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6 de julho de 2020
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21:02

Prefeito de Rio Grande explica bandeira preta: faltam leitos, médicos e medicamentos para UTIs

Por
Luís Gomes
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Prefeito de Rio Grande explica bandeira preta: faltam leitos, médicos e medicamentos para UTIs
Prefeito de Rio Grande explica bandeira preta: faltam leitos, médicos e medicamentos para UTIs
Prefeito de Rio Grande, Alexandre Lindenmeyer, em imagem de arquivo |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Apesar de o governo do Estado atribuir a bandeira vermelha para a região no modelo de distanciamento controlado, a Prefeitura de Rio Grande tomou no sábado (4) a decisão de adotar protocolos de bandeira preta no município. Rio Grande segue um modelo próprio de distanciamento, o Modelo Papareia de Distanciamento Social Controlado, criado pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG) em parceria com a Prefeitura, a partir do modelo estadual.

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A adoção da bandeira preta significa que quase a totalidade dos serviços não-essenciais não terão permissão para abrir pelo prazo de uma semana. As atividades essenciais são reguladas pelo Estado e, por isso, deverão respeitar os protocolos da bandeira atribuída pelo governo (confira aqui o que fecha e o que segue aberto).

Ao anunciar a decisão de colocar a cidade sob bandeira preta, o prefeito Alexandre Lindenmeyer (PT) foi taxativo ao dizer que este é o momento de “puxar o freio de mão”, porque, caso contrário, faltarão leitos de UTI e medicamentos para o tratamento de qualquer doença. Segundo a Prefeitura, Rio Grande está com 100% de seus leitos designados para covid-19 já ocupados. O município já registra 379 casos confirmados e 8 óbitos por covid-19.

Nesta segunda-feira, Lindenmeyer conversou com a reportagem do Sul21 e explicou o que levou a Prefeitura a adotar a bandeira preta. “Nós temos 100% dos leitos covid ocupados e em torno de 90% dos leitos gerais. Considerando não só Rio Grande, mas a região e o Estado, a ocupação está na casa dos 80%, 90% dos leitos de UTI. Então, essa gravidade da falta de leitos, ao mesmo tempo somando com a escassez de medicamentos para a área de UTI e também a escassez de recursos humanos, isso tudo agravou o cenário para que a gente pudesse tomar uma decisão dessa natureza”, disse.

Lindenmeyer destacou que, entre as medidas que acompanham a bandeira preta, está a decisão de estabelecer barreiras sanitárias em determinados pontos da cidade e impedir o acesso à orla da Praia do Cassino. “Aparecia um dia de sol, o povo ia. Muita circulação de gente da região, para dar uma circulada. ‘Vamos dar uma circulada lá no Cassino’. Porque a praia é bonita e, enfim, a praia é de todos, não é de Rio Grande, é a praia da região sul. Então, diante disso, nós acabamos fazendo a interrupção de acesso à praia e também estamos trabalhando neste sentido na área de orla”, afirmou.

Confira a entrevista com o prefeito de Rio Grande, Alexandre Lindenmeyer.

Sul21 – O que levou a Prefeitura a decidir por adotar a bandeira preta?

Alexandre Lindenmeyer: Na prática, nós temos aqui um comitê técnico em saúde, representado pelos hospitais, pela universidade, pelo instituto federal e pela Prefeitura. E nós acabamos criando um modelo de distanciamento controlado local, que leva em conta indicadores locais, regionais, macrorregionais e também estaduais. Então, a combinação dos fatores que nós tivemos, para a semana que passou, ela ainda nos colocava na bandeira vermelha. Porém, tivemos um aumento significativo de casos de covid na sexta-feira (3), onde tivemos registro de 51 novos casos, mais um óbito. Então, em combinação com o fato de 100% dos leitos ocupados e mais a escassez dos medicamentos, sejam relaxantes musculares ou sedativos para a entubação, acabou que o comitê manifestou pela necessidade de nós fazermos medidas mais drásticas, mais restritivas, para diminuirmos a proliferação do vírus aqui no município, considerando, principalmente, o fato de que nós saímos lá do dia 11 de maio com 9 casos e hoje nós já estamos superando os 300 casos. Isso tudo nos preocupa.

Sul21: Uma fala repetida pelas autoridades, em geral, é de que o principal desafio é quanto à capacidade do sistema de saúde suportar o crescimento de contágio, porque a covid se espalha muito rapidamente. Como está a situação do sistema de saúde em Rio Grande?

Alexandre Lindenmeyer: Nós temos 100% dos leitos covid ocupados e em torno de 90% dos leitos gerais. Considerando não só Rio Grande, mas a região e o Estado, a ocupação está na casa dos 80%, 90% dos leitos de UTI. Então, essa gravidade da falta de leitos, ao mesmo tempo somando com a escassez de medicamentos para a área de UTI e também a escassez de recursos humanos, isso tudo agravou o cenário para que a gente pudesse tomar uma decisão dessa natureza. Evidentemente, impacta, porque a decisão para a região é a vermelha, mas a necessidade foi em função do crescimento do número de casos de forma muito exponencial, número de óbitos e, além disso, a saturação da estrutura hospitalar existente em termos de leitos de UTI. E, muito embora nós tenhamos mais leitos de UTI do que Pelotas, nós ocupamos de forma muito mais rápida, principalmente pelo fato de que a central de regulação de leitos do Estado acabou mandando para Rio Grande, de forma mais célere, um número maior de pacientes. Então, acabou gerando 100% dos leitos. Ainda tem outra coisa que temos discutido que é a forma de partilha dos recursos de combate à covid, que são bem desproporcionais.

Sul21: A Prefeitura tem informações de quantos leitos são ocupados por pacientes de fora da cidade e quantos por moradores de Rio Grande?

Alexandre Lindenmeyer: No começo, nós tínhamos 20% de Rio Grande e o resto de fora, 30% de Rio Grande e o resto de fora. Agora, nós já estávamos com 80% dos leitos covid ocupados por pessoas aqui da cidade. O problema todo é que os recursos que chegam aqui são muito pequenos comparativamente a outras cidades. Por exemplo, nós somos referência hospitalar para 1 milhão de pessoas, assim como Pelotas. Lá atrás, Pelotas recebeu 13 milhões e pouco de repasse, nós recebemos 900 e poucos mil. Na quinta-feira passada, em uma nova partilha, veio 19,7 milhões para Pelotas, 2,8 milhões para Bagé, 2,7 milhões para Rio Grande, R$ 2,1 milhões para São José do Norte, R$ 1,9 milhão para São Lourenço. Ou seja, considerando que a rede hospitalar, o número de leitos de UTI está entre Pelotas e Rio Grande, a proporção daquilo que nós estamos recebendo em termos de repasse é insignificante para o combate do momento em que a gente está. E, principalmente, quando a central de regulação de leitos covid do Estado demandou muito mais, nos últimos 50 dias, os leitos de Rio Grande em relação a outros de outras regiões da metade sul. Então, tivemos no final de semana um problema de quase falta de medicamentos, entrou até ajuda do Uruguai nessa pauta, nós conseguimos em Montevidéu, porque o Brasil está sem abastecimento de medicamentos para leitos de UTI. Ou seja, não é um problema exclusivo da nossa cidade, é falta de recursos humanos para médicos intensivistas, falta de medicamentos, falta de leitos e uma propagação do vírus de forma muito rápida no nosso Estado, e a nossa região não é diferente. E Rio Grande tem uma característica, nós somos a cidade que tem efetivado o maior volume de testes. Porque, a partir do momento que nós temos a testagem, nós conseguimos identificar quem está positivado e, a partir daí, com a estratégia de saúde da família, a gente consegue fazer uma abordagem na tentativa de controlar a propagação do vírus.

Sul21 – Prefeito, o senhor está destacando de forma bastante veemente a falta de medicamentos no sistema de saúde. Qual é a situação de Rio Grande?

Alexandre Lindenmeyer: Para tu intubar um paciente, tu precisa ter sedativos e os relaxantes musculares. O Ministério da Saúde diz que ainda vai demandar uns 15 dias, não para normalizar, para diminuir o problema. Sexta-feira (3), em audiência com o governador e com a secretária de Saúde, ela dizia que está tentando junto ao Ministério conseguir medicamentos e equipamentos e está tudo muito escasso. Então, essa medida aqui de Rio Grande pode parecer drástica, mas é na busca de tentarmos diminuir essa propagação. Se for muito rápido, entra em colapso o sistema de saúde, que já é insuficiente, principalmente nos períodos de inverno, com as doenças respiratórias. É uma combinação muito dura, a questão das doenças respiratórias e mais uma pandemia. É um processo muito difícil.

Sul21 – Tu disseste que a Prefeitura está fazendo um esforço para ampliar os testes e rastrear a doença. O que mais está sendo planejado para reforçar o enfrentamento ao vírus, além de pedir para as pessoas ficarem mais em casa?

Alexandre Lindenmeyer: Nós estamos interrompendo o acesso tanto da Praia do Cassino, como das áreas ribeirinhas e da Lagoa [dos Patos]. Nós estamos trabalhando também com a possibilidade de, ainda neste semana, implantarmos barreiras sanitárias dentro do município, porque nós não temos como fazer barreira na BR e na RS, mas, dentro do município, nós temos. Nas rodovias não se têm possibilidade porque não se tem efetivo, tanto da Polícia Rodoviária Federal, como da Ecosul, que nos dê suporte para fazermos essas barreiras. Então, são outras alternativas que estamos trabalhando para essa semana.

Sul21 – Ainda que estejamos no inverno, muitas pessoas estavam indo à Praia do Cassino?

Alexandre Lindenmeyer: Sim, aparecia um dia de sol, o povo ia. Muita circulação de gente da região, para dar uma circulada. ‘Vamos dar uma circulada lá no Cassino’. Porque a praia é bonita e, enfim, a praia é de todos, não é de Rio Grande, é a praia da região sul. Então, diante disso, nós acabamos fazendo a interrupção de acesso à praia e também estamos trabalhando neste sentido na área de orla. Com relação a outras atividades, a posição é pelo fechamento, esperando a compreensão das pessoas.

Sul21 – No sábado, o senhor fez uma fala bastante forte de que esse é o momento em que não é possível ter descuido e deixar avançar além do nível atual. Como está a adesão ao isolamento na cidade?

Alexandre Lindenmeyer: Uma boa parte das pessoas faz a adesão. Por outro lado, por vezes, a gente se depara com alguns discursos que acabam incentivando as pessoas a relativizarem a necessidade desse olhar de cuidado, desse olhar de distanciamento, da utilização das máscaras, da higienização das mãos. Então, por vezes, esse convencimento da população acaba perdendo alguma força por conta de algumas manifestações contrárias de pessoas que são referência em âmbito nacional, por vezes estaduais, e que encontram eco em alguns segmentos. Mas, a adesão, do meu ponto de vista, tem sido boa e espero que haja uma maior adesão agora com uma decisão tão forte quanto essa, que é nós termos que fechar algumas áreas de atuação do nosso município, o que impacta na vida das pessoas. Nós vamos passar por esse problema econômico e outras dificuldades, mas, independentemente disso, nós queremos preservar a questão das vida, que infelizmente já perdemos algumas.

Sul21 – O senhor tem sofrido muitas pressões de setores econômicos?

Alexandre Lindenmeyer: Evidente, evidente. Infelizmente, a lógica para alguns é ‘vamos trabalhar e deixa que morrem os mais fracos e sobrevivem os mais fortes’. Isso faz parte do contexto, tem que encarar com normalidade, com serenidade e ter a convicção de que ao meu lado tem ali uma decisão respaldada por um comitê formado por pessoas da área da saúde, infectologistas, epidemiologistas, que têm um olhar voltado para a defesa da saúde.


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