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30 de março de 2021
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17:31

Assistência social da Capital reivindica ser incluída na vacinação prioritária contra covid-19

Por
Sul 21
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Assistência social da Capital reivindica ser incluída na vacinação prioritária contra covid-19
Assistência social da Capital reivindica ser incluída na vacinação prioritária contra covid-19
Prefeitura de Porto Alegre entende que profissionais da assistência social não estão entre os grupos prioritários, opinião diferente de Erechim, embora ambas digam seguir as orientações do Ministério da Saúde. Foto: Salete Teixeira/Divulgação PMPA

Luciano Velleda

Profissionais do Serviço Único de Assistência Social (SUAS) de Porto Alegre estão mobilizados para ingressar na lista dos grupos prioritários da vacinação contra a covid-19. Os trabalhadores planejam um ato nesta quinta-feira (1º), em frente à sede da Prefeitura, para cobrar do governo de Sebastião Melo (MDB) a previsão de quando serão vacinados. O plano de vacinação da Capital prevê 29 grupos prioritários e não inclui os assistentes sociais e demais trabalhadores do SUAS. Esta semana, a imunização começou a chegar ao público do 12º grupo, as pessoas com idade entre 65 e 69 anos de idade, assim como os profissionais de saúde liberais ou de estabelecimentos onde tenham atividade assistencial direta e presencial.

A insatisfação dos profissionais do SUAS leva em conta o fato da categoria não ter previsão de quando será vacinada, apesar de ter sido incluída como essencial durante a pandemia. Os trabalhadores afirmam atuar sob alto risco de contaminação devido à exposição nos abrigos para população em situação de rua, nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), nos Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), além de atividades de assistência nas periferias da cidade.

“Nós não éramos uma política essencial, nunca fomos, e por causa da pandemia fomos colocados como essenciais e estamos atendendo quem mais sofre com a pandemia, mas não estamos em nenhuma lista”, explica Sibeli Diefenthaeler, membra da Comissão de Saúde e Segurança (CSST) da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC). “Estamos muito expostos. As pessoas não conhecem nosso trabalho, a gente atende na rua quem sofre violência doméstica, quem sofre abuso…tem dia que atendemos 200 pessoas pra entregar cesta básica.”

A principal insatisfação de Sibeli é a contradição entre ser considerada uma profissional essencial, sem estar na lista dos grupos prioritários da vacinação. A insatisfação aumenta com os relatos de colegas do interior. Em cidades como Erechim e pequenos municípios da região do Vale do Caí, os trabalhadores do SUAS estão sendo vacinados. E mesmo em cidades maiores, como São Paulo, a imunização dos assistentes sociais está acontecendo.

“Por que outros municípios conseguem e nós não?”, questiona Sibeli, também integrante do Conselho de Representante Sindical da FASC. Sem entender exatamente como colegas do interior estão sendo vacinados, ela acredita ser possível incluir os trabalhadores do SUAS na campanha de imunização de Porto Alegre, se os governantes quiserem.

Sentimento semelhante tem a educadora social Veridiana Farias Machado, funcionária do Abrigo Municipal Marlene, em Porto Alegre, onde atende pessoas em situação de rua. Trabalhar tem sido uma preocupação constante para ela, com notícias diárias de colegas sendo contaminados pelo coronavírus, em funções onde não existe a possibilidade de atuar de casa. No abrigo, localizado na avenida Getúlio Vargas, trabalham cozinheiras, vigilantes, porteiros, psicólogos e assistentes sociais.

“Nós somos considerados essenciais, não podemos parar e, inclusive, colocamos em risco as pessoas em situação de rua, que já têm muitas comorbidades. A gente quer vacina pra todos e entendemos que esse problema é pela falta de vacina, mas é preciso minimamente olhar para quem não pode trabalhar em home office. É ter sensibilidade e olhar para quem faz o serviço essencial e não tem como trabalhar em casa”, afirma Veridiana.

Atualmente, o Abrigo Marlene opera com metade da capacidade, uma situação que, ela avalia, até poderia ser ampliada se houvesse a vacinação dos trabalhadores do local e das pessoas em situação de rua. No plano de imunização de Porto Alegre, as pessoas em situação de rua estão no grupo prioritário 16.

Veridiana pega dois ônibus para ir e dois para voltar do trabalho, rotina que aumenta o risco de contágio no transporte público, expondo a si mesma e também o público por ela atendido no abrigo. A educadora social compara sua situação com a das próprias pessoas em situação de rua. “Nós somos essenciais, mas somos tão invisíveis como as pessoas que atendemos. Ninguém fala dos profissionais da assistência social”, lamenta.

Há desentendimento se assistentes sociais são ou não considerados trabalhadores da saúde dependendo do local onde atuam. Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

Plano Nacional de Imunização

Em Erechim, desde o dia 24 de março, assistentes sociais têm sido vacinados, assim como os trabalhadores do CRAS, incluindo educadores sociais, técnicos e cadastradores do CadÚnico, além de outras categorias profissionais, como nutricionistas, biomédicos, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos e psicólogos. A Secretaria de Saúde do município informa seguir o Plano Nacional de Imunização do Ministério da Saúde, bem como as orientações da Secretaria Estadual da Saúde (SES).

Outras cidades menores da região do Alto Uruguai também estão vacinando os trabalhadores do SUAS, como Gaurama e Severiano de Almeida. O mesmo ocorre em pequenos municípios da região do Vale do Caí.

O diretor da Vigilância Sanitária da Prefeitura de Porto Alegre, Fernando Ritter, concorda com a insatisfação dos trabalhadores do SUAS da Capital. Para ele, tais profissionais deveriam estar na mesma linha de prioridade dos trabalhadores da área da saúde. No entanto, ao contrário dos municípios da região do Alto Uruguai, Ritter diz que essa não é a orientação do Plano Nacional de Imunização (PNI) e que o plano de vacinação de Porto Alegre segue os grupos prioritários estabelecidos no PNI e as orientações da Secretaria Estadual da Saúde (SES).

Ritter explica que os assistentes sociais atuantes em instituições de saúde têm direito à vacina, o mesmo não ocorrendo com aqueles que trabalham em abrigos, CRAS e CREAS porque esses locais não são considerados instituições de saúde. “Os assistentes sociais não se enquadram no processo porque não estão no estabelecimento de saúde, mas sou à favor de que eles sejam vacinados. O governo apoia e acho que tem que ser modificado”, afirma.

No caso dos abrigos que atendem pessoas em situação de rua, Ritter pondera que, embora prestem serviço de interesse à saúde, não são reconhecidos como instituições de saúde. Apesar de concordar com a reivindicação dos assistentes sociais, ele diz não ter autonomia para fazer alteração nos grupos prioritários determinados pelo Ministério da Saúde ou mesmo mudar a ordem das prioridades, sob pena de ser responsabilizado judicialmente.

“Eu não tenho autoridade para passar as pessoas com doenças crônicas na frente dos idosos. Não posso passar na frente os professores. Se eu tivesse dose para todos, não precisava isso”, afirma Ritter. O diretor da Vigilância Sanitária de Porto Alegre enfatiza que todo brasileiro acima de 18 anos tem direito à vacina e que a situação de haver grupos prioritários é consequência da falta de doses e da condução equivocada da crise pelo governo federal.

“Hoje, estou repartindo a migalha, estou dando um pouco pra cada um da miséria (de doses) que estão nos dando”, lamenta. Ele lembra que a situação dos trabalhadores do SUAS é igual a dos funcionários do DMAE e do DMLU que, embora realizem serviço essencial, não estão entre os grupos prioritários.

Questionado sobre as escolhas da vacinação em outros municípios, Ritter comenta ser um risco do gestor. Como exemplo, cita o caso da Prefeitura de Bagé, que passou na frente os trabalhadores da segurança pública e agora está sofrendo questionamento do Ministério Público Estadual (MPE). O diretor da Vigilância Sanitária de Porto Alegre diz já ter sido feito um pedido ao Ministério da Saúde para haver mudanças nos grupos prioritários. “Se me dessem doses, vacinaria todo mundo.”

A impossibilidade de fazer mudança nos grupos prioritários também é enfatizada por Ana Costa, diretora do Departamento de Ações em Saúde da Secretaria Estadual da Saúde. Ela reafirma o entendimento de que somente o Ministério da Saúde altera a ordem da vacinação, baseado em dados técnicos e epidemiológicos, e que qualquer mudança deve vir do Plano Nacional de Imunizações.

Segundo ela, o Estado recebe vacinas para imunizar um determinado grupo e, obrigatoriamente, precisa cumprir a determinação. “Dar uma vacina para quem a dose não veio significa deixar de assistir a outros”, afirma. “Esperamos que as vacinas venham em grande número e possamos rapidamente atender a todos.”

Profissionais do SUAS que atendem pessoas em situação de risco afirmam estar sob risco de contaminação do coronavírus. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Entre notas técnicas, ofícios e resoluções

A diferença de entendimento entre as prefeituras aponta para a interpretação das orientações do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual da Saúde. A Prefeitura de Erechim, por exemplo, entre outros documentos, cita o Ofício Circular Nº 57/2021, da Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) do Ministério da Saúde. Datado do dia 12 de março, o ofício traz orientações técnicas da vacinação do grupo prioritário dos trabalhadores da saúde.

Logo no início, o documento diz: “Considera-se trabalhadores da saúde a serem vacinados na campanha, os indivíduos que trabalham em estabelecimentos de assistência, vigilância à saúde, regulação e gestão à saúde; ou seja, que atuam em estabelecimentos de serviços de saúde, a exemplo de hospitais, clínicas, ambulatórios, unidades básicas de saúde, laboratórios, farmácias, drogarias e outros locais”.

Na sequência, o ofício explica que, dentre os trabalhadores de saúde estão os profissionais representados em 14 categorias, conforme resolução n° 287, de 8 de outubro de 1998, do Conselho Nacional de Saúde: assistentes sociais, médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, biólogos, biomédicos, farmacêuticos, odontólogos, fonoaudiólogos, psicólogos, profissionais da educação física, médicos veterinários e seus respectivos técnicos e auxiliares, dentre outros.

O documento afirma que devem ser vacinados os trabalhadores que atuam nos estabelecimentos de serviços de interesse à saúde das instituições de longa permanência para idosos (ILPI), casas de apoio e cemitérios. Por outro lado, não devem ser vacinados os trabalhadores dos demais estabelecimentos de serviços de interesse à saúde, como academias de ginástica, clubes, salão de beleza, clínica de estética, óticas, estúdios de tatuagem e estabelecimentos de saúde animal.

O governo do Estado, por sua vez, informa que as orientações sobre os grupos prioritários estão contidas na Resolução N° 025/21 da Comissão Intergestores Bipartite do RS, também baseada nas determinações do Ministério da Saúde. O documento organiza os trabalhadores da saúde em 13 grupos e em nenhum deles cita os assistentes sociais. A Secretaria Estadual da Saúde explica que os municípios podem vacinar outro grupo assim que completarem aqueles estabelecidos na resolução.   

Equilíbrio

O infectologista Ronaldo Hallal, membro da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia, avalia que os critérios para a definição dos grupos prioritários devem levar em consideração dois fatores: o risco de mortalidade e aqueles grupos que mais contribuem na cadeia de transmissão do vírus.

Assim, Hallal concorda com a prioridade dada no PNI para idosos e pessoas com comorbidades, os grupos que mais morrem de covid-19, assim como a prioridade dos profissionais da saúde por serem altamente expostos e ainda poderem ser vetores do vírus.

No caso dos trabalhadores do serviço social, ele acredita haver uma espécie de meio-termo entre serem ou não incluídos como profissionais da saúde. O infectologista destaca o fato dos abrigos para população em situação de rua normalmente serem locais que causem aglomeração, além da vulnerabilidade das pessoas atendidas no espaço, e o risco dos trabalhadores do SUAS contraírem o vírus e propagá-lo para outros públicos.

“É um bom debate sim. É uma população que teria necessidade maior do que outros grupos”, diz Hallal. Com poucas doses disponíveis, a priorização é necessária e inevitável. O desafio neste momento, reforça o infectologista, é considerar os grupos com maior risco de morte e os grupos mais suscetíveis em espalhar o vírus pela cidade. Encontrar tal equilíbrio é o desafio dos gestores públicos.


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