Da Redação*
“Contam que nasci muito frágil e chorão. Confesso que quando comecei a lutar, na minha adolescência, não foi pelos outros, foi para que eu mesmo pudesse resistir”. A fala de Richard Campos enquanto agradecia a Medalha da 54ª Legislatura da Assembleia Legislativa, numa iniciativa do deputado Pedro Ruas (PSOL), nesta sexta-feira (14), diante de amigos em situação de rua e pessoas que trabalham com direitos humanos, resume a identidade e a vida de quem se tornou um dos líderes da retomada do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), no Rio Grande do Sul.
Dos 25 anos de vida, 16 Richard passou na rua e acessando a rede de abrigos de Porto Alegre e região metropolitana. Saiu de casa aos 9 anos quando, depois de sofrer agressões do pai, foi entregue por familiares para um abrigo infantil. Quando completou 18 anos, no entanto, teve que conhecer a vida na rua, alternando entre outros abrigos da rede. Ainda hoje ele mora em um, no Abrigo Bom Jesus, da rede municipal da capital, localizado na vila de mesmo nome.
O lado de militante e ativista veio em 2013. No encontro com o movimento, Richard teve a chance de ressignificar sua biografia. A companheira de MNPR e educadora social que ele considera como uma mãe, Veridiana Machado, diz que lembra da primeira reunião em que os dois se encontraram. O menino que, na época morava no Abrigo Marlene, no Bairro Menino Deus, chegou “acanhadinho”. “Antes ele tinha que viver fugindo das coisas, mas quando começou a andar com o movimento começou a enfrentar as coisas. Ele voltou a estudar e começou a desenvolver todo o potencial que tinha. A pouca grana que ele tem hoje, ele se organiza para pagar estudos”, conta ela.
Richard foi aprovado para a vaga de educador social, no concurso realizado para a Fundação de Assistência Social (Fasc), no ano passado. Na troca de gestão, com a chegada de Nelson Marchezan Jr. (PSDB) à Prefeitura, a questão ficou incerta e sem previsão de datas para quando os concursados poderão assumir os postos. Quando acontecer, o nome dele é o próximo da lista. Enquanto isso, Richard dedica os dias a estudar para passar no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e tentar uma vaga na faculdade de Serviço Social.
Hoje, além de ser um dos líderes da população em situação de rua, Richard ainda ocupa cadeira no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) de Porto Alegre. Como alguém que conhece cada faceta e cada canto da rede, nas audiências públicas, ele briga na linha de frente por acesso a políticas públicas. Uma das razões pelas quais Ruas o escolheu para entrega da medalha. “É um cidadão que tem merecimento, mas jamais estaria aqui recebendo uma homenagem, pois a atuação dessas pessoas em situação de rua não chega ao conhecimento da sociedade. Eu acompanho o trabalho deste jovem que, mesmo ameaçado, nunca deixou de ajudar os milhares que têm na rua sua moradia”, afirmou ele na cerimônia de entrega.
Para Veridiana, ele é a “âncora” do Movimento no Estado hoje. “É a pessoa que sustenta as coisas. Ele briga e sustenta as brigas, com uma participação importante em todas as movimentações”, diz ela lembrando de falas dele desde em reuniões fechadas do movimento até a Ocupação do Departamento de Habitação (Demhab), em 2016. “Eu nunca vi uma pessoa que socialize afetos como ele. Ele elege pessoas que fizeram diferença na vida dele, tanto da esquerda quanto da direita”.
Assim como Richard é âncora para muita gente, ele mesmo faz questão de falar de quem o apoia. “Embora eu tenha nascido em 1992, creio que o Richard de hoje, esse que vocês conhecem, nasceu com as jornadas de 2013. Participei de todos os movimentos, vi como haviam pessoas que não tinham voz e que eu tinha condições de apoiá-las. Me inseri nas redes de apoio social e hoje recebo essa medalha que dedico a tantos os que estiveram e estão juntos nessa luta”.
*Com informações da ALRS.
