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24 de outubro de 2017
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20:10

Depois de ‘vaquinha’, haitiana enfrenta burocracia e extorsão para trazer filhos ao Brasil

Por
Sul 21
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Monette segura a foto dos filhos, um dos últimos momentos que viveu com eles no Haiti, e fala de saudade | Foto: Reprodução/YouTube

Fernanda Canofre

Em janeiro deste ano, o Sul21 contou a história de Monette Esperance, haitiana de 29 anos, que organizou uma campanha de financiamento coletivo para tentar trazer para o Brasil os três filhos que deixou no Haiti, quando se mudou para Caxias do Sul, em 2013. As crianças ficaram com a mãe dela, que depois de dificuldades financeiras, já não poderia ajudar a atendê-las. A “vaquinha” virtual ajudou Monette a arrecadar R$ 25 mil. Mas, passados nove meses desde o fim da campanha, ela ainda não conseguiu reencontrar os filhos.

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A irmã de Monette, quem está ajudando com os trâmites burocráticos no Haiti, conta que já esteve 24 vezes na Embaixada Brasileira, em Porto Príncipe, para tentar encaminhar os vistos das crianças. Desde setembro de 2015, todos os pedidos de vistos humanitários permanentes e a título de reunião familiar, do Haiti para o Brasil, passaram a ser atendidos pelo BVAC (Brazilian Visa Application Center), um escritório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) da ONU. A organização é responsável por atender os serviços pré-consulares e encaminhar os pedidos depois para a embaixada.

“Dessas idas, ela conseguiu ingressar no local que expede o visto, duas vezes. Em uma, como Monette organizou a documentação por conta, tinha um erro na papelada. Na outra, encontraram um erro em francês na transcrição dos nomes dos pais das crianças. Isso já foi retificado em um cartório, no Haiti, [mas ainda] estamos encontrando dificuldade em conseguir um novo horário para ela”, explica Adriano Pistorelo, advogado de migrações do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), de Caxias.

Djodjy, Adjy e Betchnailie, os três filhos de Monette, tinham 6, 5 e 3 anos, quando a mãe os viu pela última vez | Foto: Arquivo pessoal

Monette conta que a irmã já fez o pagamento do valor total dos vistos: US$ 780 – US$ 200 pelo visto + US$ 60 de taxa para a OIM, para cada criança. Ela relata ainda que a a família gastou em torno de US$ 370 em outras taxas, cobradas por um segurança que costuma ficar na porta do local. O documento disponibilizado no site do Ministério das Relações Exteriores, porém, afirma que “não há que se pagar qualquer valor adicional”, além do valor do visto.

Como a família vive fora de Porto Príncipe, a irmã de Monette costuma sair de casa à 1h30 da manhã, para enfrentar duas horas de viagem e garantir um lugar na fila do local que começa a funcionar às 8h. Os valores que a família gasta a cada viagem também são pesados, segundo ela. Há dias em que ela coloca o nome na lista para conseguir um agendamento, mas quando volta, descobre que não foi incluída. Da última vez que esteve no local, o segurança voltou a cobrar o equivalente a R$ 100 para que ela conseguisse um horário.

O representante do CAM esteve em Brasília levando o caso para o chefe de missão da OIM Brasil, formalmente. “Está bem complicado. Nessa reunião em Brasília, estávamos em aproximadamente 56 entidades, do Brasil inteiro, que trabalham com migração, e todas relataram dificuldades na emissão de visto. A pessoa tem ido, tem sido negado, não consegue falar com ninguém e não tem agendamento”, afirma Adriano.

O caso foi levado ainda ao conhecimento do embaixador brasileiro que está prestes a assumir o posto em Porto Príncipe e de diplomatas haitianos. “Um tema familiar, que é a junção da família, está sendo impossibilitado em função da não-expedição dos vistos das crianças pelo órgão brasileiro responsável por fazer isso no Haiti”, sintetiza o advogado.

A OIM Haiti diz que “se qualquer beneficiário teve de pagar taxas adicionais, quando chegou a BVAC, isso é um caso de extorsão e deve ser reportado à polícia”. As denúncias também podem ser encaminhadas no site do órgão. Além disso, a organização lembra que, embora processos de visto levem em média 120 dias para serem finalizados, o pedido de novas solicitações está suspenso. Todos os horários disponíveis foram preenchidos ainda em maio e os atendimentos só duram até final de outubro, quando vence a resolução 97/2012, do Conselho Nacional de Imigração do Brasil(CNIg). A emissão de novos vistos passa a depender da renovação da mesma.

O caso de Monette, porém, pode ser uma exceção. Os vistos de família não entram na regra. Segundo a OIM, embora os horários de atendimento também tenham sido preenchidos ainda no primeiro semestre, o escritório pretende retomar as entrevistas nos próximos dias. O CAM recebeu a informação de que os filhos de Monette podem ser atendidos no dia 13 de novembro, junto ao vice-cônsul do Brasil.

Enquanto isso, Monette que teve outra filha no Brasil, Monalisa, diz que não consegue dormir, nem se alimentar direito, preocupada com a situação das crianças. Desde o início do ano, quando ela começou a vaquinha na esperança de trazer os filhos para o Brasil, a situação da família piorou. A mãe dela está em risco de ser despejada da casa que a própria Monette construiu, porque o terreno pertence a um primo que estaria pedindo a propriedade. As crianças relatam que sofrem agressões físicas, do mesmo primo, com frequência, como tentativa de pressionar a família a sair do local.

“Eles me dizem: mãe, quando tu vem nos buscar? Ou vai nos deixar morrer aqui? A gente não sabe mais o que pode fazer”, se emociona Monette. Além disso, ela continua desempregada.


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