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2 de setembro de 2017
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16:33

Com inauguração em outubro, Memorial Luís Carlos Prestes é primeira obra de Niemeyer em Porto Alegre 

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Sul 21
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O Sul21 teve a oportunidade de conhecer com exclusividade a exposição do Memorial já montada. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Fernanda Canofre

“Junto da entrada, a parede com textos e imagens começa a mostrar aos visitantes os inícios da vida de Prestes, quando, oficial do Exército, era incumbido de acompanhar obras em construção no Rio Grande do Sul – aí surge, já com 26 anos, severo como sempre foi, Prestes a reclamar da maneira pouco correta com que os trabalhos estavam sendo desenvolvidos.

Não recebendo resposta às denúncias que fazia, foi pouco a pouco sentindo que uma solução burocrática a nada conduzia, mas que os problemas do país tinham de ser resolvidos por meio de uma revolução. E a Coluna Prestes apareceu naturalmente como a única maneira de enfrentar as questões políticas e sociais existentes”. Assim, pouco depois de comemorar seu aniversário de 100 anos, cercado de amigos, Oscar Niemeyer sentou-se em casa, em 2008, para escrever um artigo para o jornal Folha de São Paulo, em que explicava o projeto que havia acabado de desenhar naquele verão. Um Memorial ao amigo Luís Carlos Prestes. Obra, segundo ele, “tão especial, que valia a pena explicá-la um pouco”.

Quando Niemeyer sentou-se para terminar o desenho, em janeiro de 2008, a ideia da homenagem a Prestes já completava uma estrada de quase 18 anos. Ele se dizia satisfeito em entregar um projeto que contribuiria para manter viva a memória de Luís Carlos Prestes, “um brasileiro que lutou em favor de seu povo, contra a miséria e a desigualdade social”. Quase dez anos depois, adiada várias vezes, a inauguração da obra está marcada para o final de outubro. Junto ao centenário da Revolução Russa e do aniversário de 93 anos da própria Coluna.

O Memorial tem um tripé: homenagear o patriota, o revolucionário e o comunista, diz Edson Ferreira dos Santos, vice-presidente do Memorial. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

O Memorial tem um tripé: homenagear o patriota, o revolucionário e o comunista. Ele será um espaço não de um grupo de comunistas, mas da cidade de Porto Alegre”, explica Edson Ferreira dos Santos, vice-presidente do Memorial Prestes, que participou das discussões sobre o projeto desde o início.

A demora que acabou envolvendo o projeto foi causada, principalmente pela falta de verbas. Em 1990, logo após a morte de Prestes, o então vereador Vieira da Cunha (PDT) apresentou um projeto de lei na Câmara de Vereadores com a proposta de um memorial em sua homenagem e o pedido de doação de um terreno à Prefeitura Municipal. A ideia nasceu entre amigos e pessoas que admiravam Prestes, que foi presidente de honra do PDT até o final da vida. Os únicos votos contrários, no Legislativo, vieram da bancada do PSD (atual PP). Em seguida, o prefeito Olívio Dutra (PT) sancionou o projeto e destinou um terreno na esquina das avenidas Ipiranga e Edvaldo Pereira Paiva para a obra.

Com a área do terreno em mãos, o próprio Olívio, Vieira e mais um grupo de entusiastas da ideia, bateram à porta de Niemeyer. Amigo de longa data de Prestes, comunista, o arquiteto acolheu foi quem acolheu o gaúcho quando saiu da prisão, emprestando sua casa, no Rio de Janeiro, para que ele pudesse morar.

“Imediatamente, Niemeyer abraçou a causa e priorizou o trabalho. O que não era comum ele fazer. Em pouco tempo ele nos entregou o projeto, que se transformou no Memorial”, lembra Vieira da Cunha, contando sobre as reuniões que teve com o arquiteto, no apartamento dele, em Copacabana. “Mas ficou no papel durante muitos anos porque não se conseguiu viabilizar os recursos necessários para executar a obra”.

Projeto foi viabilizado por meio de uma inusitada parceria com a Fundação Gaúcha de Futebol. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Na estante por anos, o projeto só voltou a andar em 2008, por um movimento inusitado. Precisando de um terreno bem localizado para erguer sua sede, a Federação Gaúcha de Futebol (FGF), veio como único meio de viabilizar o Memorial. Em troca de o Memorial Prestes ceder uma parte do terreno à Fundação por 90 anos (com contrato renovável por outros 90 anos), a Fundação bancaria os custos da construção e manutenção do Memorial.

“Como a área é pública, passamos um projeto de lei para a Câmara Municipal, explicamos o motivo, que a partilha se daria com a responsabilidade da FGF de edificar o Memorial”, diz Edson. As obras começaram em 2012 e, apesar de poucos eventos e algumas visitas especiais, como a da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em novembro do ano passado, o Memorial teve a data de abertura das portas alterada diversas vezes. Até outubro deste ano.

Estrutura segue em cores e concreto a trajetória de Prestes

O Sul21 teve a oportunidade de conhecer com exclusividade a exposição do Memorial já montada. Ela parece reproduzir exatamente o que o texto de Niemeyer descrevia. Um passeio arquitetônico, que alterna nas curvas de paredes vermelhas e pretas, a evolução da trajetória de vida de Luís Carlos Prestes. Desde os anos de menino, nascido em um sobrado na Rua Riachuelo, no Centro Histórico de Porto Alegre, passando pela composição da marcha da Coluna Prestes, o exílio na Bolívia, na Argentina e na União Soviética, seguido pelos anos de prisão e tortura, em que perdeu a companheira Olga Benário e deixou de ver a filha Anita crescer, à eleição como senador pelo Distrito Federal, e o cortejo que se despediu dele no Rio de Janeiro, em 1990.

O material foi cedido ao Memorial pela filha mais velha de Prestes, Anita Leocádia, que acompanhou e aprovou o projeto desde o início. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Fotos de arquivo da família se misturam a recortes de jornais e revistas e imagens de arquivo dos próprios partidos. O material foi cedido ao Memorial pela filha mais velha de Prestes, Anita Leocádia, que acompanhou e aprovou o projeto desde o início.

“Esse projeto é uma simbiose perfeita da simbologia do Prestes, da singeleza estética da arquitetura do Oscar. É muito característico desse prédio que quando a estrutura está pronta, o prédio está lá. Tem só uma estrutura de vidro envolvendo tudo. É uma joia para Porto Alegre”, diz o bisneto de Niemeyer, Paulo César, que ajudou na finalização do projeto depois da morte do bisavô, em 2012. É dele o desenho de Prestes, na entrada do prédio.

 

Com a demora do Memorial, Niemeyer sentiu que no fim não poderia seguir o acompanhando como precisava e chamou o bisneto para participar do projeto e assiná-lo com ele. “Essa obra é muito importante porque o Oscar carregou nela toda sua vontade de simbolizar essa memória do socialismo. Ele sempre falou que era muito importante e que, apesar de ser pequena [em proporções] para o tipo de obras que ele fazia, era muito primorosa e ele tinha muito cuidado com ela”, conta Paulo César.

Pelo o que simbolizava pessoalmente a Oscar, é que o bisneto afirma que não existiria nenhuma possibilidade de ver o prédio transformado em outra coisa que não uma homenagem a Prestes. “Você pode questionar, mas o museu foi feito especificamente para o Memorial Prestes. Só no Brasil que existe essa propensão ao desrespeito ao que é a História do país”.

A possibilidade foi levantada este ano, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, por um projeto apresentado pelo vereador Wambert Di Lorenzo (Pros). O parlamentar propunha que o Memorial fosse extinto e o edifício fosse usado como Museu do Povo Negro. “Prestes foi um traidor da pátria brasileira, é um absurdo ele ser retratado como um herói”, explicou na época.

Segundo Vieira da Cunha, a proposta é “inútil”, porque a lei já não pode ser alterada. “É um profundo equívoco, uma visão obtusa do que representou o Prestes. Só por muito ranço ideológico mesmo é que uma pessoa não pode perceber a importância dessa homenagem. Essa posição que o vereador levanta, sequer é seguida pelos pretensos beneficiários da mudança. As lideranças negras já se manifestaram contrárias a essa iniciativa”.

Procurado pelo Sul21, durante a semana, o vereador não retornou ao contato da reportagem até a publicação da mesma.

Porto Alegre também deverá receber prédio que contará as histórias de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola, também assinado por Niemeyer. (Divulgação)

Caminho da Soberania

Primeira obra de Niemeyer em Porto Alegre, o Memorial Luís Carlos Prestes não deve ser a única. Quando o projeto voltou a ser discutido na Câmara há quase dez anos, no embalo, o então prefeito José Fogaça (PMDB) aprovou a doação de uma área próxima ao memorial para outra iniciativa: o Caminho da Soberania. O prédio que contará as histórias de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola, também é assinado por Niemeyer. Um dos últimos projetos do arquiteto.

“A ideia dele é contar a história brasileira, a partir de 1907, quando o Getúlio se forma na faculdade de Direito da UFRGS, até 2004, quando morre Leonel Brizola. Passando por episódios como a Revolução de 1930, o próprio Estado Novo, a redemocratização, a eleição do Getúlio em 1950, o suicídio dele, o período da Legalidade, o movimento das Diretas. Entrar por uma espécie de túnel do tempo, contando a História recente do Brasil, na perspectiva dessas lideranças”, explica Vieira, que faz parte da Fundação Caminhos da Soberania, criada para viabilizar a obra.

Mais uma vez, o projeto esbarra em falta de financiamento. Houve uma conversa sobre a possibilidade de a Petrobras patrocinar a iniciativa. As investigações sobre desvios na estatal, porém, cancelaram a hipótese. No ano passado, o ex-prefeito José Fortunati (PDT), apresentou mudanças na Câmara que ajudariam a integrar a obra à orla do Guaíba. A proposta, no entanto, foi arquivada no início do ano.

“Niemeyer teria três lugares importantes no Brasil, com conjunto de obras. Com o Caminho da Soberania, que falta agora implementar, Porto Alegre se soma à Niterói e Brasília. Vai criar uma orla de museus e cultura”, avalia Paulo César.  

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Foto: Guilherme Santos/Sul21
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