apresentam situações críticas pela baixa qualidade das águas e pela grande demanda, fenômenos relacionados com o alto grau de urbanização e industrialização, especialmente na Região Metropolitana de Porto Alegre.

A maior demanda por água doce do Estado, observou Mariana Pessoa, é para atividades de irrigação, que consomem cerca de 78% do total de água utilizada. Além disso, acrescentou, o Estado usa quase o dobro da média nacional de agrotóxico nas lavouras: 8,3 litros por habitante contra 4,5 l/hab. “O excesso de agrotóxico contamina o solo, as águas subterrâneas e os mananciais do entorno, uma vez que a chuva drena o solo e carrega esses poluentes, afetando não apenas a qualidade dessas águas, mas todo o ecossistema do local”, advertiu.

O Rio Grande do Sul, concluiu Francisco Aquino, está intimamente ligado às mudanças ambientais globais. “A América do Sul é o continente onde mais chove no planeta e as tempestades mais severas ocorrem justamente no Sul do Brasil. Esses fenômenos devem se intensificar nas próximas décadas com um grau de certeza muito elevado”, afirmou. O Estado deveria ter, portanto, um interesse especial por esse tema, fortalecendo as instituições com capacidade de produção de pesquisa e inteligência, como é o caso da FEE.

No plano nacional, o pesquisador lamentou que o Brasil tenha se tornado de novo um grande poluidor global, com o aumento do desmatamento. “A maior contribuição que o país poderia dar aos esforços mundiais contra o aquecimento global seria diminuir o desmatamento. No entanto, em setembro, batemos o recorde de queimadas na Amazônia. Lamentavelmente, nos tornamos de novo um grande poluidor”.

Foto: Guilherme Santos



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