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23 de agosto de 2015
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21:46

China: um laboratório para estudar a evolução do capitalismo mundial

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Sul 21
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O crescimento na China abrandou e o panorama da economia mundial não indica que os seus mercados vão crescer como aconteceu no passado. (Foto: ChinaDaily)
O crescimento na China abrandou e o panorama da economia mundial não indica que os seus mercados vão crescer como aconteceu no passado. (Foto: ChinaDaily)

Alejandro Nadal

Processos que demoraram século e meio noutros países foram levados a cabo em poucos anos na China. Desde o triunfo da contrarrevolução nos turbulentos anos oitenta e o início das reformas, até este período de crise e rearranjos estruturais, o processo de acumulação na China oferece lições importantes que permitem reinterpretar o passado da economia capitalista mundial. Especialmente importante é a informação que nos proporciona a evolução do seu sistema financeiro.

A recente desvalorização do yuan é um sinal de que as autoridades chinesas toleraram mal a queda de 8,3 por cento nas exportações do gigante asiático, anunciada na véspera. O crescimento do PIB caiu e hoje não deve ser superior a 5 por cento (o dado oficial de 7 por cento é pouco confiável e a redução é maior).

Na realidade, a desvalorização é uma confissão de que a muito anunciada mudança do modelo de crescimento, para dar mais importância ao mercado interno, fracassou. O consumo interno não descola, porque no modelo capitalista chinês a exploração da mão de obra e os salários miseráveis continuam a ser uma fonte chave de rentabilidade.

Em 2009, quando a crise mundial se intensificava, o banco central chinês lançou um pacote de estímulo de mais de 4 bilhões de yuanes para aumentar o crédito. Desde essa data, o vício do crédito tornou-se cada vez mais intenso e hoje é necessário cada vez mais crédito para gerar menos crescimento. Entre 2007 e 2014 o crédito em proporção do PIB passou de 130 para 200 por cento. A contrapartida desta expansão do crédito é um endividamento desmedido por parte de quase todos os agentes da economia chinesa. No entanto, o crescimento continuou a sua tendência de baixa.

O desenvolvimento do sistema bancário na China segue um caminho tortuoso. Por um lado, os bancos comerciais estão sujeitos a uma regulamentação que parece severa. A restrição mais importante é que os bancos não podem outorgar empréstimos acima de 75 por cento dos seus depósitos. Mas esta restrição começou a travar o crédito, sobretudo agora que os bancos comerciais competem com as instituições do chamado sistema de bancos sombra. Enquanto este sistema nasceu há mais de três décadas nos Estados Unidos e na Europa, na China o seu desenvolvimento começou em 2000, mas o seu crescimento foi rápido. A definição do sistema de bancos sombra é algo impreciso, mas inclui operações muito importantes: empréstimos por conta de terceiros, créditos por empresas que não fazem parte do sistema financeiro, garantias e avales bancários, transferências de lucros de trustes e, é claro, um leque de operações com derivados financeiros sem registro nos balanços financeiros de bancos e outras instituições.

Ainda que os bancos sombra não estejam sujeitos à regulação do sistema formal, esta regulamentação obriga a que as operações sombra passem através da banca formal comercial. Por isso, pode afirmar-se que as operações na sombra são na realidade um disfarce de créditos outorgados pelos bancos do sistema convencional. O sistema sombra é, deste ponto de vista, uma fonte de operações e um canal de crédito que o banco central não pode controlar. Se travar e submeter este sistema paralelo, a economia chinesa sofrerá uma contração ainda mais severa.

O tamanho do sistema sombra na China é pequeno: os seus ativos representam 31 por cento do PIB (nos Estados Unidos e na Inglaterra esses ativos atingem 150 e 648 por cento, respectivamente). Mas uma lição da história dos sistemas bancários e financeiros é que os bancos convencionais e os bancos sombra mantêm relações simbióticas. Como as instituições sombra necessitam dos canais dos bancos formais, estes mantêm níveis de exposição significativos nas operações do sistema sombra. Para melhorar a sua competitividade, os bancos formais servem de cortina ao sistema sombra.

O crescimento na China abrandou e o panorama da economia mundial não indica que os seus mercados vão crescer como aconteceu no passado. Manter taxas de rentabilidade adequadas será cada vez mais difícil. De muitas direções aumentará a pressão para liberalizar ainda mais o sistema financeiro e bancário na China. O passo seguinte é a introdução de reformas que permitam aumentar a profundidade do sistema bancário sombra. A especulação, o sobreinvestimento e o aparecimento de bolhas vão aumentar.

Na sua idolatria da rentabilidade, o sonho de um capitalista é obter lucros sem passar por um processo produtivo real. A China não é exceção. É um sonho de difícil realização, mas há muito tempo que os capitalistas descobriram que a galinha dos ovos de ouro vive num espaço onde os sonhos se tornam realidade: é o ecossistema das sombras e da especulação.

(*) Artigo de Alejandro Nadal, publicado no jornal mexicano La Jornada em 19 de agosto de 2015. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net


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