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23 de janeiro de 2014
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22:05

Números indicam que capitalismo está sendo um mau gestor do planeta

Por
Sul 21
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Ladislau Dowbor: O mundo vive uma crise civilizatória que se expressa como uma confluência de três grandes crises: ambiental, social e financeira (Foto: Marco Weissheimer)
Ladislau Dowbor: O mundo vive uma crise civilizatória que se expressa como uma confluência de três grandes crises: ambiental, social e financeira (Foto: Marco Weissheimer)

Marco Weissheimer

O mundo vive uma crise civilizatória que se expressa como uma confluência de três grandes crises: ambiental, social e financeira. O diagnóstico feito pelo economista Ladislau Dowbor, durante painel sobre a crise do capitalismo no Fórum Social Temático 2014 de Porto Alegre, não chega a ser novo, mas adquire renovada atualidade diante de novos números e informações que confirmam que o planeta está chegando a uma encruzilhada perigosa. A intervenção de Dowbor no auditório montado no mezanino da Usina do Gasômetro dedicou-se a apresentar as características desses três eixos da crise e a apontar alguns possíveis caminhos para a sua transformação. Ao falar de soluções, Dowbor assinalou que o problema do planeta e da humanidade hoje não é a falta de recursos, mas sim sua distribuição e gestão. O capitalismo adora essa palavra, “gestão”, mas vem se revelando um péssimo gestor do planeta.

O professor Ladislau Dowbor citou alguns números para sustentar essa tese. O PIB mundial está hoje ainda na casa dos 70 trilhões de dólares. É isso que o mundo produz de riqueza hoje: 70 trilhões de dólares. Considerando a população atual do planeta, em torno de 7 bilhões de habitantes, isso garantiria uma renda mensal de 6 mil reais para uma família média de quatro pessoas. Ou seja, com o que o mundo produz hoje seria possível viver de maneira confortável. Como se sabe, não é exatamente isso o que ocorre. No terreno ambiental, os indícios do fracasso do modelo de gestão capitalista são ainda mais evidentes, e mais dramáticos também. Daí que falar em crise civilizatória não é nenhum exagero, pois o que está em questão é a própria sobrevivência da civilização humana tal como a conhecemos.

Aquecimento global: participantes do Fórum Social Temático estão experimentando de perto o calor tórrido que atinge Porto Alegre em janeiro. (Foto: Marco Weissheimer)
Aquecimento global: participantes do Fórum Social Temático estão experimentando de perto o calor tórrido que atinge Porto Alegre em janeiro. (Foto: Marco Weissheimer)

Níveis limítrofes para eventos catastróficos

O economista apontou um paradoxo ao caracterizar o eixo ambiental da crise. O fortalecimento dramático das nossas capacidades tecnológicos trouxe grandes avanços, mas também aumentou a nossa capacidade destrutiva. Temos motosserras hoje capazes de liquidar florestas inteiras em um pequeno espaço de tempo. Com a ajuda do GPS, podemos consumir quantidades inéditas (e perigosas) de recursos pesqueiros. Com bombas modernas, podemos exaurir grandes reservas de água. E assim por diante. Os exemplos são inúmeros. Além disso, assinalou Dowbor, temos o aquecimento global atingindo níveis limítrofes para eventos catastróficos. Neste item, Dowbor nem precisou argumentar muito, pois o calor médio de 40 graus que os habitantes de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul enfrentam nos últimos dias é bastante ilustrativo acerca das consequências desse fenômeno.

No eixo social da crise, os dados não são menos eloquentes. Hoje, cerca de 1% das famílias do mundo é dona da metade da riqueza do planeta. Neste ponto, Dowbor fez uma distinção entre riqueza (o que se acumula durante uma vida) e renda (o que ganhamos por mês). É da riqueza que esse dado fala, de um acúmulo descomunalmente desigual dos recursos do planeta. Ele também citou os números da pesquisa divulgada pela Oxfam no início desta semana, segundo os quais as 85 pessoas mais ricas do planeta ganham o mesmo que a metade da população mundial somada. Ainda segundo a Oxfam, em 24 dos 26 países que tem informações estatísticas dos últimos 30 anos, os níveis de desigualdade aumentaram. Isso significa que sete de cada dez pessoas do mundo vivem em um lugar mais desigual que há 30 anos. Esses dados já seriam suficientes para questionar a suposta excelência do modelo de gestão capitalista. Mas Dowbor foi adiante.

Não há nenhuma razão econômica para as pessoas passarem fome

Por que, no Brasil, perguntou, um operador do mercado financeiro ganha o que ganha e um professor ganha o que ganha? A resposta foi curta e grossa: não há uma racionalidade econômica que explique essa discrepância. É uma escolha resultante de uma relação de forças. Também é uma escolha da mesma natureza que explica os fatos de 850 milhões de pessoas passarem fome hoje no mundo e de 1,2 bilhão sobreviverem com menos de 1,25 dólar. “Não há nenhuma razão econômica para as pessoas passarem fome”, resumiu, lacônico, Dowbor.

Esses números soam mais absurdos quando ingressamos no eixo financeiro da crise civilizatória analisada pelo economista. Hoje, temos aproximadamente 630 trilhões dólares em derivativos circulando pelo mundo. Não se trata de riqueza real, mas de papeis emitidos sem cobertura. Essa prática, observou Dowbor, existe desde Veneza, no século XVI, mas hoje multiplicou-se de maneira fenomenal. Quando esse cassino de papeis sem lastro real explodiu em 2008 e arrastou bancos como o Lehman Brothers para o buraco, os executivos do setor financeiro correram para os braços dos governos com uma advertência catastrófica: se o Estado não injetar dinheiro no setor e socorrer os bancos haverá uma quebradeira geral. E assim foi feito. O setor público acabou pagando a conta da farra dos derivativos. E segue pagando ainda, com efeitos negativos para o conjunto da população.

Entendendo os caminhos do dinheiro

Ladislau Dowbor integra uma rede mundial de professores que disponibiliza gratuitamente uma série de textos e estudos sobre esses temas. Sua página na internet, dowbor.org, é leitura obrigatória para todos os interessados em entender melhor os estranhos caminhos do dinheiro e como se organiza o nosso dinheiro. “Ninguém entende o funcionamento do sistema financeiro ou como funciona o dinheiro”, assinala, o que contribui para a perpetuação do modelo atual e uma série de mistificações. Uma delas, cita Dowbor, está ligada ao tema da corrupção. O Brasil tem hoje cerca de 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais, uma soma equivalente ao atual orçamento do país. Poucas pessoas sabem disso ou tem alguma ideia dos caminhos e procedimentos que levam o dinheiro para esses espaços secretos.

Mas Dowbor não fica apenas no terreno dos diagnósticos. Juntamente com Ignacy Sachs e Carlos Lopes, ele é autor de um artigo sobre as oportunidades trazidas pela crise. Esse texto traz uma visão mais ampla e sistemática dos principais desafios que a humanidade tem pela frente: o equilíbrio ambiental, a redução da desigualdade, a inclusão produtiva e a mudança do perfil dos processos produtivos em função das prioridades reais das pessoas. Os autores propõem 13 eixos básicos de intervenção, já aplicados com sucesso em numerosas experiências. Um dos elementos comuns a esses 13 eixos é a proposta de resgate dos mecanismos de planejamento, contra a ideia de desregulação e de desmonte das políticas públicas. Para Dowbor e seus colegas de pesquisa, essas ideias são fundamentais para o enfrentamento das crises que o modelo dominante de gestão e governança no planeta nos deixou como legado.


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