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30 de julho de 2017
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12:32

Por que um matemático defende a revogação da PEC que congela gastos por 20 anos?

Por
Sul 21
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Encontro reunindo sindicatos de professores de instituições federais aconteceu esta semana, em Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Um cenário onde a rede pública de ensino do Brasil se tornaria “inviável”. A mesma rede que mantém tanto a universidade que era considerada até este ano como a melhor da América Latina – a Universidade de São Paulo (USP) – quanto a nova detentora do título – a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse é o cenário projetado pelo matemático e professor da Universidade de São Carlos (UFSCar), também no estado de São Paulo, Gil Vicente, caso a PEC 95 aprovada pelo governo de Michel Temer (PMDB), que congela gastos por 20 anos, seja implementada. Vicente apresentou sua análise defendendo a revogação imediata da Emenda durante o encerramento do Encontro Nacional do Proifes,  federação que reúne sindicatos de professores de instituições federais de ensino, neste sábado (29). O evento aconteceu na sede da Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ADUFRGS).

Como professor de Matemática, toda a análise apresentada por Vicente é baseada em números. E não são números aleatórios levantados pela série de análises que a chamada “PEC do teto de gastos” gerou na tentativa de entender o que ela coloca em jogo. O matemático, que vê o futuro como “dramático”, usou o estudo técnico contratado pela própria assessoria da Câmara dos Deputados. Ou seja, os números que os 513 deputados levaram em consideração quando votaram a proposta. Colocando na equação ainda as projeções do crescimento da inflação e do Produto Interno Bruto (PIB) do país no mesmo período, Vicente chegou a um cenário que aponta para redução dos investimentos, aumento no pagamento dos juros da dívida e reforço para a agenda de privatização da educação.

Atualmente, o Brasil investe cerca de 6,5% do PIB em educação – 5,5% na área pública e 1% destinado à área privada. O Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2015 prevê que a soma dos dois tem que atingir 10% até 2024. Porém, a trajetória que em 2019 teria que alcançar 7% já teria sido invertida. Apesar de solicitações das entidades que compõe o Fórum, desde a saída de Dilma Rousseff (PT) da Presidência, o governo de Michel Temer (PMDB) não divulga os dados atuais. Para Vicente, isso é um indicativo de que a política de redução do governo já está sendo colocada em prática. O que descumpre a lei do PNE.

Gil Vicente usou estudo técnico da Câmara e projeções da inflação e do PIB para calcular impacto da PEC 95 na educação | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“A gravidade disso é que a universidade e os institutos federais já estão com um monte de programas, com criança de cursos em andamento. Não tem como você dizer para um estudante de Medicina: ‘Você entrou ano passado? Pois é, não vai ter o segundo ano’. Isso coloca um problema grave. O governo Lula – Dilma um pouco menos – colocou a expansão da universidade em movimento. Então, imagina uma criança em fase de crescimento, de repente você corta a comida. A qualidade do crescimento vai cair brutalmente”, avalia o professor.

As consequências globais da Emenda 95 são a redução do percentual de investimentos nas áreas sociais que são obrigação do Estado prover para a população – como saúde, educação, Previdência Social – em relação ao PIB. Ou seja, ainda que o PIB cresça ao longo dos anos, os investimentos nestas áreas não poderá ser expandido e ficará no mesmo valor atual pelos próximos 20 anos. “Ao mesmo tempo em que a população está aumentando. Então, vai ter mais gente querendo entrar na universidade, vai ter filas mais compridas nos postos de saúde, se não aumentar o número de postos de saúde. Hoje, a medida que a população cresce, você mantém isso”, explica Vicente. “O que a Emenda Constitucional obriga? A redução desse montante de recursos que vai pro conjunto das áreas sociais em relação a esse PIB. Isso significa que a riqueza acumulada no PIB não será redistribuída para a população, mas irá para outras despesas como o pagamento dos juros da dívida pública. Hoje eles já são absurdos, são 6 ou 7% do valor real do PIB”.

O professor defende que os juros sejam discutidos. Segundo ele, isso não seria dar calote, mas chegar a uma situação razoável diante do que o país investe em áreas essenciais. O valor “razoável”, no entanto, só poderia ser atingido com a auditoria da dívida. Outro ponto que encontra resistência dentro dos poderes. “O que não é possível é que num volume de recursos como é o PIB brasileiro, que são R$ 6 trilhões, você tenha que pagar 7% – equivalente a R$ 420 bilhões – dinheiro suficiente para bancar toda a educação e saúde do país”.

Análise foi apresentada durante o encontro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A partir da PEC 95, há duas possibilidades em jogo, segundo ele. A primeira é com o governo conseguindo aprovar a reforma da Previdência Social, o único dos grandes projetos de Temer que ainda não foi à votação. Na medida que os recursos vão diminuindo em relação ao PIB, o percentual previsto no Plano Nacional de Educação (PNE) ao invés de aumentar, dos atuais 6% para 10% em dez anos, vai diminuindo. Para equalizar a situação de investimentos, o governo aposta na redução total, para que a Previdência também possa ser reduzida. “Qual a consequência nas universidades, por exemplo? As contas mostram que não pode haver nenhuma contratação e não pode haver nenhum aumento sequer nominal do salário dos professores que implicará um arrocho ao longo de 10, 20 anos. Se isso acontecer, se mantém as universidades conseguindo pagar conta de luz e etc”, explica Vicente.

O segundo cenário trabalha com a possibilidade que a reforma seja rejeitada. “Nesse cenário, como a soma total [dos investimentos do governo em áreas sociais] tem que dar a mesma coisa, as outras áreas como saúde e educação tem que se contrair mais ainda. Isso é um desastre pior do que o primeiro cenário. Significa que nem com reajuste zero, sem contratações e etc, você vai ter os custeios das universidades com investimentos no nível atual. Pelo contrário, eles ficarão próximos de zero”. O que tornaria a manutenção das universidades “inviável”.

Isso leva à outra questão que também entrou na pauta do encontro, com a participação de representantes da Internacional de Educação da América Latina, entidade à qual o Proifes é filiado: o avanço da agenda de privatização do ensino. “Vai ser a campanha que já está posta na mídia. ‘A universidade está cara, no mundo inteiro não se gasta tanto com universidade, em outros países se paga, isso é um absurdo socialmente porque quem tem dinheiro não está pagando’. Essa discussão vai vir”, analisa Vicente. Com base em reuniões que participou junto à Secretaria Executiva de Educação, ele aposta que a discussão deve começar primeiro a nível estadual, para depois encampar as instituições federais. Assim, universidades como a Unicamp (Campinas), Unesp e USP seriam as primeiras.

Terceirização já tem efeito na educação

Encontrou tratou de temas da categoria desde a conjuntura nacional à agenda de privatização | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A pauta do XIII Encontro Nacional do Proifes Federação levantou ainda uma série de temas relacionados à categoria de professores federais. As pautas foram desde as dificuldades das universidades e institutos federais diante do contingenciamento de verbas até a onda de privatização da educação. “Tem estatística que mostra que, no Brasil, quem tem curso superior ganha três vezes mais do que quem não tem. É óbvio que esse mercado de fornecer ensino superior é algo que interessa muito à iniciativa privada, justamente por isso. As pessoas sabem que o ensino superior é uma forma de crescimento social muito forte aqui, mais até do que em outros países do mundo”, pontua o presidente do PROIFES-Federação e membro da Adufrgs, Eduardo Rolim.

Rolim falou ainda sobre o desmonte que estaria acontecendo com o Fórum Nacional de Educação. O governo de Michel Temer teria convocado para ele “só amigos”, ligados à iniciativa privada, excluindo os movimentos sociais que tradicionalmente integravam o debate. A ação teria sido uma resposta depois que o governo se viu derrotado no texto aprovado no último Fórum. “A discussão se deu quanto ao texto de referência da Conferência Nacional de Educação (Conae), que, está na lei do Fórum Nacional de Educação, tem que acontecer no ano que vem. Depois de muito embate, o governo foi derrotado no Fórum e o texto referência foi aquele que previa que o governo tem que financiar as conferências, que tem que atingir os 10% do PIB para educação, propostas com as quais o governo não concorda. Então, ele retirou as entidades”.

O professor Lúcio Vieira, vice-presidente da ADUFRGS-Sindical | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em uma mesa que discutiu a Conae 2018, o professor Lúcio Vieira, vice-presidente da ADUFRGS-Sindical, lembrou que todas as metas do PNE – aprovado como lei no Congresso – estão subordinadas à meta 20: a meta do financiamento. “Se o governo não tiver recursos para atingir as outras 19 metas, efetivamente não vai acontecer nada. O que está se desenhando no cenário nacional nestes primeiros dois anos do Plano Nacional de Educação não é bom. É o corte de recursos, no momento em que você corta recursos, as metas ficam mais distantes”, explica ele. A meta 11, escolhida por Vieira para ilustrar o impacto do contingenciamento, que prevê triplicar o número de matrículas na educação profissional – passar dos atuais um milhão para três -, estaria comprometida.

Segundo Paulo Machado Mors, presidente da ADUFRGS-Sindical, o que tem acendido a luz vermelha de preocupação da categoria atualmente são as mudanças que já vem sendo sentidas com a aprovação da lei de terceirização, que permite terceirizados em atividade-fim. “Nós que valorizamos muito a qualificação do professor – não só da nossa categoria, professores universitários federais, mas da educação básica também – sabemos que já existem instituições de ensino no país que estão terceirizando a figura do professor. Não tem porque não chegar a isso nas instituições de ensino superior. Eu tenho esse medo, esse receio”.

Ele ainda lembra que a questão é internacional, pelo que se ouviu de relatos de colegas da América Latina. 
“A agressão à Academia está sendo muito contundente. Isso logo de início se evidenciou com a extinção do Ministério de Ciência e Tecnologia, que se transformou num agregado do Ministério de Comunicação. Não tem nada a ver uma coisa com a outra”.


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