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1 de abril de 2020
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20:07

Transmissão dentro da Santa Casa faz de Bagé a 2ª cidade do RS com mais casos de coronavírus

Por
Luís Gomes
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Transmissão dentro da Santa Casa faz de Bagé a 2ª cidade do RS com mais casos de coronavírus
Transmissão dentro da Santa Casa faz de Bagé a 2ª cidade do RS com mais casos de coronavírus
Segundo infectologista, casos da cidade estão relacionados, por enquanto, à Santa Casa de Caridade de Bagé | Foto: Divulgação

Luís Eduardo Gomes

De acordo com o mapa do coronavírus atualizado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), Bagé, localizada próximo à fronteira com o Uruguai, se tornou nos últimos dias a segunda cidade do Rio Grande do Sul com maior número de casos de Covid-19 confirmados. Até o último boletim divulgado pela SES na terça-feira (31), 15 casos já haviam sido confirmados na cidade — Porto Alegre tinha 190.

A peculiaridade de Bagé é que os casos registrados até o momento podem ser ligados a um ambiente, justamente ao maior hospital da cidade, a Santa Casa de Caridade, como explica Paula F. Martinez, infectologista que atua na instituição. “A maioria das nossas suspeitas são ligadas ao hospital”, diz.

Segundo ela, o caso zero da cidade é considerado o do provedor da Santa Casa, que foi diagnosticado com coronavírus após retornar de viagem ao Rio de Janeiro. A partir daí, a médica viu todos os demais casos se confirmarem “ao seu redor”. Martinez afirma que mesmo um caso que ganhou notoriedade recente, de um detento do sistema penitenciário da região, pode ser relacionado ao hospital.

“É um paciente do sistema carcerário que estava aqui por uma semana e dentro dessa semana aconteceram muitas coisas, entre elas muitos funcionários que acabaram tendo contato com o germe. Ele pode ter adquirido assim, como eu também estou suscetível a entrar em contato com o vírus trabalhando. Mas, a questão dessa disseminação estar só a partir do hospital, ao meu ver, é sim”, diz.

Nesse sentido, a infectologista afirma que ainda não é possível dizer que há transmissão comunitária em Bagé, isto é, quando a origem do contato que resultou na contaminação já não pode mais ser identificada.

Por outro lado, diz que já não é mais possível considerar que o vírus tem circulado apenas pela Santa Casa. Segundo ela, há um grande atraso no tempo de respostas dos testes de coronavírus atualmente. Além disso, foi feito um pequeno número de testes na região. No entanto, ela avalia que a capacidade de testagem no hospital e na cidade deve aumentar a partir de agora. “Por consequência, vamos ter muitos diagnósticos”, afirma, prevendo que a cidade deve, com isso, manter a segunda posição em casos de coronavírus nas próximas semanas.

Apesar disso, ela diz que, por enquanto, Bagé está ganhando no enfrentamento contra o vírus. “A questão de ter sido intra hospitalar se tornou um desafio um pouco mais difícil para mim, no caso, como infectologista, para o controle de infecção, mas a gente está ganhando. Temos todos esses casos e nenhum paciente grave e em ventilação mecânica”.

Medidas adotadas e preocupações

A infectologista afirma que a principal medida tomada pela Santa Casa para evitar a propagação do vírus foi reforçar as políticas de higienização pessoal da equipe da Santa Casa, adequar o manejo dos EPIs pelos funcionários e fazer a separação dos pacientes que contraíram coronavírus dos demais que estão em isolamento no hospital.

Ela avalia que, até o momento, ainda não foi registrada falta de equipamentos de tratamento dos pacientes e de proteção dos trabalhadores da saúde. No entanto, alerta que não é possível saber por quanto tempo o cenário permanecerá assim. “A gente já não encontra mais hoje o avental impermeável, que precisa na UTI, para comprar. São materiais descartáveis e eu não consigo reutilizar. Já começa a faltar”, exemplifica.

Outro material que o hospital tem encontrado dificuldade encontrar junto a fornecedores são oxímetros, aparelhos que fazem a medição da circulação a partir do dedo dos pacientes. Em uma tentativa, conseguiram comprar apenas oito. “Se o paciente não tem, eu vou tirar da onde? Falta fabricação”, pontua.

Preocupação com o inverno

Até o momento, Martinez avalia que a população de Bagé tem respeitado as orientações de permanecer em isolamento e manter o distanciamento social em relação a pessoas de fora do núcleo familiar. E, para ela, isso está funcionando na contenção do vírus.

“O processo de contaminação e disseminação do vírus está lentificado. Por mais que na mídia se coloque como intensa, extensa, enfim, as comparações que são feitas, para mim, como infectologista, não servem. Comparar a Itália com o Brasil não é a mesma coisa. A começar pelo tamanho. Então, eu acho que a gente está no ápice do isolamento social e está funcionando. As complicações vão existir estatisticamente, mas, se existir menos exposição, a gente está tendo o controle da situação”, pontua.

A respeito do impacto que o inverno que se aproxima terá no combate ao vírus, com meses em que o frio deve ser rigoroso no interior do Estado, a médica diz que há, sim, apreensão com a possibilidade de sobreposição do coronavírus com outros, como a influenza. Ela avalia, por exemplo, que o isolamento é muito mais difícil de ser feito em clima frio, por questões como o arejamento de espaços fechados e pela própria dificuldade de manter o distanciamento social. “O inverno vem para tornar o manejo da situação mais difícil sim”.

Diante disso, ela diz que a vacinação contra a gripe deveria ser uma das medidas prioritárias a serem tomadas. “A gente precisa estimular essa imunidade de influenza na população para gente ter um problema a menos”, diz.

Martinez alerta ainda para a necessidade de as pessoas manterem também a saúde mental. “Existe um conflito de ciência, com política e economia que acaba adoecendo as pessoas de forma psiquiátrica, não é nem psicológica. Eu acho que precisa ter um alinhamento desses discursos, ter um bom senso. ‘Ah, porque o ideal é todo mundo ficar em isolamento’ ou o ‘ideal é todo mundo voltar por causa da economia’. Calma, é muito sentimento envolvido, muitas coisas envolvidas. Existe uma forma de quebrar esse isolamento, mas não é de uma hora para a outra”.


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