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21 de junho de 2018
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13:33

Grandes supermercados dos EUA e Europa agravam pobreza de trabalhadores rurais

Por
Sul 21
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Entre 1996 e 2016, o valor pago pela colheita da laranja caiu 70% no país, piorando a renda dos pequenos agricultores. (Arquivo EBC)

Rede Brasil Atual

A renda média de 40% dos pequenos produtores e trabalhadores da colheita da laranja no Brasil não é suficiente para impedir que vivam abaixo da linha da pobreza. Entre 1996 e 2016, o valor pago pela colheita da laranja caiu 70% no país, reduzindo ainda mais a renda dos pequenos agricultores. Os dados integram o estudo “Hora de Mudar – Desigualdade e sofrimento humano nas cadeias de fornecedores dos supermercados”, lançado nesta quarta-feira (20) pela ONG Oxfam International.

“A consequência disso é que os pequenos produtores abandonam sua produção e terras, e se veem forçados a migrar para cidades morando em favelas ou permanecer no campo trabalhando para as grandes fazendas, que têm condições de atender às exigências dos supermercados em relação a preço e qualidade”, afirma a organização. O estudo pretende mostrar como o atual modelo de negócio dos maiores varejistas de alimentos na Europa e nos Estados Unidos contribui para o “sofrimento de milhões de trabalhadores rurais e pequenos e médios agricultores de países da América Latina, Ásia e África”.

Além dos pequenos produtores de laranja do Brasil, outros 11 países em desenvolvimento com produtos vendidos nos supermercados europeus e norte-americanos foram pesquisados pela Oxfam para mostrar como a cadeia de produção é injusta na distribuição da renda dos alimentos: café (Colômbia), chá (Índia), cacau (Costa do Marfim), banana (Equador), uva (África do Sul), vagem (Quênia), tomate (Marrocos), abacate (Peru), arroz (Tailândia), camarão (Indonésia, Tailândia e Vietnã) e atum (Indonésia, Tailândia e Vietnã).

“Os supermercados precisam exigir o compromisso da sua cadeia de fornecedores para garantir o fim de jornadas exaustivas, empregos informais, trabalho escravo e outras condições desumanas nas propriedades rurais que os abastecem”, afirma Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil.

Segundo o estudo, mais de 90% dos trabalhadores tailandeses de beneficiamento de frutos do mar relataram ter ficado sem comida suficiente no mês anterior à data da pesquisa, feita em 2017. Na África do Sul, um terço das trabalhadoras entrevistadas nas fazendas de uva disseram que elas próprias ou um membro de suas famílias tinham ido dormir com fome pelo menos uma vez no mês anterior à pesquisa.

O estudo revela que 48% do valor pago pelo consumidor final ao comprar um alimento – considerando a média dos 12 produtos pesquisados pela Oxfam –, fica com os supermercados, enquanto a parcela que pertence aos pequenos agricultores e trabalhadores rurais é de 6,5% (um percentual que era 8,8% em meados dos anos 90).

Do valor final dos produtos, o percentual que fica com as grandes redes cresce, enquanto dos agricultores diminui.

Segundo Gustavo Ferroni, assessor de políticas da Oxfam Brasil, a preocupação com a pobreza de quem fornece os alimentos às redes dos Estados Unidos e Europa já chegou à Comissão Europeia, que apresentou em abril deste ano uma proposta para combater as práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar, reconhecendo a “injusta negociação para o outro lado mais fraco dessa indústria”. O documento prevê sanções a serem impostas pelas autoridades nacionais, caso sejam identificadas essas práticas.

O relatório divulgado pela Oxfam Brasil ainda mostra que, no grupo dos pequenos produtores, as mulheres também sofrem com preconceito de gênero no ambiente rural, pois ganham menos, chegam a ser proibidas de ter a própria terra, sofrem mais ameaças de violência e são assediadas sexualmente com frequência.

Outras conclusões do relatório:

– Dez supermercados respondem por mais da metade de todas as vendas de alimentos no varejo nos Estados Unidos e Europa.

– Para alguns produtos, como o chá indiano ou a vagem queniana, a renda média dos pequenos produtores é menos da metade do que seria considerado ideal para assegurar uma vida digna, e os pagamentos são ainda menores quando as mulheres são a maior parte da força de trabalho.

– Seriam necessários mais de quatro mil anos para um trabalhador que atua no processamento de camarão na Indonésia ou Tailândia ganhar o mesmo que um executivo de um supermercado americano ganha em um ano.

– Enquanto muitos trabalhadores rurais e pequenos agricultores vivem na pobreza, as oito maiores cadeias de supermercados de capital aberto geraram quase US$ 1 trilhão em vendas, US$ 22 bilhões em lucros e US$ 15 bilhões em dividendos a seus acionistas em 2016.

– Apenas 10% do que os três maiores supermercados dos Estados Unidos pagaram a seus acionistas em 2016 seria o suficiente para pagar um salário digno a 600 mil trabalhadores que atuam no processamento de camarão na Tailândia.

– A Comissão Europeia revelou que 96% dos fornecedores na cadeia de alimentos sofreram com pelo menos uma forma de prática comercial injusta como, por exemplo, receber menos que os custos de produção.

– Em países onde os governos (como no caso de Vietnã, Equador, Marrocos e Peru) estabeleceram salários mínimos de pelo menos metade do PIB per capita mensal, os salários dos trabalhadores se aproximaram mais das referências de salários dignos. No Brasil, isso daria em torno de R$ 1.316 por mês, em valores de 2017 – cifra ainda distante do que é indicado pelo Dieese para viver com dignidade.


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