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17 de julho de 2017
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20:01

199 vidas insubstituíveis: ato em Porto Alegre lembra mortos no voo 3054 da TAM

Por
Luís Gomes
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Balões foram soltos diante do Palácio Piratini em ato para homenagear os anos de falecimento das vítimas |Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Adelaide Helegda Rolim de Mora. Elcita da Silva Ramos. Mery Wilma Garske Vieira. Nelly Elli Priebe. Sônia Machado. Suely Leal Fonseca. Julia de Oliveira Camargo. Catilene Maia. Katia Escobar. Paulo de Tarso Dresch da Silveira. Eram associadas, presidente, secretária, assessora de imprensa e assessor jurídico do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio Grande do Sul (Sinapers). Estavam a caminho de São Paulo no dia 17 de julho de 2007 para participar de um evento sobre os precatórios devidos pelo Estado. Junto com outras 189 pessoas – 177 no avião e 12 no solo -, faleceram na tragédia do voo 3054 da TAM, que completa dez anos nessa segunda-feira.

Para marcar a data, o Sinapers e familiares de vítimas realizaram nesta manhã, na Praça da Matriz, uma homenagem aos mortos da tragédia. O ato, que durou cerca de uma hora, começou com uma prece, um Pai Nosso para lembrar daqueles que partiram. Teve balões brancos e coloridos para lembrar dos que partiram, lágrimas e abraços entre os que ficaram. Presente, a Banda da Brigada Militar tocou músicas que invocam o sentimento de saudade, como “Gostava Tanto de Você”, de Tim Maia, “Como é Grande o Meu Amor por Você”, de Roberto Carlos”, mas também a luta por justiça que ainda não acabou, como “A Praça”, de Ronnie Von.

Atual presidente do sindicato, Kátia Terraciano Moraes, afirma que o ato foi marcado para a Praça da Matriz para lembrar o Movimento do Tricô dos Precatórios, grupo de mulheres que se reuniam no local para bordar, em solidariedade, peças para serem doadas, mas que também consistia em um protesto pacífico pela longa demora que as pensionistas enfrentavam para receber valores atrasados do governo do Estado. No voo 3054, sete tricoteiras morreram. “A gente gostaria muito de virar a página, mas não consegue”, diz Kátia.

Tricoteiras mortas foram homenageadas por integrantes do movimento ligado ao Sinapers | Foto: Maia Rubim/Sul21

Amigos e familiares das vítimas ainda esperam um fechamento vindo da Justiça, no caso, a punição de responsáveis pela tragédia. Três pessoas chegaram a ser denunciadas pelo Ministério Público Federal (MPF): Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, diretor de segurança de voo da TAM, Alberto Fajerman, vice-presidente de operações da companhia, e Denise Abreu, diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Todos foram inocentados em 2015. A decisão foi confirmada posteriormente em segunda instância, mas ainda cabe recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Não que vá trazer alguém de volta, mas a gente não aceita viver num país onde os responsáveis por uma tragédia desse porte saiam impunes”, diz Kátia. Ela lembra que as tricoteiras, antes de serem vítimas do acidente, eram vítimas de atrasos de pagamentos do salário e vítimas de decisões judiciais que não eram cumpridas. “E agora ainda são vítimas da impunidade desse acidente. Nós não vamos deixar que elas sejam vítimas por toda a eternidade”, diz.

Presidente do Sinapers diz que punição aos responsáveis é fechamento necessário para a tragédia |Foto: Maia Rubim/Sul21

Tereza Martins Costa Kessler da Silveira perdeu o marido, Paulo de Tarso, aos 41 anos. “Ele partiu naquele voo, naquela tarde de terça-feira, dia 17 de julho, a caminho de São Paulo para proferir uma palestra em defesa do pagamento dos precatórios pendentes. Soubemos a notícia altas horas da noite. Foi um trauma muito grande. É como se um tsunami tivesse passado na nossa vida”, conta.

Paulo de Tarso deixou duas filhas, de 10 e 6 anos. Hoje com 16, a mais nova participou do ato. Para Tereza, foram 10 anos buscando compreender o que aconteceu, reorganizar a vida, um processo longo e doloroso. Buscou indenização, que veio, mas que nem por isso ajudou a diminuir a dor. “Eu tenho que confessar que cada centavo que eu recebi, eu tinha ódio do dinheiro, porque eu jamais iria trocar a vida do meu marido por uma indenização pecuniária. Eu não queria aquele dinheiro. Na verdade, a minha relação foi muito conflituosa porque eu não queria aceitar. Uma vida não é dinheiro”, diz.

Tereza ainda espera uma punição criminal dos envolvidos. Para ela, também é uma questão pendente. Da mesma forma, a falta de responsabilização judicial ainda mantém aberto a tragédia para Eva da Luz, mãe de Kátia da Luz Escobar, que viajou a São Paulo como assessora de imprensa do Sinapers. Tinha 43 anos. “Infelizmente, ela foi e não voltou. Eu espero justiça. Mas aqui nesse País não existe justiça para esse tipo de coisa, porque a justiça deles é o dinheiro. A vida do ser humano para eles não vale nada. O que vale é o dinheiro. Tanto que foi liberada a ida desse avião. A gente soube depois que esse avião não tinha condições de voar”, desabafa.

Eva da Luz se emocionou ao lembrar da filha | Foto: Maia Rubim/Sul21

A presidente do Sinapers acrescenta que, após o acidente, o Centro de Prevenção e Investigação de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) recomendou 83 alterações a Anac, Infraero, TAM, Airbus e outras empresas buscando evitar que o ocorrido no voo 3054 jamais voltasse a ocorrer no aeroporto de Congonhas. Kátia não entende como, mesmo assim, não houve punição a ninguém. “Quer dizer que as coisas estavam funcionando de forma precária. Se houve mudanças, se erros são reconhecidos, onde está a punição aos responsáveis por esses erros? A gente sabe que 24 horas antes os pilotos estavam dando sinal de que a pista estava com problemas, estava escorregadia. Como é que deixaram um avião superlotado abastecer aqui 2,5 t além do necessário para chegar a São Paulo? Tem uma série de coisas que precisam ser colocadas no lugar”, pondera.

Emocionada, entre uma entrevista e outra, Eva tentou lembrar da filha. Mas as palavras não vieram. Deram lugar ao choro. Tereza lembra do marido como um homem de bom astral, alegre, batalhador, íntegro, idealista, que morreu lutando pelo direito dos clientes, um pai maravilhoso. Insubstituível. Em sua fala no ato, ela fez um apelo para que as pessoas lembrassem disso, de que cada uma das 199 vidas perdidas na tragédia, deixando para trás famílias “dizimadas e sofrendo”, são isso, insubstituíveis.

Tereza lembrou do marido em sua fala e fez um apelo pela memória das vítimas | Foto: Maia Rubim/Sul21
Banda da Brigada Militar homenageou as vítimas | Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21

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