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19 de setembro de 2019
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20:49

Mãe recebe advertência do condomínio por choro de filhos com pneumonia

Por
Sul 21
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Annie Castro 

Neste mês, os filhos da dentista Luciana Krull foram diagnosticado com pneumonia e tiveram que tomar antibiótico por cerca de dez dias. Durante esse período, os gêmeos de apenas dois anos e seis meses de idade passaram diversas noites tossindo, vomitando e chorando devido à doença. Eles também desenvolveram bronquite e otite. “Foram noites bem difíceis, eles choraram mais que o normal, mas não foi nada de muitas horas seguidas”, relata Luciana. No último dia 16, ela foi surpreendida por uma advertência do condomínio em que vive com o marido e os filhos pela infração de “choros e gritos de criança antes das 7h da manhã”.

“Eu não sabia que era possível uma criança ser advertida por conta de choro. Eles tinham acabado de passar por um episódio de pneumonia”, relatou Luciana ao Sul21. Segundo a dentista, nem a síndica e nem seus vizinhos fizeram algum contato anterior com ela ou com o seu marido para dialogar sobre a situação. “Ninguém tinha me notificado em relação à nada. Ninguém me ligou ou interfonou, ninguém chegou até mim, ninguém perguntou o que estava acontecendo ou ofereceu ajuda. De repente, você abrir o e-mail e receber uma notificação por um motivo desses foi algo surreal. Eu fiquei muito impactada”, disse a dentista, que mora desde dezembro de 2018 no edifício, na cidade do Rio de Janeiro.

Na mesma hora em que recebeu o e-mail, ela enviou uma resposta para a síndica do prédio. “Coloquei tudo que eu informei no post [no Facebook], que as crianças estavam doentes, e também que quem reclamou deveria ter tido a sensatez de ir até o meu apartamento, perguntar se tava tudo bem, me falar que estava incomodando. Se eu soubesse que estava incomodando tanto poderia tentar mudar alguma coisa na rotina deles”, diz.

Além de responder à síndica, Luciana também começou a compartilhar a advertência condominial com alguns amigos em grupos de WhatsApp. “Eu precisava saber se estava ficando doida por estar indignada”, explica Luciana. Motivada por amigos e amigas que também ficaram muito incomodados com a situação, Luciana resolveu fazer uma publicação em seu perfil no Facebook falando sobre a doença dos filhos e a notificação que havia recebido. Até o momento, a publicação tem mil compartilhamentos, quase três mil reações e mais de dois mil comentários.

Luciana foi notificada pelo condomínio por choro de filhos com pneumonia. Foto: Reprodução/Facebook

Só após a repercussão do caso no Facebook Luciana obteve um retorno da BMC Gestão Predial, empresa terceirizada responsável pela administração condominial do prédio em que mora. “A síndica nunca retornou meu e-mail. Foi a proprietária da empresa que me ligou pedindo desculpas, falando que estava se sentindo muito envergonhada, que também achava isso um absurdo e que não concordava, mas que havia ocorrido diversas queixas e ela havia sido pressionada a fazer a notificação para seguir as regras”, relata Luciana.

De acordo com a dentista, a proprietária da empresa também afirmou que eles não seriam multados caso novas queixas ocorressem e o casal fosse notificado novamente. “Mas foi apenas uma ligação. Eu queria realmente que ela oficializasse isso para tornar essa notificação sem efeito”. Segundo Luciana, ela e o marido, que é advogado, estão cogitando entrar com uma ação contra a empresa.

Ela diz ainda que nunca passou por outra situação parecida. “Minha vizinha do lado tem um filho pequeno que grita muito, só que a gente super entende, é uma fase da criança, isso é normal. Os meus outros vizinhos de andar também não se incomodam. Nunca achei que fosse uma questão no prédio”, explica. De acordo com a dentista, existem somente quatro apartamentos por andar. Como cada um deles possui cerca de 120m² e não tem muitas paredes coladas umas nas outras, Luciana acredita que os choros das crianças se propagaram pela saída de ar do banheiro.

Conforme relata Luciana, os gêmeos ficam em casa somente das 18h30 às 7h da manhã: “Eles passam tão pouco em casa. Eles saem para ir para a creche às 7h da manhã e voltam só 18h30. No máximo 20h eles já estão dormindo e acordam cedo, entre 5h e 6h30 da manhã. Final de semana eu praticamente não passo em casa porque vou para a minha mãe”. Desde a notificação, Luciana tem tentado mudar a rotina dos filhos no horário em que estão em casa. “Como a reclamação é de choro antes das 7 da manhã, eu acordo e tiro eles do quarto, porque é por onde acho que está passando o som, e levo eles para a sala para colocar um filme para que eles façam menos barulho até às 7h”.

Segundo a dentista, a situação fez parecer que ela e o marido não estão educando os filhos adequadamente. “Você educa, você chama a atenção, conversa, faz todo um trabalho de sensibilização. Eu faço tudo isso como qualquer mãe que ama muito os filhos. Só que eu não vou usar da força física ou de algum outro artifício desses para calar a boca deles. Não sou favorável a esse tipo de educação violenta”, diz.

Para Luciana, saber que as pessoas se incomodam com o choro de criança ao ponto de fazer diversas queixas à síndica do condomínio é algo muito impactante. “Eu sei que choro incomoda, mas uma coisa é se incomodar, outra coisa é tomar uma atitude como essa podendo conversar com a gente”, diz Luciana, que também relata que a notificação criou uma situação desconfortável para a família dentro do condomínio. “Você pega o elevador e fica pensando ‘será que foi esse que reclamou?’. Você fica se sentindo mal no lugar que você mora”.

Para ela, é necessário que situações como essas sejam divulgadas para que não acabem abrindo precedentes para casos mais graves. “É necessário que não vire moda. Agora você já vai no restaurante e fica todo mundo olhando para você se a criança chora. Umas olham querendo ajudar, mas a maioria olha aflita, incomodada com o choro. Tem faltado muito amor na sociedade. Daqui a pouco criança vai ser proibida nas igrejas, nos aeroportos, nos locais de convívio”, diz.


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