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13 de fevereiro de 2014
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11:02

Mulheres vítimas de violência doméstica poderão receber benefício do INSS

Por
Sul 21
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Mulheres vítimas de violência doméstica poderão receber benefício do INSS
Mulheres vítimas de violência doméstica poderão receber benefício do INSS

Fernanda Morena

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Abuso doméstico contra mulher poderá se tornar caso de tortura. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Se for aprovado na Câmara, o Projeto de Lei 6011/13 garantirá o direito de mulheres que são vítimas de violência doméstica ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pela Previdência Social. Para obter o auxílio, a vítima terá que abrir o processo contra o agressor pela Lei Maria da Penha, e o juiz responsável pelo julgamento decidirá a duração do benefício, que é de um salário mínimo. Conforme a Secretaria de Transparência do Senado, uma a cada cinco brasileiras já foi vítima de violência doméstica; a cada uma hora e meia, uma mulher é assassinada no Brasil.

O projeto de lei é de autoria da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher e consta no relatório emitido pelo grupo no ano passado, que traz ainda outros 11 PLs, um projeto de resolução e 73 recomendações gerais.

Conforme a deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), presidente da CPMI, a inclusão das vítimas na lista de beneficiários ajudaria a família toda a passar por cima dos problemas provocados pela violência doméstica. “Geralmente as vítimas e seus filhos ficam numa situação econômica precária, especialmente quando têm filhos e não podem sustentá-los por serem dependentes dos agressores”, explica.

O BPC é uma assistência no valor de um salário mínimo nacional dada pela Previdência a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência de qualquer natureza – mental, física, sensorial e intelectual – de longo prazo. Ele hoje assiste 3,6 milhões de brasileiros, conforme o INSS.

Nem todos os engajados em políticas femininas concordam com o PL. A professora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, em Fortaleza, Regina Celia Almeida Silva Barbosa, teme que o benefício possa gerar mais violência. “Temos casos de mulheres que sofrem mais agressões com o Bolsa Família, porque o dinheiro entra, o agressor vai lá e toma conta do cartão”, conta.

O que Regina sugere é uma aposta nas ações regressivas, já existentes na Lei Maria da Penha , como o afastamento pago de seis meses do trabalho para a vítima, o qual deve ser pago à Previdência pelo agressor. “Temos que reforçar a responsabilidade financeira da violência para o agressor, e não para a vítima.”

O cenário da violência

Apesar de o país ter feito avanços no combate à violência contra a mulher, como a conquista de uma Comissão Permanente de Combate à Violência Contra a Mulher na Câmara federal no final de janeiro deste ano, fruto do trabalho da CPMI, ainda não há motivos para celebrar maior tranquilidade para as brasileiras. Falta de capilarização das informações, dificuldade no processamento de denúncias, machismo e falta de capacitação profissional dos agentes ligados ao tratamento do tema revelam um quadro pouco animador e colocam o Brasil na sétima posição do ranking de feminicídios – posição pior do que a de países africanos e árabes, conforme o livro Mapa da Violência, de 2012.

A CPMI também identificou a necessidade de uma reformulação no financiamento das políticas públicas de defesa da mulher, uma vez que o destino de montantes à causa sai apenas do governo federal. Para Carmen Hein Campos, assessora de trabalhos da CPMI e da relatora, a senadora Ana Rita (PT-DF), é necessário haver uma contrapartida de municípios e estados, e até mesmo do Judiciário. “Quando estivemos analisando o Rio Grande do Sul, descobrimos que havia um único juiz titular no estado, atuando em Porto Alegre, com mais de 20 mil processos de violência contra a mulher para julgar. Sem o apoio do Tribunal de Justiça estadual, ele pediu demissão”, conta.

O atraso do julgamento de processos é outro velho conhecido da causa. A própria Maria da Penha, a cearense vítima de duas tentativas de homicídio pelo seu ex-marido e que dá nome à lei que permitiu a prisão, em flagrante ou preventiva, de agressores, diz que sua ocorrência se arrastou por duas décadas não por causa do agressor, mas em função da demora do Judiciário em deliberar sobre o processo.

Medo da denúncia

O número de mulheres sofrendo abuso doméstico pode ser bem maior do que as estatísticas mostram. O relatório da Secretaria de Transparência do Senado estima que metade dos casos não é denunciada. 

A farmacêutica bioquímica Maria da Penha | Foto: ABr
A farmacêutica bioquímica Maria da Penha | Foto: ABr

Vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Barbosa conta que a maior parte dos casos que o Instituto recebe é de mulheres com histórico de abuso de mais de década. Ela diz que boa parte das mulheres optam por não abrir um boletim de ocorrência contra seu agressor com medo de que o processo não corra com velocidade suficiente para impedir o contato com seu ou sua algoz depois de que ela visita a delegacia. Além da falta de confiança no sistema, muitas brasileiras assumem anos de violência por causa dos filhos, que questionam se a mãe “vai mesmo fazer isso com o pai”, conta.

Futuro promissor?

Ainda que os avanços na causa feminina no Brasil estejam engatinhando, a pauta da violência contra a mulher deverá ganhar mais força dentro do legislativo federal com a Comissão. Principalmente se acatada a recomendação de centralização das informações de violência contra a mulher. É o que espera a professora Regina. A especialista ainda sugere que informações, como ser recipiente ou não de outros benefícios na área de saúde e educação, por exemplo, sejam integralizadas a fim de garantir celeridade aos processos. “Tendo toda informação é fácil saber se a mulher que registra a ocorrência vem de uma situação de risco”, pondera. Regina também clama pela qualificação profissional de todos os agentes envolvidos no socorro às vítimas – desde a secretária da delegacia ao socorrista da ambulância – e um bônus congratulatório para delegados que garantam celeridade e qualidade no tratamento de ocorrências de violência doméstica.

Coordenadora da Bancada Feminina, a deputada Jô Moraes acredita que a CPMI irá reverberar cada vez mais no Congresso. “O trabalho da CPMI provocou discussões, alertou para a chaga, criou uma consciência crítica, cidadã de que isto está errado, que como está não pode continuar”.

Dentre as sugestões feitas pela Comissão estão a constituição do “feminicídio” (assassinato de mulheres em situação de violência sexual ou doméstica) como agravante do homicídio, com pena de 12 a 30 anos de prisão; a criação de Secretarias da Mulher em todos os Estados em lugar de coordenadorias; ampliação da rede de serviço para além das capitais; e a classificação da violência doméstica como tortura.


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