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11 de fevereiro de 2019
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18:21

Orientadora de dissertação criticada por Carlos Bolsonaro responde e repudia assédio moral

Por
Sul 21
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Capa da dissertação de mestrado em Geografia criticada por Carlos | Foto: Reprodução

Da Redação

Desde o último dia 9, quando o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSL) publicou em seu Twitter a imagem de uma dissertação de mestrado em Geografia sobre masculinidades, a capa e o título do trabalho do mestrando Diego Miranda Nunes foram reproduzidos e retwittados milhares de vezes. O trabalho foi realizado na Universidade Federal de Rio Grande (FURG) sob orientação da professora Susana Maria Veleda da Silva, a qual se manifestou após a repercussão.

Carlos, que ganha quase R$ 19 mil mensais, twittou criticando o fato do jovem receber R$ 1.500 por mês durante dois anos para produzir o trabalho “A produção das masculinidades nos perfis de homens que buscam parceiros do mesmo sexo no aplicativo Tinder em Rio Grande – RS”. “Meu Deus! Isso é uma *dissertação de mestrado! Este senhor recebeu dos cofres públicos, nos últimos 2 anos, uma bolsa de R$1.500, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Nota-se porque o Brasil está no nível de educação que está. Tire suas conclusões!”, disse o vereador.

No texto divulgado no site da FURG sobre o assunto, a professora Susana aponta que nem Carlos nem outras pessoas que criticaram o título tiveram acesso à dissertação em si. “Em primeiro lugar, repudio todas as manifestações, que constrangeram Diego, configurando-se num assédio moral, num momento tenso na vida de qualquer acadêmico: a defesa de sua pesquisa. Segundo, trata-se de uma pesquisa realizada com os rigores e rituais da produção científica reconhecidos não apenas em diversos campos do conhecimento nas academias dentro e fora do país, mas em ambientes extra campus”, menciona.

Ela relata, ainda, que o trabalho foi considerado pela banca de qualificação do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGeo) como uma pesquisa “com todas as condições acadêmicas de ser apresentada como uma Dissertação de Mestrado em Geografia”. “O processo baseia-se em um dos princípios da Ciência e em especial das Ciência humanas e da Geografia: estudar as diferentes dimensões e tensões da realidade (offline ou online), do mundo, do planeta e das relações sócio-espaciais de poder. Categorias de análise como gênero e sexualidades, entre outras, já fazem parte do repertório teórico e metodológico da Geografia há mais de trinta anos”, destaca.

Sem citar diretamente a postagem de Carlos, ela menciona as diferenças entre ciência e senso comum, o qual já “criminalizou estudiosos que possibilitaram conquistas para a humanidade” no passado. “Portanto, como emitir juízos de valores sem conhecer o conteúdo de uma pesquisa e mais grave, pautar o que deve e o que não deve ser pesquisado, em um país com sólida estrutura de avaliação pelo pares e ampla divulgação científica?”, questiona a orientadora.

No Twitter

Diversas pessoas responderam à postagem defendendo o trabalho e criticando Carlos, dentre elas a professora universitária Rosana Pinheiro-Machado, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que foi recentemente denunciada por citar Paulo Freire em sala de aula. “Não passe vergonha. A CAPES vai continuar pagando para dissertações como essa porque você e sua família não têm controle e conhecimento algum sobre as dinâmicas do campo acadêmico. Isso é uma perseguição que diz mais sobre a sua burrice do que sobre a relevância do tema”, disse ao político.

Outros internautas apontaram a discrepância no salário de parlamentares e o valor da bolsa de pesquisa. “24 meses de bolsa são 36 mil reais e esse valor não paga nem um mês de salário de um deputado federal que é mais de 33 mil de salário somado ai auxílio moradia (que não paga imposto de renda) de 4 mil”, colocou um usuário do Twitter.

“Mestrado tempo integral, anos sem reajuste da inflação, universidades sucateadas e ciência desvalorizada. É assim que tratam os cientistas que poderiam produzir grandes tecnologias para o país. Acho que é pior pagar mais de 30 mil para deputado corrupto”, disse outro.

Leia a carta da orientadora na íntegra:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A dissertação orientada por mim, está em processo de avaliação por uma banca qualificada academicamente e oficializada no PPGeo e na FURG. Em primeiro lugar, repudio todas as manifestações, que constrangeram Diego, configurando-se num assédio moral, num momento tenso na vida de qualquer acadêmico: a defesa de sua pesquisa. Segundo, trata-se de uma pesquisa realizada com os rigores e rituais da produção científica reconhecidos não apenas em diversos campos do conhecimento nas academias dentro e fora do país, mas em ambientes extra campus. Entre os rigores dos rituais acadêmicos, está a leitura prévia do texto completo pela banca de avaliação, a sua apresentação pelo autor em data e ambiente compatível, a arguição e o debate entre os docentes avaliadores e o responsável pelo trabalho. Portanto, apenas e tão somente os membros da banca e o autor dispõem do texto integral. O texto integral é resultado de um conjunto de atividades regulares realizadas no programa e de uma pesquisa qualificada em duas ocasiões: no Seminário do PPGeo e na qualificação realizada em 2018, sendo indicada, pelos membros das bancas, como uma pesquisa com todas as condições acadêmicas de ser apresentada como uma Dissertação de Mestrado em Geografia. O processo baseia-se em um dos princípios da Ciência e em especial das Ciência humanas e da Geografia: estudar as diferentes dimensões e tensões da realidade (offline ou online), do mundo, do planeta e das relações sócio-espaciais de poder. Categorias de análise como gênero e sexualidades, entre outras, já fazem parte do repertório teórico e metodológico da Geografia há mais de trinta anos, constituindo-se em conceitos basilares das Geografias feministas. No século XXI, a pesquisa acadêmica deve ousar na produção de metodologias para compreender as potencialidades, os limites e as tênues fronteiras entre o que se apresenta como off-line ou online. Daí, uma diferença essencial entre a Ciência e senso comum que, em tempos passados, criminalizou estudiosos que possibilitaram conquistas para a humanidade.

Portanto, como emitir juízos de valores sem conhecer o conteúdo de uma pesquisa e mais grave, pautar o que deve e o que não deve ser pesquisado, em um país com sólida estrutura de avaliação pelo pares e ampla divulgação científica? Entendo que, nos países democráticos, outras posturas estão distantes da produção do conhecimento científico. No plano das ideias científicas, de argumentos baseados na realidade e no acúmulo de produção acadêmica, informo que a Dissertação de Diego Miranda Nunes tem todas as condições de ser apresentada conforme os ritos acadêmicos de qualquer Instituição de Ensino Superior (IES) nacional e internacional. Atenciosamente,

Susana Maria Veleda da Silva

(Professora do PPGeo/ ICHI/FURG)

11/02/2019


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