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8 de maio de 2017
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18:36

‘As pessoas estão morrendo sem receber os precatórios’

Por
Luís Gomes
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Aposentados e pensionistas levaram caixão para protestar contra  | Foto: Maia Rubim/Sul21
Aposentados e pensionistas levaram caixão para protestar contra | Foto: Maia Rubim/Sul21

Maria Delourdes Tomazzoni, 68 anos, e Noemi de Almeida Mércio Pereira, 74, são pensionistas do Estado. Em comum, também tem o fato de que há décadas esperam para receber algo que muitos acabam morrendo antes de ter acesso: precatórios do governo do Rio Grande do Sul. Na manhã desta segunda-feira (8), elas participaram de um ato promovido pelo Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do RS (Sinapers), que levou um caixão para a frente do Palácio da Justiça, na Praça da Matriz, para protestar contra a morosidade do judiciário gaúcho na cobrança do governo do Estado sobre o pagamento das dívidas.

Ricardo Bertelli, assessor jurídico do Sinapers e vice-presidente da Comissão de Precatórios da OAB-RS, explica que o protesto foi realizado diante do Palácio da Justiça, sede do judiciário gaúcho, em protesto contra a omissão do Tribunal de Justiça e de seu presidente, Luiz Felipe Silveira Difini, na aplicação da Emenda Constitucional 94, de 2016, que determina que estados e municípios precisam pagar os precatórios vencidos até dezembro de 2020 e devem apresentar um plano de pagamentos para que isso seja concretizado.

“Para os municípios que não têm apresentado esse plano de pagamento, o presidente do TJ tem determinado o sequestro dos recursos. Não quer nem saber. A dívida é tanto, diluindo a dívida até 2020, tem que depositar ‘X’ todo mês. Não está depositando? Sequestra os recursos”, diz Ricardo. “Só que com o Estado do RS não estamos vendo isso”, complementa.

Segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), o RS deve atualmente mais de R$ 12 bilhões em precatórios para 56 mil servidores, a maioria deles aposentados ou pensionistas. No entanto, paga mensalmente apenas 1,5% da sua Receita Corrente Líquida, o que significa um valor na casa dos R$ 40 milhões.

A procuradoria também afirma que os valores vinham aumentando até 2016, mas sofreram uma redução em 2017. Sobre os precatórios, incide um reajuste mensal de 0,5% ao mês de juros mais multa calculada pela TR (Taxa Referencial).

Maria Delourdes aguarda os precatórios há cerca de 10 anos | Foto: Maia Rubim/Sul21

O precatório mais antigo data de 1987. Segundo Bertelli, o problema do passivo de precatórios para o Estado começou a acumular a partir do governo de Antônio Britto (PMDB), entre 1995 e 1998. Isso ocorre porque, na época, o governo Estado concedeu reajustes salariais a diversas categorias que depois viriam a ser suspensos. No entanto, a Justiça determinou que eles deveriam ser pagos para cerca de 170 mil servidores, o que acabou pressionando os governos seguintes. “Todos os governos atrasaram desde então”, diz.

Maria Delourdes perdeu o marido, que trabalhava na Procuradoria-Geral de Justiça, em 1993. À época, passou a receber de pensão do IPE um valor equivalente a 65% do salário dele. Com três filhos para criar – então com 9, 12 e 16 anos -, diz que passou por dificuldades até o momento em que descobriu que, na verdade, tinha direito ao valor integral do salário. Entre o final de 2004 e o início de 2005, ganhou esse direito na Justiça. Em 2008, ganhou outra ação, desta vez referente aos valores que o Estado deixou de lhe pagar no passado. “Me faz muita falta, principalmente nesse momento, com salários parcelados, 13º parcelado. A gente vai envelhecendo, o gasto com saúde é muito maior, isso fica bem complicado”, diz, acrescentando que não tem muitas expectativas sobre quando vai receber. “A gente vê ano após ano promessas e não é resolvido nunca”.

Noemi espera há mais tempo ainda. Também pensionista, teve o marido, perito criminalista do Estado, morto em 1974. No entanto, ao longo do tempo, a pensão não foi reajustada corretamente, o que gerou um passivo que, em 1998, quando ganhou uma ação na Justiça, viria a se tornar um precatório. Em 2018, ela completará 20 anos na fila para receber o passivo, mas também não tem previsão de receber. “A gente está fazendo uma manifestação muito dura hoje aqui, inclusive com ataúde, porque as pessoas estão morrendo e não estão recebendo. Seus familiares também não vão receber. Quando o trabalhador deve para o Estado, ele é cobrado com juros e correção. Agora. quando o Estado deve para servidor, ele sempre encontra uma maneira de não cumprir”, diz.

Noemi participou do protesto, mas diz não ter expectativas de receber | Foto: Maia Rubim/Sul21

No protesto, aposentados e pensionistas levaram uma faixa com os nomes e as fotos de pessoas que morreram enquanto aguardavam pelo pagamento dos precatórios. Segundo o Sinapers, isso ocorreu com pelo menos duas pessoas em abril. Em caso de morte, os precatórios podem se pagos aos herdeiros, desde que sejam inventariados.

Uma das críticas do sindicato é voltada ao funcionamento da Câmara de Conciliação de Precatórios, estabelecida pela Procuradoria Geral do Estado em outubro de 2015 para tentar acelerar o pagamento do passivo. A ideia era pagar antecipadamente para pessoas que se disponibilizem a abrir mão de parte dos valores. No entanto, desde então, apenas 105 acordos teriam sido firmados por esse canal, o que representa um montante de R$ 44 milhões.

“A Câmara tem um problema. Muito embora a Constituição Federal possibilite desconto de até 40%, o que a PGE fez? Tabelou. Quem quiser fazer acordo, tem que dar o deságio de 40%, e não era o que nós queríamos. A gente estava propondo um deságio escalonado, só que eles argumentam que isso feriria o princípio da isonomia, mas não é. Um precatório vencido em 1998 e 2015 não tem dar os mesmos 40%. Isso não é isonomia, não é Justiça”, diz Bertelli. “Sem contar que a câmara não está funcionando, não está conseguindo dar vazão aos pagamentos”.

O sindicato entregou um ofício endereçado ao presidente do TJ pedindo que ele cobre do Estado o plano de pagamentos dos precatórios até 2020 e aplique medidas, como o sequestro de recursos.

A PGE explica que o plano de adequação à emenda não foi apresentado porque, quando esta foi regulamentada, em dezembro passado, o orçamento do Estado para 2017 já tinha sido aprovado, prevendo a destinação de 1,5% da receita para este pagamento. No entanto, estaria trabalhando para apresentar em 2018 um plano de quitação da dívida. Enquanto isso, diz que segue “observando rigorosamente a ordem cronológica dos precatórios e a ampla participação dos advogados das partes”.

Foto: Maia Rubim/Sul21
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