Coronavírus
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19 de agosto de 2020
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22:29

Falta de testes assombra profissionais da saúde: ‘Não são suficientes aplausos das janelas. É preciso cuidar’

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Sul 21
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Falta de testes assombra profissionais da saúde: ‘Não são suficientes aplausos das janelas. É preciso cuidar’
Falta de testes assombra profissionais da saúde: ‘Não são suficientes aplausos das janelas. É preciso cuidar’
Exigência dos trabalhadores do Hospital Conceição em serem testados para o coronavírus foi parar na Justiça. Foto: Cristine Rochol/PMPA

Luciano Velleda

Desde que a crise do novo coronavírus começou no Rio Grande do Sul, em março, os trabalhadores da área da saúde cobram das autoridades as condições necessárias para exercer o ofício. Expostos diariamente e diretamente ao vírus, no começo do enfrentamento da doença, os equipamentos de proteção individual (EPIs) eram a principal necessidade. Com o avanço do contágio no Estado e em Porto Alegre, os testes passaram a ser um elemento vital. Cinco meses depois, a situação ainda é complicada. Na Capital, em que pese a Prefeitura ter anunciado nos últimos meses a ampliação dos testes de RT-PCR, o principal para diagnóstico clínico, os trabalhadores da saúde seguem reclamando. A principal queixa é que apenas trabalhadores com sintomas são testados, enquanto colegas de quem testou positivo não são.

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A questão chegou aos tribunais. Uma ação movida pelo Sindisaúde-RS e a Associação dos Servidores do Grupo Hospitalar Conceição (Aserghc) cobra que todos os trabalhadores, inclusive os que não apresentam sintomas, tenham o direito a fazer o teste, pois atuam em situação de risco nos hospitais ou nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Nesta quinta-feira (20), uma nova rodada de mediação será feita entre os dirigentes das entidades e a direção do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4).

Arlindo Ritter, funcionário do GHC e presidente da Aserghc, destaca que os trabalhadores da saúde são essenciais no enfrentamento da pandemia e estão expostos a alta carga viral. Ele argumenta que, no atual estágio da doença, todas as áreas do hospital são de risco, seja na emergência, na manutenção ou até mesmo no setor administrativo. Técnico em segurança do trabalho, defende que todos os trabalhadores da saúde sejam testados, e aqueles que estão na linha de frente, a cada 7 dias. Um dos principais problemas, aponta Ritter, é a falta de testes nos trabalhadores assintomáticos, pois embora não apresentem sintomas, tais profissionais são transmissores do vírus.

“Esses trabalhadores estão passando (o vírus) para os outros. A gente exige o PCR. Hoje todas as áreas do hospital são críticas”, afirma o presidente da Associação dos Servidores do Grupo Hospitalar Conceição (Aserghc). Em abril, ele se contaminou com o coronavírus e ficou uma semana internado com o uso de oxigênio. Morador de Esteio, seus familiares fizeram o teste na cidade da região metropolitana, pois não conseguiram em Porto Alegre. Diante da burocracia, Ritter diz que há colegas pagando o teste com recurso próprio.      

Funcionário do Hospital Cristo Redentor e diretor jurídico do Sindisaúde-RS, Valmor Guedes destaca que, desde o início da pandemia no Rio Grande do Sul, os trabalhadores da saúde sempre pediram a testagem geral, como estratégia para identificar os assintomáticos, seguido pelo monitoramento constante. “Essa é a lógica que defendemos desde sempre.”

Independentemente da exposição a que estão submetidos os profissionais da saúde, Guedes diz que a situação não mudou nos últimos meses, apesar de a doença ter avançado muito na Capital gaúcha. Apenas os trabalhadores com sintomas são testados, ele afirma. Para os assintomáticos, a resposta costuma ser de que “não há necessidade”.  “As pessoas estão também adoecendo mentalmente por causa do pânico. Não consigo entender tanta insensibilidade. O clima nos hospitais é de muita insegurança”, enfatiza.

O diretor jurídico do Sindisaúde-RS pondera que, talvez, haja o medo de ampliar a testagem e, na medida em que se detectar novos casos positivos, haver a necessidade de afastar esses trabalhadores. Com isso, a situação nos hospitais, que já é difícil, ficaria ainda pior com menos profissionais disponíveis. Seja como for, Guedes não se conforma com a situação. “Os testes vão chegar quando, junto com a vacina?”, questiona. “É uma situação absurda.” 

Proteção de quem protege

No último dia 13 de agosto, o Sindisaúde levou o infectologista Ronaldo Hallal à rodada de mediação no TRT-4. Diante de justificativas técnicas do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) para não testar os assintomáticos, a intenção foi fazer uma defesa contrária também técnica. Na ocasião, o infectologista fez uma exposição da situação enfrentada pelos trabalhadores da saúde no atual estágio da crise sanitária. “Tenho percebido que seria necessário ampliar a testagem dos profissionais porque é uma população mais exposta. E eles representam a ‘mão de obra’ para enfrentar a pandemia”, explica.

Hallal acredita que o problema não está sendo encarado com a gravidade que exige. Os profissionais das UTIs, por exemplo, que são os mais expostos, são trabalhadores com treinamento específico, intensivistas, fundamentais no enfrentamento da covid-19. Mas não só. O infectologista cita o papel importante desempenhado pelos trabalhadores em contato direto com grupos de risco, como idosos em instituições de longa permanência, geriatrias, ou pessoas com doenças graves em hospitais. Sem serem testados, esse profissionais podem ser assintomáticos levando o vírus para pessoas com saúde frágil. “Eles podem ser uma ponte de transmissão para as populações de maior risco.”

Por isso, Hallal defende que seja criada uma rotina de testes de PCR e uma estratégia de vigilância, de modo a se antecipar e conseguir detectar os trabalhadores assintomáticos. “Os profissionais da saúde assintomáticos podem contribuir para o aumento da mortalidade”, afirma. O infectologista diz, inclusive, que há casos de surtos relacionados justamente com profissionais assintomáticos. “Essa é uma área sensível. Não são suficientes aplausos das janelas. É preciso cuidar dos cuidadores.”

O infectologista, que recentemente participou de uma live com o Sul21, avalia haver alguma dificuldade no acesso aos testes PCR em Porto Alegre. Ele pondera que, aparentemente, parece que os testes rápidos têm sido priorizados. O problema, explica, é que tais testes apenas revelam que a pessoa já teve contato com o vírus, mostram uma informação “do passado”, não sendo úteis para o diagnóstico clínico do momento. 

Hallal critica o descompasso entre os testes PCR com fins de interesse público, em comparação com interesses privados e não essenciais, como o futebol. “Os jogadores fazem testes várias vezes, têm testes a cada rodada do futebol. E não têm testes para quem está na linha de frente nos hospitais”, destaca o infectologista. 

Além da falta de testes, o médico aponta outro elemento equivocado no atual cenário de enfrentamento da pandemia: o uso de medicamentos ineficazes por parte dos trabalhadores da saúde. Hallal critica o suposto tratamento profilático com ivermectina e hidroxicloroquina, substâncias sem eficácia comprovada. Para ele, além de expor os profissionais aos efeitos colaterais de tais remédios, ainda se cria uma falsa sensação de proteção. 

Na noite desta quarta-feira, enquanto começa mais uma rodada do Campeonato Brasileiro com jogos de Inter e Grêmio, com seus atletas devidamente testados, o Sindisaúde e a Associação dos Servidores do Grupo Hospitalar Conceição projetam na Rua dos Andradas, na Av. Osvaldo Aranha e no Viaduto Obirici, a mensagem em defesa dos profissionais que se dedicam diariamente a salvar a vida de quem está com covid-19: “Testagem Já”.


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