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9 de maio de 2018
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19:45

Para presidente da Anfip, o sistema de arrecadação de impostos perpetua a desigualdade

Por
Sul 21
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Para Floriano Sá Neto, o sistema tributário hoje está totalmente desalinhado e é um entrave ao desenvolvimento nacional. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Giovana Fleck

“O Brasil permanece desigual através da própria arrecadação de impostos”, disse o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Floriano Sá Neto, que esteve em Porto Alegre para participar do encerramento do seminário “Desenvolvimento Nacional: Dilemas e perspectivas”, realizado terça-feira à noite, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Sá Neto falou sobre as consequências da ausência de uma reforma tributária nos próximos anos e dos riscos de que medidas discutidas nesse governo, como a reforma da Previdência, voltem para votação.

“Sem um sistema de arrecadação de tributos à altura do Brasil, elegeremos estelionatários que vão colocar uma realidade que não pode ser sustentável”, afirmou. O presidente da Anfip assinalou que, dá forma como é conduzida, a tributação no Brasil não é mais sustentável.  “A questão tributária sempre passa ao largo. Sempre é projeto de mini-emendas, de projetos de lei, de coisas que absolutamente não resolvem, tomam o tempo do Legislativo e acabam virando moeda de troca entre as relações do Executivo e do Legislativo.”

Reforma Tributária Solidária

Para Sá Neto, “a população tem que se sensibilizar com o retrato que nós temos hoje” . Foto: Joana Berwanger/Sul21

Em abril, a Anfip em parceria com a Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital) divulgou um manifesto propondo o lançamento de um movimento por uma ‘Reforma Tributária Solidária: Menos Desigualdade, Mais Brasil’. A partir de estudos de um grupo de cerca de 40 especialistas, a iniciativa buscou estudar todos os impostos cobrados no Brasil e encontrar soluções para a desigualdade.

“Chegamos à conclusão que o sistema tributário hoje está totalmente desalinhado e é um entrave ao desenvolvimento nacional”, coloca o presidente da Associação. Segundo ele, os estudos tornaram visível que não há mais “remendos” que possam ser feitos; uma reforma, de fato, é necessária. “O Brasil necessita de um novo sistema tributário”, defendeu. Isso, porém, acrescentou, deve seguir algumas premissas básicas. Entre elas: o compromisso com o desenvolvimento, o financiamento do gasto social, a redução da carga tributária indireta, o equilíbrio federativo, a ampliação da tributação ambiental e o resgate da tributação aduaneira.

E onde se encaixa a ‘solidariedade’? “Solidária porquê está na hora de haver solidariedade dos que ganham mais com aqueles que ganham menos. Está na hora de quem ganha mais pagar mais e está na hora de quem ganha menos pagar menos impostos”, resumiu.

A apresentação de resultados será feita nos dias 4, 5 e 6 de junho, durante o Fórum Internacional Tributário. Na ocasião, 11 países estarão presentes debatendo suas diferenças na cobrança de tributos e como planejar o espectro tributário brasileiro. Segundo Sá Neto, a Reforma Tributária Solidária começa com esse trabalho. A partir disso, o grupo se propõe a fazer um amplo debate com a sociedade. “A população tem que se sensibilizar com o retrato que nós temos hoje.” No início de agosto, haverá uma proposta concreta que será oferecida para os pré-candidatos às eleições de 2018.

Sá Neto afirmou ainda que o que se quer é colocar a reforma tributária no centro dos debates. Para ele, sem um sistema tributário que induza o desenvolvimento nacional, que garanta o gasto socais, que seja progressivo – combatendo a regressividade – não avançaremos na resolução de problemas históricos no equilíbrio federativo. “E isso com inovações. Então, estamos falando de tributos ambientais, da tributação da internet, da tributação transnacional.”

Ainda assim, ele enfatizou que a premissa principal da proposta não é o aumento da carga tributária, “mas sim colocar essa carga no devido lugar”. Para ele, não podemos mais conviver com a carga excessiva sobre o consumo. “Quase 50% do que se arrecada em tributos é gasto indireto do consumo. Pretendemos baixar essa carga, trazendo ela para níveis da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Economic), níveis civilizados.”

Diminuição da desigualdade

“Cerca de R$ 100 milhões foram gastos em 2017 da Previdência para falar mal da própria Previdência”, lembrou Sá Neto. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Para Sá Neto, manter o equilíbrio significa considerar o sistema tributário de cobrança sobre a renda e sobre o patrimônio. Ele defendeu que os impostos devem visar o desenvolvimento nacional, sem privilegiar determinados grupos. “É óbvio que nós teremos aí adversários, principalmente os que hoje estão a vontade nesse sistema: os fraudadores, os sonegadores, aqueles que vivem só de rendimentos no capital especulativo. Mas nós entendemos que, ao levar esse debate para que a sociedade se aproprie do tema, nós teremos condições de eleger um congresso nacional melhor e um presidente da república legítimo que encare de frente esse problema”, pontuou.

Sá Neto foi um dos grandes críticos da Reforma da Previdência em 2017, que aponta como agravante da desigualdade. Ele coloca que grande parte dos argumentos em prol da reforma foram construídos em torno de notícias falsas. “Cerca de R$ 100 milhões foram gastos em 2017 da Previdência para falar mal da própria Previdência”, lembrou, durante sua apresentação no seminário. Ele ainda destacou que, nesse processo de manipulação das informações, foram misturados dados da previdência do servidor e do regime geral, que são diferentes e operadas separadamente.

Segundo o presidente, a Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016 e que congela por 20 anos os gastos públicos, teria sido pensada dentro da estrutura dominante da gestão Temer para culminar nas mudanças na Previdência. “É uma estrutura que pretende engessar o gasto social, e nós estamos falando de 20 anos. Então a população tem que entender que se manterá o atual volume de gastos em saúde, educação, segurança pública, salários dos servidores; tudo isso estará congelado. Como a população vai crescer, é óbvio que a vida do brasileiro vai piorar muito. Então, a Emenda Constitucional 95 foi feita para viabilizar a reforma da Previdência. Com menos dinheiro disponível, eu tenho que começar a cortar. Onde eu tenho hoje uma estrutura de gastos elevada? Na Previdência Social.”

Mesmo com o recuo do Governo Federal, Sá Neto alerta para que a sociedade não se disperse. “Basta o governo resolver o entrave da intervenção militar no Rio de Janeiro. A gente entende que, se esse governo ganhar a eleição, esse ano ainda teremos o desprazer de vê-la novamente tramitando.” Por isso, ele defende que a Reforma Tributária proposta pelas organizações entre no debate. “A distribuição de renda é o grande representante das disparidades no Brasil. Ainda não conseguimos superar essa questão, inclusive, estamos debatendo retrocessos.”

Sobre a questão da opinião pública frente a propostas de alterações nas tributações, Sá Neto se disse otimista. “As propostas que existem e que tramitam apontam para a simplificação como o elemento-chave. Isso é muito pouco. Não somos contra a simplificação, mas entendemos que só isso não resolve. Então, o cidadão brasileiro tem que ficar alerta. O debate vai doer no bolso de alguém”.

 


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