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25 de outubro de 2017
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18:32

Pesquisadores da UFRGS e da UFSCPA batizam ‘Esquina da Ciência’ contra cortes do governo

Por
Luís Gomes
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Estudantes apresentaram trabalhos científicos desenvolvidos nas universidades | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em 2017, os investimentos em ciência e tecnologia sofreram um corte de 44% no país, isso em um cenário que já vinha sendo de redução de investimento nos dois anos anteriores. Para chamar a atenção para os efeitos negativos dessa redução, professores e alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) expuseram pesquisas que estão desenvolvendo nas instituições e podem ter sua continuidade ameaçada pela falta de recursos. Além disso, realizaram o batismo simbólico da esquina da Avenida Osvaldo Aranha com a Rua Sarmento Leite, no encontro das duas universidades, como a Esquina da Ciência.

O professor Pedro Dal Lago, coordenador de Pesquisa da UFSCPA, explica que o 25 de outubro foi escolhido como Dia C da Ciência por estarmos na Semana Nacional da Ciência e Tecnologia como forma de demonstrar resistência ao contexto de grandes cortes de investimentos na área. Segundo ele, a ideia do evento era trazer a comunidade científica para fora dos muros e mostrar à sociedade a importância do desenvolvimento da ciência e da tecnologia e a aplicabilidade de ambas para melhorar a qualidade de vida das pessoas.

“Nós estamos em uma das piores crises de investimento financeiro na ciência e tecnologia no Brasil e nós sabemos que o futuro da nossa nação depende muito de geração de novos conhecimentos, da geração de novas tecnologias que tenham repercussão na vida da população brasileira. Então, sem ciência, sem investimento em tecnologia, o nosso futuro fica muito prejudicado”, diz. “Nós vimos, há poucas semanas, que o Congresso aprovou um financiamento bilionário para campanhas eleitorais. Enquanto isso, o investimento em ciência e tecnologia está cada vez menor. Então, é uma tentativa também de sensibilizar a população e com certeza sensibilizar os nossos governantes para que eles voltem os olhos para a questão”, complementa.

Dal Lago aponta que os projetos já em desenvolvimento não foram afetados pelo corte de recursos porque dependiam de editais realizados no passado, mas aponta que os novos projetos estão sendo prejudicados. Segundo ele, em dois editais promovidos pela agência de fomento Fapergs para financiamento de projetos de pesquisa, apenas 20% das propostas apresentadas foram aprovadas. “Só aqui da universidade, nós tivemos em torno de 30 ou 40 propostas para concorrer a esse edital. Dessas, só cinco ou seis foram aprovadas. Então, isso gera uma demanda acumulada de muitos professores e pesquisadores que infelizmente não estão conseguindo manter e vão ter que interromper, não vão poder desenvolver projetos importantes para a saúde da população brasileira, envolvendo diferentes doenças, como o câncer, doenças pulmonares, cardiovasculares”, afirma.

Professor Paulo Machado Mors, presidente da Adufrgs Sindical. Foto: Maia Rubim/Sul21

O professor Paulo Machado Mors, presidente da Adufrgs Sindical, destaca que a luta pelo investimento em ciência está inserida na luta contra o projeto de desmonte do estado social, que tem como maior símbolo a Emenda Constitucional nº 95, que estabeleceu o Teto de Gastos da União. “Desde que foi aprovada, nós estamos sofrendo as consequências dessa agressão à sociedade brasileira. Se você corta da ciência, não significa apenas que daqui para frente você não tem como fazer ciência, significa que você estará sucateando o que foi investido nas últimas décadas e que é uma infraestrutura de muita qualidade que a nação conseguiu construir com muito esforço. Isso está sendo atacado. Isso é muito sério”, afirma.

Mors destaca ainda que, após anos de investimento, o Brasil já estava “ombreando” a pesquisa científica internacional, mas agora irá regredir. No entanto, ele pondera que mesmo dentro de um contexto de “submissão” aos interesses internacionais, que se avizinha com as mudanças e cortes promovidos pelo governo de Michel Temer, a pesquisa deveria ter um papel de destaque. “Já que nós voltaremos a ser uma nação exportadora de grãos apenas, que é isso que está sendo montando, vamos falar na soja. Como o Brasil se tornou um grande produtor de soja? Com uma pesquisa desenvolvida aqui na UFRGS, dentro da Faculdade de Agronomia, que trabalhou o tratamento do solo. Isso é apenas para dar um exemplo”, diz. “Construir é muito lento, mas perder é fácil. A destruição é rápida e é intencional. Isso é que é o pior”.

Uma das pesquisas que foram apresentadas na Esquina da Ciência foi justamente na área da agricultura. Mirayr Raul Quadros de Souza, mestrando do Programa de Pós-Graduação de Engenharia Elétrica da UFRGS, apresentou o trabalho que desenvolve, em parceria com a Universidade Estadual do RS (Uergs), para o mapeamento da atividade fotossintética em plantações. “A gente usa o drone para para sobrevoar a plantação e adquirir imagens. Então, usamos ferramentas da Engenharia para estimar parâmetros da atividade fotossintética, ver qual é a area da plantação que está precisando mais adubo, identificar pragas, fazer contagem de plantas”, diz.

Segundo ele, o objetivo final da pesquisa é desenvolver um software que possa ser utilizado pelo agrônomo para o gerenciamento correto de nutrientes e agrotóxicos de uma plantação, para que ele possa saber em qual área específica da lavoura deve atuar e sem ter a necessidade de fazer inspeção manual. Mirayr pontua que resultados preliminares já indicam que o resultado da pesquisa irá gerar aumento de produtividade agrícola. “Essas ferramentas que a gente desenvolve utilizando o processamento digital de imagens é para auxiliar no aumento da produtividade”, diz.

Mirayr Raul Quadros de Souza trabalha em pesquisa com drones para o mapeamento de plantações | Foto: Maia Rubim/Sul21

Já Mathias Mantelli, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Computação da UFRGS, era um dos estudantes responsáveis por fazer apresentação de um robô humanoide, que traz sensores e câmeras capazes de fazer o mapeamento de ambientes e que é utilizado para diversas atividades no programa. “A gente utiliza alguns sensores deles para criar mapas, então o robô anda pelo ambiente criando essas estruturas de representação do ambiente”, diz.

A partir do ano passado, passaram a utilizar o robô, importado da França, para o desenvolvimento de pesquisas de interação humana com o computador, como, por exemplo, para estimular que pessoas que sofrem de déficit de atenção mantenham o foco em uma atividade específica. “É muito interessante utilizá-los para estimular atividades cognitivas em pessoas que apresentam alguns problemas”, diz.

Mathias Mantelli faz a apresentação de projeto de pesquisa em robótica | Foto: Maia Rubim/Sul21

A professora Marisa da Costa, do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS, trabalha em um grupo de pesquisa que estuda micro-organismos que causam doenças e formas de prevenção e lamenta a perda que se vislumbra para o desenvolvimento da inovação no país. “Temos colegas que trabalham com restos alimentares, por exemplo, casca de arroz. Reutilizam essa casca na produção de algum material. Então, quando tu não tem verba para pesquisa, tu vai diminuindo as chances de descobrir coisas novas para prevenir doenças. Esse é o nosso grande problema atualmente”, afirma.

Professora Ana Helena Paz, de Histologia e Biologia Celular da UFRGS, que trabalha no Centro de Pesquisa Experimental do Hospital de Clínicas com a utilização de células tronco para o desenvolvimento de terapias para doenças inflamatórias intestinais, lamenta, especialmente, a redução de bolsas de pesquisa e do Programa Ciência Sem Fronteira, que permitia a capacitação de estudantes de graduação. “Isso impacta diretamente na ciência”, diz. “E, aqui no Estado, ainda mais com a questão da extinção das fundações. O governo pensa que a pesquisa tem que dar rendimentos, como se fosse um cálculo de somar e dividir, mas, na verdade, a pesquisa gera um conhecimento imensurável”, complementa.

Esquina da Ciência foi batizada no encontro da UFRGS com a UFCSPA |  Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21

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