Últimas Notícias > Economia > Areazero
|
10 de outubro de 2016
|
20:00

Acordo do Clima e mudanças políticas abrem cenário de incertezas sobre futuro do carvão

Por
Sul 21
[email protected]
Mina de Candiota, no Rio Grande do Sul. Estado possui 89% das reservas nacionais de carvão. (Foto: CRM/Divulgação)
Mina de Candiota, no Rio Grande do Sul. Estado possui 89% das reservas nacionais de carvão. (Foto: CRM/Divulgação)

Marco Weissheimer

O uso do carvão mineral está indissociavelmente ligado à história do desenvolvimento industrial da humanidade nos últimos séculos. Principal alimento da Revolução Industrial, o carvão gerou e segue gerando energia para milhões de pessoas. Nas últimas décadas, porém, o uso desse combustível fóssil começou a ser questionado pelo seu impacto ambiental, especialmente no aumento da temperatura global. O desafio colocado para a humanidade não é simples: como atender a uma demanda crescente por energia sem deteriorar ainda mais o meio ambiente no planeta?

Estimativas do Ministério de Minas e Energia indicam que, nos próximos quarenta anos, o mundo consumirá o dobro de energia que consome hoje, pulando de 17 trilhões de watts para cerca de 30 trilhões de watts. No próximo dia 4 de novembro, entrará em vigor o Acordo Climático de Paris que tem como meta central manter o aumento da temperatura global neste século abaixo dos 2°C. Até outubro, 62 países já haviam ratificado o acordo, representando 51,89% do total das emissões globais de gases de efeito estufa. No dia 4 de outubro, o Parlamento da União Europeia ratificou o acordo fazendo com que esse percentual superasse os 55%.

Vários países passaram a investir pesadamente, nos últimos anos, no desenvolvimento de formas mais limpas de geração de energia. O Reino Unido, por exemplo, acaba de atingir uma marca histórica. Uma pesquisa divulgada pelo site Carbon Brief apontou que, nos últimos seis meses, pela primeira vez em sua história, painéis solares geraram mais energia elétrica do que o carvão. Segundo esse levantamento, os painéis solares geraram 7 mil gigawatts/hora, no período entre abril e setembro deste ano, contra 6,3 mil gigawatts gerados por termelétricas.

O Brasil, na última década, assistiu a um grande desenvolvimento da energia eólica que vem ganhando espaço no sistema energético nacional. O país segue utilizando usinas termelétricas mais como uma medida de segurança em caso de problemas no setor hidroelétrico. A mudança de governo a partir do impeachment da presidenta Dilma Rousseff abriu um grande ponto de interrogação sobre o futuro da política energética no país. Uma recente decisão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) jogou uma ducha de água fria sobre o setor do carvão que passou a viver uma nova realidade.

O Sul21 inicia hoje, em parceria com o Instituto Clima e Sociedade, uma série de matérias sobre o uso de carvão no sistema energético brasileiro, sua potencialidade econômica, seus impactos ambientais, sociais e sobre a saúde humana. A primeira matéria dessa série traz um panorama geral sobre o setor, a partir de recentes decisões que reduzem o crédito para investimentos em novas usinas termelétricas movidas a carvão.

Nos últimos anos, a CGTEE recebeu investimentos de aproximadamente R$ 1,3 bilhões para construção da fase C de Candiota. (Foto: Divulgação/CGTEE)
Nos últimos anos, a CGTEE recebeu investimentos de aproximadamente R$ 1,3 bilhões para construção da fase C de Candiota. (Foto: Divulgação/CGTEE)

BNDES extingue financiamentos para usinas a carvão

No dia 3 de outubro, o BNDES anunciou as novas regras que vai adotar para o financiamento do setor de energia elétrica. O BNDES decidiu ampliar os investimentos em projetos de energia solar de até 70% para 80% dos itens financiáveis com Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) que, atualmente, é de 7,5% ao ano. Além disso, o banco decidiu extinguir o financiamento para a construção de usinas térmicas movidas a carvão e a óleo e manter em até 80% sua participação em projetos de eficiência energética. Segundo nota divulgada pela diretoria da instituição, as mudanças “visam contribuir para a ampliação de fontes de energia alternativa na matriz elétrica brasileira e direcionar investimentos em TJLP para projetos com alto retorno social e ambiental”. O BNDES também anunciou a redução de sua participação para até 50% em investimentos (com TJLP) em grandes hidrelétricas (esse índice era de 70%).

Ainda segundo o banco, a prioridade concedida à energia solar decorre do fato de se tratar de tecnologia em fase inicial de desenvolvimento no país, que necessita de estímulos para “alcançar economias de escala e ganhos associados à difusão tecnológica, com preços mais competitivos”. O BNDES informou ainda que a decisão de não financiar mais térmicas a carvão e a óleo e de priorizar fontes de energia limpas, não impede que haja projetos com carvão no país, desde que sejam financiados pelo mercado em geral.

As novas regras, que já valerão para os próximos leilões de energia, programados para outubro e dezembro, foram criticadas pela Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM) que protestou contra a falta de diálogo do banco com o setor. Segundo o presidente da associação, Luiz Fernando Zancan, não houve nenhuma discussão prévia ao anúncio das novas regras que caminham, segundo ele, na direção contrária ao diagnóstico feito recentemente sobre a crise hídrica e a necessidade de investir nas térmicas. Caso o BNDES não reveja sua decisão, a saída para o setor será recorrer a financiamentos no exterior, especialmente da China, diz o presidente da associação.

A ameaça da seca em 2017

As usinas termelétricas a carvão geraram, em 2015, cerca de 3% do total da energia elétrica consumida no país. Apesar do percentual pequeno, essas usinas são consideradas importantes para compensar eventuais problemas com as hidrelétricas. A ABCM estima em 17 mil megawatts o potencial de produção de energia do Brasil a partir das atuais reservas de carvão no país. Na avaliação da entidade, o país não pode prescindir desse potencial se pensa seriamente em retomar um novo ciclo de crescimento.

O reservatório de Sobradinho, localizado na Bahia, deve atingir o volume morto ainda neste ano. (Foto: Agência Brasil)
O reservatório de Sobradinho, localizado na Bahia, deve atingir o volume morto ainda neste ano. (Foto: Agência Brasil)

O país deverá entrar 2017 dependente de um volume considerável de chuvas e ventos fortes para manter a atividade normal do sistema de fornecimento de eletricidade, afirmou reportagem da Folha de S.Paulo (28/09/2016), que ouviu meteorologistas e traçou um cenário do clima para o próximo ano. Segundo os especialistas, as regiões Nordeste e Norte devem ter secas severas durante o próximo período chuvoso (entre outubro deste ano e abril de 2017), com previsões de chuva entre 35% e 45% da média histórica das respectivas regiões. Nas outras áreas do país, a expectativa é de chuvas normais. Em função desse cenário, as hidrelétricas do Nordeste poderão ter que suspender a geração de energia, afirma ainda a reportagem. O reservatório de Sobradinho, localizado na Bahia, é o maior da região e deve atingir o volume morto ainda neste ano.

Uma hidrelétrica parada na região não seria problema, mas a previsão de seca severa no Nordeste pode paralisar também usinas termelétricas a carvão que, apesar de terem custo de geração mais elevado, conseguem produzir independentemente do clima. O problema é que, com a seca, em algumas regiões como o Ceará, o governo poderá ter que escolher entre fornecer água para resfriar as usinas ou reservar a água para abastecer a população de Fortaleza, alerta a reportagem que também cita o caso do recente anúncio de fechamento de uma usina térmica a carvão, no Rio Grande do Sul.

Fechamento e suspensão de usinas no RS

Em maio deste ano, a empresa Engie Tractebel Energia decidiu interromper as atividades da Usina Termelétrica de Charqueadas ainda em agosto de 2016. Segundo a empresa, o motivo do fechamento é a obsolescência técnica de muitos equipamentos da empresa que já opera há 54 anos e tem capacidade de produzir 36 megawatts. Em junho, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu manter a usina em operação até o final de dezembro deste ano. O governo gaúcho e os municípios da região tentam reverter a decisão que, caso confirmada, deve provocar a demissão de 2 mil trabalhadores.

Em setembro deste ano, ocorreu um novo problema no setor termelétrico do Rio Grande do Sul, desta vez em Candiota. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) determinou o fechamento de duas unidades do Complexo Termelétrico Candiota, maior usina de carvão do país. Além do fechamento, o Ibama multou a usina em R$ 75 milhões em função do descumprimento de acordos feitos com o órgão ambiental para reduzir o lançamento de gases e óleo no ambiente, que estariam acima do limite previsto pela legislação. As duas usinas fechadas são as mais antigas do complexo e são capazes de gerar 446 megawatts.

A CGTEE, empresa estatal ligada ao grupo Eletrobras, manifestou-se surpresa com a decisão do Ibama e garantiu que todas as determinações emanadas pelos órgãos ambientais vem sendo rigorosamente atendidas nos prazos negociados com o instituto. “Os motivos apresentados pelo Ibama para determinar o embargo já vem sendo atendidos pela Eletrobras CGTEE desde janeiro, com conhecimento e acompanhamento do Ibama, o que justifica nossa surpresa, especialmente com a extrema penalidade aplicada”, afirmou a empresa em nota oficial.

Nos últimos anos, a CGTEE recebeu investimentos de aproximadamente R$ 1,3 bilhões para construção da fase C de Candiota, elevando a capacidade de geração de energia de 446 megawatts para 796 megawatts. O excedente dessa energia, que não é usado no mercado interno, é exportado para o Uruguai e para a Argentina.

Projeto proposto pela empresa Ouro Negro prevê a instalação de uma usina a base de carvão, com duas unidades de 300 megawatts cada, em Pedras Altas (RS). (Foto: Divulgação)
Projeto proposto pela empresa Ouro Negro prevê a instalação de uma usina a base de carvão, com duas unidades de 300 megawatts cada, em Pedras Altas (RS). (Foto: Divulgação)

Projeto de nova usina

O projeto de construção de uma nova usina termelétrica no Rio Grande do Sul está em processo de licenciamento ambiental. Proposto pela empresa Ouro Negro Energia em parceria com as empresas chinesas SEPCO1 (Shandong Electric Power Construction Corporation) e Nwepdi (Northwest Power Design Institute), o projeto prevê a instalação de uma usina a base de carvão, com duas unidades de 300 megawatts cada, totalizando uma capacidade instalada de 600 megawatts. Caso aprovado, a nova usina será construída no município de Pedras Altas, limítrofe com o município de Candiota, onde já há duas usinas em operação. Para garantir o volume de água necessário para o funcionamento da usina, o Estudo de Impacto Ambiental propõe a construção de uma barragem no Arroio Candiota, que inundaria uma área de 296 hectares, o que equivale a cerca de 296 campos de futebol.

Esse projeto tem apoio do governador José Ivo Sartori que, em setembro de 2015, assinou um protocolo de intenções com o diretor-presidente da Ouro Negro Energia, Silvio Marques Dias Neto, que possibilitará benefícios fiscais para o empreendimento. O governador gaúcho entende que o carvão é uma “oportunidade de riqueza que tem que ser explorada, sendo uma boa alternativa para a produção de energia no Rio Grande do Sul”, Estado que possui 89% das reservas nacionais desse mineral. Na mesma linha, o secretário estadual de Minas e Energia, Lucas Redecker, defende que “é preciso desmistificar o uso desse recurso, porque a tecnologia atual faz com que o dano ambiental seja muito pequeno” “Trata-se de uma energia firme que não oscila com as condições climáticas, o que acontece com a hidroeletricidade”.

A decisão do BNDES abriu outro cenário para esse projeto e outros investimentos na área, que passarão a depender da abertura de novas fontes de investimentos para a sua implementação e também da definição das novas políticas nacionais a partir da entrada em vigor do Acordo Climático de Paris.



Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora