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6 de maio de 2017
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23:52

Marcha da Maconha de 2017 pede regulamentação junto à descriminalização das drogas

Por
Sul 21
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Milhares de pessoas participaram da Marcha Global da Maconha, na tarde deste sábado, em Porto Alegre. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Fernanda Canofre

“Se fosse copo de cerveja, tudo bem?”. “Pra que ser caso de polícia se maconha é uma delícia?”. “Pelo direito de plantar a cura do mundo”. “A guerra às drogas não deu certo”. Assim diziam alguns dos cartazes levados pelas milhares de pessoas de diversas idades que marcharam, neste sábado (6), em Porto Alegre, pedindo a descriminalização da maconha. No décimo primeiro ano da Marcha da Maconha da capital, além da descriminalização, a pauta também trouxe a discussão sobre a regulamentação da erva.

Os manifestantes se reuniram na hora tradicional da cultura canábica – 16h20 – no Monumento do Expedicionário, no Parque da Redenção. De lá, seguiram em marcha pela Avenida Osvaldo Aranha, passando pela José Bonifácio, Avenida Venâncio Aires, terminando o ato na Cidade Baixa, pela rua Lima e Silva, Loureiro da Silva, até o Brooklin – como é conhecida a parte debaixo do viaduto da Avenida João Pessoa.

Rafael Braga – preso durante os protestos de junho de 2013, sem participar de manifestações, apenas por portar uma garrafa de detergente e condenado a 11 anos de prisão, por tráfico – foi lembrado nos cartazes da Marcha em Porto Alegre e outras capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo.

em fevereiro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a legalização como forma de atacar a crise no superlotado sistema carcerário brasileiro. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

O ano de 2017 começou trazendo pautas quentes na discussão da legalização. Essa semana, o governo uruguaio anunciou que as farmácias do país já começaram a fazer cadastro para liberar a venda de cannabis sativa a partir de julho. A descriminalização foi aprovada no país em 2013. No Brasil, onde falar sobre a planta ainda é tabu, em fevereiro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a legalização como forma de atacar a crise no superlotado sistema carcerário. A maioria dos presos no país respondem por crimes relacionados ao tráfico de drogas.

Assim como a Marcha deste sábado, em seu voto, o ministro salientou a importância de ir além da descriminalização para uso pessoal. “A gente deve legalizar a maconha. Produção, distribuição e consumo. Tratar como se trata o cigarro, uma atividade comercial. Ou seja: paga imposto, tem regulação, não pode fazer publicidade, tem contrapropaganda, tem controle. Isso quebra o poder do tráfico. Porque o que dá poder ao tráfico é a ilegalidade. E, se der certo com a maconha, aí eu acho que deve passar para a cocaína e quebrar o tráfico mesmo”, afirmou Barroso.

Foi para evitar o contato com o tráfico e ter que ir à uma boca de fumo para ter acesso a maconha que Alexandre Thomaz se viu envolvido em um processo criminal. Aos 33 anos, o publicitário foi diagnosticado com um neoplasma maligno na região do pescoço – tipo de câncer que se caracteriza pelo crescimento anormal de tecido. “Eu fiz uma cirurgia que seria para extrair, mas ele era maligno. Comecei um tratamento de quimioterapia, radioterapia, foi uma coisa intensa e o médico disse que não podia receitar [maconha], mas que em outros países estavam usando”, conta ele.

Marcha iniciou na Redenção e percorreu diversas ruas do Bom Fim e da Cidade Baixa. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Alexandre passou a recorrer a maconha medicinalmente, como forma de aliviar os efeitos colaterais do tratamento contra o câncer. Depois que começou a usar a cannabis, ele conta que ganhou “qualidade de vida”. Antes dela, os enjoos e a falta de sensibilidade no palato impediam a alimentação e ele tinha dificuldades para dormir. Com o consumo, no entanto, ganhou apetite e passou a dormir nos horários certos.

Um tempo depois, em 2009, veio o processo criminal. Para evitar comprar a erva de traficantes, Alexandre decidiu importar sementes de cannabis da Holanda e plantou-as nos fundos de seu sítio, em Nova Santa Rita – a 25 km de Porto Alegre. Porém, uma denúncia anônima o entregou. Ele conta que um dia em que não estava no sítio, onde costumava ir aos fins de semana, cerca de cinco viaturas da Brigada Militar chegaram na casa e destruíram a plantação e o imóvel. “O final da operação: não tinha armas, não tinha drogas, não tinha dinheiro. Eles levaram os dez pés e no outro dia estava em todos os jornais: traficante. Foi uma coisa desproporcional. E aí eu me tornei um ativista. Eu vi que eu tinha que levar esse conhecimento para outras pessoas”, explica ele, que começou a participar das Marchas de Porto Alegre em 2010.

Em 2014, Alexandre levou o depoimento de seu caso à Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, que discutia o sobre o uso da maconha como medicamento e para recreação:

Alexandre Thomaz foi uma das primeiras pessoas processadas por auto-cultivo de cannabis no país. O processo contra ele, iniciado em 2009, ainda corre na Justiça. Ele conta que a juíza do caso já havia julgado como extinta a punibilidade, mas o Ministério Público recorreu da decisão. O advogado que o representou foi Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conhecido pela posição pela descriminalização de todas as drogas. Salo é autor do livro A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático e defende modelos como os que vem sendo utilizados no Uruguai e Estados Unidos.

“Ele foi até o Superior Tribunal de Justiça e mesmo lá não conseguiu nada. O que o STJ falou? Que teria que voltar para o tribunal de origem, em Canoas, para começar todo o processo do zero. Mesmo sem ter nenhum fato novo, eles sugerem que tem que ouvir todas as partes, os policiais que participaram da operação, eu”, explica Alexandre.

Manifestantes carregaram cartazes e faixas defendendo a descriminalização do uso da maconha.
(Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Em uma entrevista recente ao site ConJur, Salo de Carvalho lembrou de uma proposta apresentada por Marcos Rolim, quando foi deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul, que determinava uma quantidade X para que a maconha fosse considerada para uso pessoal. A falta de definição para quantidade que separa uso pessoal do tráfico é uma das principais críticas a Lei Anti-Drogas de 2006. O projeto de Rolim, no entanto, foi arquivado na Câmara dos Deputados. “Essa é a questão central da crítica à criminalização do porte para consumo pessoal. Nesse aspecto a minha posição é, desde sempre, utilizando uma frase de um autor desconhecido que o Antonio Escohotado Espinosa, um pensador espanhol, cita na epígrafe do livro dele História geral das drogas: ‘Da pele para dentro eu constituo um Estado soberano’”, explica Salo. “E eu assino embaixo dessa tese. Da pele para dentro eu detenho a minha exclusiva soberania, constituo um Estado soberano, e ninguém pode interferir naquilo que eu consumo”.

Alexandre, por sua vez, conta que passou a viver sob o julgamento dos olhares das pessoas a sua volta, desde que a batida policial derrubou sua plantação de cannabis. “Moralmente e literalmente, a casa caiu. Os vizinhos passaram a me conhecer como ‘o cara que plantava maconha’. Tu é subjugado, generalizado, tu sente que é esse clima que fica porque tem muito preconceito e pouca informação”, lembra ele.

O publicitário acredita que a escassez de informações em torno da maconha acaba por alimentar a ideia estereotipada que se tem dela e de quem a consome. A descriminalização poderia atacar isso como hábito cultural. Mas aí viria o outro passo: quem seria responsável pelo mercado? Por isso, quem marchou no sábado, defende que a pauta de regulamentação, agora, é inexorável à da legalização.

Ato teve manifestações bem humoradas dirigidas às autoridades. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“A regulamentação seria fundamental, porque tira da mão do delegado que vai decidir se tu é traficante ou usuário. Temos o exemplo do [estado] Colorado, nos Estados Unidos. Regulamentar, para eles, foi tirar o poder financeiro do narcotráfico, do crime organizado, que é quem mais fatura com isso. A partir do momento que tira deles, além de minimizar o poder, tu arrecada em forma de impostos. O Colorado agora investe em bolsas de estudos para ex-viciados. Precisa tratar [as drogas] como questão de saúde, não de polícia”, analisa Alexandre.

Se as primeiras Marchas da Maconha de Porto Alegre precisavam de habeas corpus para acontecer – uma forma de garantir de que a polícia não terminaria com o ato no qual pessoas fumam livremente, antes mesmo que ele começasse – agora, o público fora do ato parecem entender melhor seu propósito. No trajeto da Marcha deste ano, vários apartamentos piscavam as luzes em apoio. Talvez entendendo que algo tem que mudar. Como dizia um dos cartazes no início: “a guerra às drogas não deu certo”.

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Foto: Guilherme Santos/Sul21
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