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14 de outubro de 2017
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17:17

‘Isso é feminicídio’: campanha pressiona polícia a incluir tipificação de crime de gênero em ocorrências

Por
Sul 21
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Só no RS, 40 mulheres foram assassinadas em casos reconhecidos como “feminicídio consumado” no primeiro semestre de 2017 | Foto: Agência Brasil

Fernanda Canofre

Feminicídio não é crime passional. Quando uma mulher morre por ser mulher, não existe “violenta emoção”, “crime de honra”, “foi por amor”. Feminicídio é o crime “contra a mulher por condições de sexo feminino”; considerando como tais condições, “violência doméstica e familiar”, “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Essa é a definição que aparece na lei, assinada por Dilma Rousseff (PT) em março de 2015, que inseriu o feminicídio no Código Penal brasileiro, como uma qualificadora do crime de homicídio.

Mas, mesmo virando lei, o termo ainda é estranho para os noticiários policiais e só começou a aparecer recentemente em processos judiciais. Já nos registros de ocorrência da Polícia Civil, que tipificam as circunstâncias e motivo de um crime, ela é ausente. Não existe um campo em que se possa preencher “suspeita de feminicídio” em nenhum formulário ou protocolo. O que significa que, na maioria das vezes, os crimes seguem sendo investigados como crimes comuns.

Para tentar mudar a situação no Rio Grande do Sul, a Rede Minha Porto Alegre, lançou na última terça-feira (10), Dia Nacional de Luta Contra a Violência Contra à Mulher, a campanha “Isso é Feminicídio”. A Polícia Civil gaúcha já tem um processo civil em tramitação na Divisão de Planejamento e Coordenação (Diplanco), que solicita a criação do subtítulo “feminicídio” nos boletins de ocorrência. A inclusão definitiva, no entanto, depende de uma decisão da delegada Andréa da Rocha Mattos e do chefe da Polícia Civil, Emerson Wendt.

A ideia é simples: no site criado pelo grupo, qualquer pessoa pode enviar um e-mail diretamente para os dois responsáveis, ajudando a colocar “pressão” para que a decisão se torne prioridade. A rede lembra que “como [a inclusão do termo] já está tecnicamente aprovada”, a sanção final depende apenas de assinaturas. Na campanha, a rede lembra ainda que, desde que a lei do Feminicídio foi implementada, apenas 89 crimes contra a vida de mulheres, por motivação de gênero, foram registrados no RS. “Mas nós sabemos que esse número não é real. Os crimes só não estão sendo registrados da forma correta”, diz o texto da campanha.

“As pessoas perguntam qual a moral de ter o subtítulo, se as mulheres vão continuar morrendo, mas tu só consegue criar políticas públicas quando tem dados. Não pode vir com conhecimento empírico para dizer que na Azenha morrem mais mulheres do que no Bom Fim. No momento que tem essa designação, fica mais fácil para colher dados e para que o governo passe a destinar verbas para onde precisa”, explica Clara Alencastro, coordenadora da Minha Porto Alegre.

O Rio de Janeiro foi o primeiro estado a inserir a obrigatoriedade do registro nos boletins, no ano passado. Esse ano, duas outras redes, também parte do Nossas Cidades, Meu Recife e Minha Igarassu, também conquistaram a mudança através de campanhas de pressão popular.

País teve aumento de 21% dos casos de mortes de mulheres em dez anos | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Brasil é 5º país em mortes de mulheres

O Mapa da Violência de 2015 aponta que o Brasil possui uma taxa de 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres. Um dos maiores índices do mundo, colocando o país na quinta posição de um ranking com outros 83 países.

De acordo com a Agência Patrícia Galvão, “por falta de um tipo penal específico até pouco tempo, ou de protocolos que obriguem a clara designação do assassinato de uma mulher neste contexto discriminatório em grande parte da rede de Saúde ou da Segurança Pública, o feminicídio ainda conta com poucas estatísticas que apontem sua real dimensão no País”. Citando dados do Mapa da Violência, a agência aponta ainda que o número de casos de mulheres mortas por questões de gênero vem aumentando. Entre 2003 e 2013, os casos passaram de 3.937 para 4.762. Um aumento de 21% em dez anos.

No Rio Grande do Sul, apenas no primeiro semestre, 40 mulheres foram assassinadas em casos reconhecidos como “feminicídio consumado”, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública.

Há casos, porém, que não pesam no recorte de gênero desde o princípio do processo de investigação. “A partir da invisibilização de um problema, o que tende a acontecer é que ele não seja tratado. Se esquece que tem a figura do feminicídio, isso pode causar efeitos em uma investigação”, salienta a advogada e assessora da Themis Luana Pereira da Costa. “Há casos que não se percebe em homicídios comuns, mas se percebe em crimes de gênero. Mutilação de seios, de órgãos genitais, cortar o cabelo, atingir o rosto, jogar fora a roupa, são coisas indicativas que o crime tem uma motivação de gênero. É importante que isso seja visibilizado, para que o crime seja investigado como feminicídio”.

“O crime de feminicídio normalmente é com o companheiro, em casa, misógino, que vem de toda uma herança cultural que a gente tem, de as mulheres serem consideradas inferiores”, lembra Clara. Na avaliação dela, ainda há muita resistência na própria sociedade quanto à palavra. “Inclusive no meio jurídico, na mídia que segue usando crime passional. A gente tem que dar o nome certo porque assim consegue colocar em pauta essa questão. Não só por questões de políticas públicas, mas também para pautar a dificuldade que é ser mulher no Brasil. Homem quando é preso tem medo de ser estuprado, a gente não precisa estar presa para ter medo de ser estuprada”.


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