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27 de outubro de 2015
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13:29

Economia solidária e felicidade interna bruta: as ideias de Paul Singer para enfrentar crise moral do capitalismo

Por
Sul 21
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"O capitalismo passa por uma crise moral no mundo inteiro. O problema não é exatamente a sua eficácia econômica, mas o modo de vida que ele engendra". (Foto: Caroline Ferraz/Sul21)
“O capitalismo passa por uma crise moral no mundo inteiro. O problema não é exatamente a sua eficácia econômica, mas o modo de vida que ele engendra”. (Foto: Caroline Ferraz/Sul21)

Marco Weissheimer

A economia solidária é a única alternativa ao capitalismo não porque é mais eficaz economicamente que a capitalista, mas sim porque ela é solidária e precisamos da solidariedade para ser felizes e vivermos em paz. As pessoas estão cansadas deste modo de vida onde têm que competir o tempo todo sem parar. Por isso, o essencial na ideia de economia solidária está na segunda parte da expressão: a solidariedade. As afirmações são do economista Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária, que veio a Porto Alegre nesta segunda-feira (26) para conversar com trabalhadoras e trabalhadores da economia solidária do Rio Grande do Sul, na atividade de encerramento dos trabalhos da Subcomissão de Economia Solidária, presidida pelo deputado estadual Zé Nunes (PT).

O plenarinho da Assembleia Legislativa ficou pequeno para a palestra de Paul Singer. O público formado em sua esmagadora maioria por mulheres, representantes de empreendimentos de economia solidária, teve que se acomodar em outras duas salas para acompanhar a atividade por meio de telões. “Estou comovido com o que estou vendo aqui”, disse Paul Singer. “Não é só aqui, tenho visto isso em outros países também; há alguma coisa impactante acontecendo no mundo inteiro”, destacou o economista que, aos 83 anos, tem viajado para vários países para levar a experiência das políticas e das práticas de economia solidária implementadas no Brasil nos últimos anos. Nestas viagens, Singer disse ter presenciado o mesmo sentimento: as pessoas estão cansadas de um modo vida onde tem que competir e concorrer o tempo todo.

“Capitalismo passa por uma crise moral”

O economista reconheceu um certo paradoxo em sua posição. O mundo, disse, é mais do que nunca capitalista, baseado no liberalismo cuja essência econômica é a ideia da concorrência. “O capitalismo fomenta a ideia da concorrência em praticamente todos os níveis da vida humana, como se fosse a única motivação capaz de fazer as pessoas fazerem o que devem fazer. É exatamente isso que a economia solidária nega. A ideia de um comércio justo é incompatível com o capitalismo”, assinalou Singer. Para ele, o capitalismo passa por uma crise moral no mundo inteiro. O problema não é exatamente a sua eficácia econômica, mas o modo de vida que ele engendra. E a insatisfação com esse modo de vida é crescente, especialmente entre os jovens. “Estive recentemente no congresso europeu de economia solidária, em Berlim, e a presença da juventude é muito animadora”, relatou.

Paul Singer participou da atividade de encerramento dos trabalhos da Subcomissão de Economia Solidária, presidida pelo deputado estadual Zé Nunes (PT). (Foto: Raquel Wunsch)
Paul Singer participou da atividade de encerramento dos trabalhos da Subcomissão de Economia Solidária, presidida pelo deputado estadual Zé Nunes (PT). (Foto: Raquel Wunsch)

Paul Singer introduz um conceito que, apesar da resistência dos mais ortodoxos, começa a penetrar de modo mais acentuado o campo da economia: o da felicidade. A ideia parte de uma constatação básica: as pessoas querem viver bem e ser felizes. E o mundo atual impõe um ritmo de vida opressivo que obriga a imensa maioria do planeta a competir o tempo todo. “Não é que a economia solidária seja tão eficiente, mas sim que ela nos deixa mais felizes, sem precisar competir o tempo todo”, disse ainda Singer que citou uma recente pesquisa realizada na Alemanha e na Áustria, onde 70% dos entrevistados se disseram insatisfeitos com o capitalismo. O mais interessante nesta pesquisa, acrescentou o economista, é que, indagadas sobre o que queriam no lugar do capitalismo, as pessoas disseram: “felicidade”, uma resposta que lembra o índice da Felicidade Interna Bruta (FIB), desenvolvido no Butão.

Em busca da “Felicidade Interna Bruta”

O FIB nasceu em 1972, elaborado pelo rei butanês Jigme Singya Wangchuck. Com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o reino do Butão começou a colocar esse conceito em prática, atraindo a atenção do resto do mundo com uma fórmula para medir o progresso de uma nação. Segundo esse conceito, o cálculo da riqueza de um país deve considerar outros aspectos além do desenvolvimento econômico, como a conservação do meio ambiente e a qualidade da vida das pessoas. O índice está baseado na ideia de que o objetivo principal de uma sociedade não deveria ser somente o crescimento econômico, mas a integração de todas as dimensões da vida humana em busca de um bom viver, em harmonia com a natureza. Com cerca de 750 mil habitantes, o Butão se tornará, antes de 2020, o primeiro do mundo a produzir todos os seus alimentos com práticas de agricultura ecológica. A partir desta data, o uso de agrotóxicos estará proibido.

“O mais importante da economia solidária é a prática da solidariedade. Se vocês querem ser felizes, sejam solidários”, enfatizou Paul Singer. Esse conceito, advertiu, ultrapassa a dimensão meramente econômica. “As trocas solidárias são a essência da economia solidária. O significado dessa ideia transcende a esfera da economia. Economia solidária é uma forma de ser feliz e a gente só pode ser feliz se tem a consciência tranquila. E só temos a consciência tranquila se tratamos bem as outras pessoas”. A prática da solidariedade, insistiu o economista, é o principal ingrediente desta receita.

Os problemas da política nacional de economia solidária

Ao analisar a política nacional de economia solidária, o economista assinalou que os poucos recursos de que ela dispõe devem ficar ainda menores com o ajuste fiscal e apontou problemas nas parcerias com estados e municípios. “Fazemos uma política por meio de convênios. Temos hoje mais de 200 convênios, geralmente com estados e municípios, e a grande maioria fracassou. O grande problema é que os nossos parceiros, que recebem o dinheiro para fazer as coisas, acabam não fazendo por insuficiência técnica. Nossos governos estaduais e municipais não estão preparados para implementar essas políticas. A solução para isso é mais democracia, mais conselhos e fóruns de economia solidária que ajudem os governos a implementar as políticas”, disse Singer.

Quanto ao futuro das políticas nacionais de economia solidária, Paul Singer manifestou confiança no novo ministro do Trabalho e da Previdência Social, Miguel Rossetto, e no novo Secretário do Trabalho do ministério, José Lopez Feijóo. “Com essas pessoas no ministério, estou tranquilo. Teremos o apoio que precisamos. A economia solidária não vai perecer pela falta de apoio político. Precisamos é de mais reuniões como essa, onde possamos conversar e resolver juntos os problemas. O que não podemos perder de vista é que a função principal da economia solidária é propiciar que as pessoas possam se realizar integralmente como seres humanos”.


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