Últimas Notícias > Geral > Areazero
|
11 de maio de 2017
|
19:21

Um ano depois, estudantes celebram reformas e conscientização como legados das ocupações

Por
Luís Gomes
[email protected]
Colégio Emílio Massot foi o primeiro a ser ocupado no RS em 2016 | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

No início da manhã de 11 de maio de 2016, quando mais um dia normal de aula deveria estar começando, um grupo de estudantes se reuniu com a direção da Colégio Estadual Cel. Afonso Emílio Massot para avisar que tinham intenção de ocupar o colégio, que então sofria com atrasos de quatro meses na verba de autonomia financeira – valor repassado pelo Estado para o custeio, o que incluía necessidades básicas, como papel higiênico -, falta de professores e funcionários para realizar a merenda e a limpeza. Os alunos receberam aval e passaram de sala em sala avisando sobre a situação. Na sequência, duas faixas foram estendidas, com os dizeres “na luta pela educação” e “fora Sartori”. Com a inspiração vinda de outros estados, iniciava-se assim o movimento de ocupações de escolas no Rio Grande do Sul, que se espalharia rapidamente por mais de 150 unidades de ensino, até pelo saguão da Assembleia Legislativa, durante os 40 dias seguintes.

Muitos dos estudantes que participaram do movimento estavam no 3º ano do Ensino Médio, portanto, já não estão mais em seus colégios para perceber o impacto que as ocupações tiveram e têm no ambiente escolar desde então. Para tentar compreender esse impacto, o Sul21 conversou com estudantes que de alguma forma participaram das ocupações e hoje estão no 2º ou 3º ano.

Estudantes lideram o movimento de ocupação da escola Emílio Massot em 11 de maio de 2016 | Foto: Joana Berwanger/Sul21

“Fazia quatro meses que o colégio não recebia verbas. Faltavam professores à tarde, muitos professores pela manhã. Faltava funcionário da merenda, da limpeza”, diz Douglas da Silva Silveira, 17 anos, estudante que cursa o 3° ano no Emílio Massot, sobre o clima na escola antes da ocupação.

Henrique Malet, 16 anos, hoje no 2º ano, lembra que os estudantes já tinham se organizado com os professores e colegas de outras escolas para reivindicar a normalização da situação junto à Secretaria de Educação (Seduc), mas que nenhuma providência tinha sido tomada. “A gente fez passeata, protesto, e não conseguia resposta. A ocupação foi a resposta para a gente conseguir”, relembra.

Um dos estudantes a passar nas salas de aula para avisar da ocupação na manhã de 11 de maio, Douglas salienta que, inicialmente, parte dos colegas e dos professores não entenderam o que estava acontecendo. “O pessoal ficou bastante assustado, porque não entenderam o propósito”, diz.

Como o movimento estudantil de outros estados, em especial do Paraná, tinha atraído atenção para as ocupações pelo Brasil, a ocupação do Massot teve grande repercussão. “No primeiro dia saiu em tudo. A gente viu que estava fazendo alguma coisa que chamou a atenção”, relembra Henrique. “A melhor coisa do Massot ter começado foi mostrar para outras escolas que precisava fazer isso para conseguir melhorias”, complementa Paula Andreia, 16 anos, do 2º ano.

Remanescentes da ocupação no Massot, estudantes conversam sobre o primeiro aniversário do movimento | Foto: Maia Rubim/Sul21

Ainda na noite do dia 11, a Escola Agrônomo Pedro Pereira foi ocupada. No dia seguinte, foi a vez do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, e assim o movimento se espalhou rapidamente por dezenas de escolas na Capital e no interior do Estado, ultrapassando 150 instituições de ensino ocupadas simultaneamente em seu ápice. Além das reivindicações de cada escola, por reformas e repasses de verbas, o movimento de secundaristas foi unificado em torno das lutas contra o Projeto de Lei 44/16, que propunha autorizar o repasse da administração de escolas da rede estadual para organizações sociais sem fins lucrativos (OSSs) – o que foi considerado à época abertura para a privatização de escolas -, e o movimento Escola Sem Partido.

Henrique pondera que a ocupação do Massot abriu os horizontes dos alunos para que eles compreendessem que os problemas vividos na escola eram compartilhados por milhares de colegas da rede estadual e para as pautas que iam além de necessidade de reformas e falta de pessoal. “A gente começou o movimento justamente com questões que envolviam diretamente o colégio. Mas, quando a gente percebeu que tinha alguma coisa maior acontecendo, foi aí que a gente se interessou pela parte política e por ver o que estava acontecendo fora daqui”, diz.

Então no 2º ano do Ensino Médio, Maria Saldanha, 17 anos, era uma das estudantes mais engajadas na ocupação do Colégio Estadual Paula Soares, vizinho do Palácio Piratini no Centro Histórico de Porto Alegre. Ela lembra que, na época, uma das principais pautas dizia respeito aos problemas estruturais da escola, que, entre outras coisas, sofria com buracos no teto que faziam com que “chovesse dentro das salas de aula”, banheiros interditados e corrimãos que davam choque. Hoje, com o último andar – o mais problemático – interditado, a escola passa por uma reforma estrutural, com troca do telhado, da rede elétrica e qualificação do refeitório. “O principal que a gente queria, que eram as reformas, a gente conseguiu”, diz Maria.

Segundo a jovem, o andamento das reformas, que só foram iniciadas este ano, ajudou a convencer muitos colegas que eram contrários à ocupação sobre a importância daquele movimento. “Quando acabou a ocupação ainda tinha aquele pessoal que ficava nos infernizando, falando coisinha, fazendo piada. Agora, como eles estão vendo a reforma sendo realizada, mudaram muito esse pensamento, porque viram que a ocupação foi um movimento útil”, diz. “Alguns alunos que saíram da escola, quando passam aqui, questionam: ‘De onde é que tiraram tanto dinheiro para a reforma?’ Eu digo: ‘Ah, pois é, foi da ocupação que vocês tanto criminalizaram”.

Antes de ser reformado, Paula Soares convivia com alagamentos e corrimão que dava choque | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Estudante do 3º ano do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, Camila Valle Weirich, 19 anos, diz que no Julinho também há colegas que dizem que a “ocupação não serviu para nada”. No entanto, ela lembra que, como parte do acordo para desocupação, a Seduc destinou à escola R$ 135 mil, o que propiciou reformas no ginásio e em uma quadra de esportes do Julinho. “O chão do ginásio, a gente não conseguia pisar porque era perigoso quebrar o pé. Foi através da ocupação, com várias reuniões com o secretário da Educação, que nós conseguimos a liberação da verba”, afirma.

Também aluno do 3º ano do Julinho, Daniel Oliveira, 17 anos, corrobora que, com o passar do tempo, mais pessoas passaram a considerar a ocupação como algo positivo. “Hoje em dia, a gente conseguiu ganhar umas cabeças para o nosso discurso. Hoje, a galera percebe o quanto a ocupação trouxe de bom para o Julinho, por mais que a direção não diga isso explicitamente, muitas vezes não reivindique o processo, a galera está vendo que está sendo construída uma quadra nova, que o dinheiro não saiu do nada, saiu de algum lugar, saiu de alguma forma. E essa forma foi a ocupação”, afirma.

Passado o primeiro ano, os estudantes do Massot consideram que o movimento foi vitorioso. “Acho que às vezes é preciso fazer uma loucura para poder conseguir objetivos”, diz Paula. “Se a gente não tivesse feito esse tipo de movimento, que para muitos é errado, a gente não teria o que tem hoje. A gente estava com muita falta de professores e hoje, felizmente, poucos professores estão faltando”, diz Henrique.

Vice-diretor geral da Emílio Massot, Isaque José Bueno, confirma que, após a ocupação, escola não registrou mais atrasos nas verba de autonomia e recebeu um repasse de R$ 120 mil, o que está propiciando uma reforma completa em sua cozinha e em seu refeitório. Ele explica que o contrato com a empresa vencedora da licitação para tocar a obra foi firmado justamente nessa semana. “Vai ser uma reforma geral da cozinha, com remodelagem, abertura de janelas. A cozinha era muito insalubre, muito quente. Vai ter troca de piso, de parede, de rede elétrica, pintura, cerâmica do chão, pia. O refeitório, que hoje é no saguão, vai ser fechado, vai ser colocado um forro, janelas”, diz.

Ele credita os recursos recebidos pela escola à pressão do movimento secundarista. “O governo, para acalmar os ânimos, distribuiu um valor para as escolas que foram ocupadas, principalmente. A ocupação mostrou todo o processo de organização e o poder que os alunos têm, na medida que há união entorno de uma causa, a pressão faz surtir os efeitos”, avalia.

Através de sua assessoria, a Secretaria da Educação (Seduc), afirma que, ao final de junho de 2016, logo após a desocupação das últimas escolas, foi efetuado o repasse de R$ 40,8 milhões para 353 estabelecimentos de ensino, com recursos oriundos de empréstimos tomados junto ao Banco Mundial (BIRD). Segundo a pasta, a distribuição das verbas seguiu quatro critérios: escolas de tempo integral, escolas técnicas, escolas agrícolas e escolas que necessitavam de reparos mais urgentes. A Seduc também informa que, atualmente, não há atrasos nos repasses da verba de autonomia financeira e que não há falta de professores além de afastamentos pontuais motivados por licenças de saúde, aposentadoria, pedidos de exoneração ou óbitos. Questionada sobre a possibilidade de o PL 44/16 ser reapresentado, salienta que não foi uma proposição da pasta.

Ginásio de esportes do Julinho estava interditado antes das ocupações | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Impacto político

Para além do impacto concreto nas escolas, os estudantes apontam que, desde o fim da ocupação, é possível perceber um aumento da participação dos estudantes, sejam eles favoráveis ou contrários às ocupações, em debates em sala de aula. “Despertou algo muito interessante em alguns alunos. Alunos que antes não tinham voz, hoje procuram debater mais. Muitos que antes só escutavam, agora perguntam, querem debater”, diz Camila.

Para Daniel, ocorreu um “salto grande” no “processo de conscientização da galera”. “A gente vê hoje a galera querendo ocupar os espaços de debate”, diz. Ele afirma ainda que o grêmio do Julinho, do qual ele e Camila fazem parte, pretende estender uma faixa na quadra reformada em comemoração ao aniversário da ocupação e promover debates para que os alunos “reivindiquem o legado da ocupação como algo bom”.

Paula Andreia, do Massot, diz que, mesmo durante a ocupação, foi possível perceber o despertar da consciência política entre colegas. “No início, tinha pessoas que vinham para baderna. Com o tempo, começaram a ver com outros olhos e algumas ficaram até o final, ajudando, arrecadando. Isso eu achei incrível. Poder mudar a visão de algumas pessoas. Até com a política”, diz.

Para Maria, que faz parte do grêmio do Paula Soares, as ocupações também ajudaram a aumentar o interesse e o respeito pelo movimento secundarista. “A gente sempre diz que as ocupações foram o renascimento do movimento secundarista. Isso aconteceu aqui dentro também. Muitos professores começaram a levar mais a sério o que a gente fala, quando a gente passa na sala chamando para um ato, para alguma debate”, diz a jovem, acrescentando ainda que os estudantes têm tentando manter uma rotina de promover debates sobre temas políticos e cotidianos como aqueles que ocorriam nas escolas durante as ocupações.

Além da mudanças que percebe na escola, Maria diz que a ocupação ajudou a mudar a forma como ela e colegas enxergam a política, seja ela estudantil ou partidária. “Eu sempre quis me envolver com esse meio estudantil e político. A partir das ocupações, eu consegui ter um espaço político muito maior. Agora eu participo muito mais de movimentos organizados, consigo participar de partidos políticos, de debates públicos. Tu acaba ampliando os teus horizontes políticos”, diz. “Muita gente saiu das ocupações e se organizou politicamente. Isso para mim foi um fator importante, porque tem aquela questão: ‘se tu não pensa por ti, alguém vai pensar’. Querendo ou não, o ser político foi muito criminalizado e ver a juventude voltando é muito importante”, complementa.

Na opinião de Paula, as ocupações também serviram para aumentar a esperança dos alunos na luta para conseguir melhorias. “A gente vestiu a camisa e viu que pode mudar. A gente pode ter o poder de fazer as coisas acontecerem. Não tudo, mas ao menos uma parte”.

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora