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19 de março de 2016
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17:21

Aplicativo mapeia e qualifica locais que respeitam a diversidade sexual e de gênero

Por
Sul 21
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Foto: Guilherme Santos/Sul21
Selo é fornecido a locais que completam formação sobre gênero e sexualidade | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Dentre os diversos direitos almejados pela comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, um dos mais básicos é o de se sentir respeitado em qualquer ambiente. Muitas vezes, essas populações deixam de frequentar ou de agir com naturalidade em determinados espaços por medo de serem repreendidos ou sofrer algum tipo de violência. É exatamente com o intuito de valorizar e divulgar os locais que respeitam a diversidade sexual e de gênero que surgiu a ideia de criar o Freeda, aplicativo que pretende mapear e qualificar espaços públicos e privados de forma colaborativa.

A iniciativa foi elaborada durante o desafio Hackaton, da Câmara dos Deputados, concurso cujo objetivo era desenvolver um aplicativo que, a partir de dados públicos, tratasse de violência contra a mulher ou diversidade sexual. O jornalista Gabriel Galli, com indicações de amigos, conheceu a desenvolvedora Barbara Arena e a advogada Patrícia Becker, que já tinham histórico no movimento LGBT e toparam participar do desafio. Ao começar a pesquisa, as expectativas do grupo foram confirmadas: não havia muitos dados públicos a respeito desse tema.

“Pensamos em fazer um app para recolher dados de alguma forma e uma das primeiras coisas foi para denunciar homofobia. Mas aí pensamos que sempre que se fala em questões LGBT passa na nossa cabeça esse histórico de violência, e pensamos que não é só isso. Sabemos que sofremos muita violência, mas não é só isso. Por isso pensamos em algo positivo. Então veio a ideia de avaliar estabelecimentos públicos ou privados, criando um mapa positivo de onde as pessoas se sentem confortáveis e respeitadas”, relata Gabriel.

Equipe do Freeda: | Foto: Arquivo Pessoal
Equipe do Freeda: Patrícia Becker, Gabriel Galli, Bárbara Arena e Guilherme Ferreira | Foto: Arquivo Pessoal

O aplicativo ficou em segundo lugar dentro da sua categoria no Hackaton e a equipe decidiu continuar com o projeto. Após o Hackaton, seguiram para a Campus Party, onde participaram de formações para start-ups que estivessem começado, com oficinas do Sebrae. Foram alertados, porém, que o aplicativo em si poderia demorar para ser desenvolvido — atualmente, está em fase de finalização.

“Pensamos em começar a trabalhar com outra questão, do selo, inicialmente com estabelecimentos que sabíamos que já tinham uma preocupação com esse tema. Transformamos isso, que era algo secundário em todo o projeto, em questão principal, então estamos preocupados em qualificação para estabelecimentos”, conta Gabriel. Atualmente, a equipe conta também com a participação do doutorando em Serviço Social e ativista Guilherme Ferreira. Já são cerca de 20 estabelecimentos com o selo, dentre os quais a maioria são restaurantes, cafés ou bares, mas há ainda salas de cinema, um estúdio de pilates, um espaço cultural e uma sex shop, além de um evento e uma festa itinerantes.

Como a equipe não conta com apoio ou patrocínio, começaram a negociar com os estabelecimentos alguma forma de pagamento pelas formações, até para que o projeto se torne auto-sustentável. A logística dos cursos ainda está sendo estudada, mas Gabriel conta que a que mais deu certo foi um treinamento de oito horas, dividido em dois turnos. “Começamos falando no contexto geral, o que é o movimento LGBT, fazendo um histórico do feminismo, da luta por direitos. E fazemos uma coisa bem didática, explicando o que é gênero, identidade de gênero, diferença entre gay, lésbica, travesti, transexual, intersexual, assexual”, explica. Em seguida, mencionam as legislações referentes a respeito à diversidade, das obrigações e recomendações para os estabelecimentos.

17/03/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Comerciantes e lojistas aderem a Campanha Este Local Respeita a Diversidade Sexual e de Gênero, do coletivo Freeda. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Na escola Goul Stef, a vitrine também está atenta à diversidade sexual, mostrando um casal gay, um lésbico e um heterossexual | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Mais da metade do curso, que já formou três turmas, funciona como uma roda de conversa, segundo Gabriel. No site do Freeda, os estabelecimentos podem demonstrar interesse em participar das próximas turmas de formação. As últimas foram realizadas no Tecnopuc, a partir de uma parceria com a organização onde Gabriel trabalha, mas não há um lugar físico fixo para os cursos. “A ideia é que o programa do curso seja fluido mesmo, possa ir se adaptando, e que o app comece a funcionar no final do primeiro semestre. Também queremos que o selo não seja eterno, depende muito da avaliação no app. Se receber uma qualificação negativa, a princípio perde o selo, então isso é uma forma para termos algum controle social”, menciona.

Um dos estabelecimentos que participou da segunda turma foi a escola Goul Stef, localizada no Centro de Porto Alegre. Especializada em moda, a escola existe há três anos e lida diretamente com o público LGBT, o que despertou o interesse em participar da formação. “A gente, como instituição de ensino, já tem essa base como formação para nossos alunos, passamos isso para eles, sobre diversidade, inclusão como um todo. E abordamos como passar isso também para o vestuário e para a área da moda”, relatou Nelson Stefani, sócio da Goul Stef.

A escola de criação realiza especialmente cursos de curta duração, mas há alguns mais longos, de até seis meses. Pelo menos duas vezes ao ano, estilistas conhecidos no país e internacionalmente são convidados para ministrar aulas. Nesta segunda-feira (21) e terça (22) acontece o curso de Visual Merchandising voltado para o tema da diversidade de gênero. Unindo o tema do curso e o selo Freeda, a vitrine da escola também está ligada a essa questão, mostrando bonecas Barbie e bonecos Ken em um casal lésbico, um gay e um hétero. “Aproveitamos o tema do Freeda e incluímos junto com a divulgação do curso, convidamos um ex-aluno que gosta dessa questão e tem uma coleção de Barbies para montar”, conta Nelson.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Na Casa de Pelotas, há preocupação com a qualificação da equipe e empatia | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Já Álvaro Carvalho, sócio do café especializado em doces Casa de Pelotas, descobriu sobre o projeto através das redes sociais e imediatamente percebeu a importância do Freeda. “Num primeiro momento, eu nem pensei na Casa de Pelotas, apenas fiquei feliz que isso existia. Com o tempo, me dei conta de que precisava participar disso, daí entrei em contato e preenchi o formulário”, relata. Quem participou da formação foi o gerente do local, o qual foi escolhido para ir por estar em contato direto com os funcionários e o público e, também, por estar em uma posição de privilégios em relação a gênero e sexualidade. “Achei interessante ele fazer por ser homem hétero, pois dentre os funcionários a maioria é mulher e sempre tivemos homossexuais trabalhando com a gente. Como ele é o gerente, acho que era importante ele ter essa qualificação, até para ter empatia com os colegas e com o público”, acredita Álvaro.

Para ele, o Freeda é uma maneira de conscientizar as pessoas em relação a estas questões, especialmente os próprios donos de estabelecimentos, que começam a precisar prestar atenção no respeito à diversidade. “Se isso conseguir chegar na consciência do dono de um espaço, que mostre para os funcionários e os leve a fazer o curso, já vai conseguir mudar as pessoas, porque elas serão instruídas”, acredita. Além disso, é uma questão de identificação, de que “o público saiba que este estabelecimento é qualificado para atender toda a diversidade que existe, nesse caso em questão de gênero e sexualidade”.

Para Gabriel, a expectativa da equipe é exatamente a de “saber que tem alguém contigo”. “Esperamos que ter esse selo exposto seja uma forma de a pessoa saber que pode respirar fundo e que pode trocar um beijo com a pessoa com quem ela está, que não será hostilizada nem desrespeitada”, afirmou.

Locais que têm o selo Freeda: 
— Agridoce Café (Rua Sarmento Leite, 1024)
— Aldeia (Rua Santana, 252)
— Cozinha da Tribo (Rua Santana, 252)
— Cinemateca Capitólio (Rua Demétrio Ribeiro, 1085)
— Café Bonobo (Rua Castro Alves, 101)
— Casa de Teatro de Porto Alegre (Rua Garibaldi, 853)
— Festa Cadê Tereza (Festa itinerante)
— Parangolé Bar e Restaurante (Rua Lima e Silva, 240)
— Egalité Sex Shop (Rua Doutor Caio Brandão de Mello)
— Estúdio Metta Pilates (Av. Wenceslau Escobar, 2666)
— Delícias Doce (Rua Duque de Caxias, 2207, Uruguaiana)
— GoulStef (Rua Coronel Fernando Machado, 1079)
— Sala Redenção (Av. Luis Englert, Campus Central da UFRGS)
— Bistrô da Vó Mercedes (Rua Duque de Caxias, 550)
— B Burger (Rua 24 de Outubro, 33)
— Casa de Pelotas (Rua República 421)
— Teia da Lua (Rua Dom Bosco, 65)
— ShareFest Porto Alegre (evento itinerante)


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