Adalberto Alves Maia Neto (*)
No início de abril o governo do Estado anunciou a assinatura de um contrato com a Fipe, instituição de São Paulo que presta serviços privados, para substituir algumas atividades da FEE, extinta por decreto no mesmo dia. Entre outros trabalhos, o contrato prevê o cálculo do PIB.
A racionalidade e a economicidade do contrato são questionáveis, pois os funcionários da FEE não serão demitidos, apenas realocados dentro do governo. Mas há um problema adicional. No Brasil, o IBGE é o responsável pela coordenação do PIB das unidades da federação e dos municípios, elaborado através de parcerias que desenvolve com órgãos públicos regionais, com os quais estabelece convênios de permuta técnica e com cláusulas de confidencialidade. Tanto no Brasil como nos demais países, o PIB é calculado por instituições públicas a partir de metodologias padronizadas pela divisão de estatísticas da ONU.
Desde a sua origem, no século XVII, até fins do século XIX, as estimativas da renda nacional, que evoluíram para o PIB como conhecemos hoje, eram realizadas por pesquisadores individuais. A partir de iniciativas dos governos da Austrália, em 1886, e do Canadá, em 1925, passaram gradualmente a ser realizadas por instituições governamentais. Ou seja, no caso do PIB, por várias razões, a modernização levou a um processo que transitou do privado para o público.
Portanto, é surpreendente que o governo do Rio Grande do Sul, na contramão da prática nacional e internacional, pretenda privatizar o cálculo do PIB. Além disso, o faz sem nenhum acordo prévio com o IBGE, que coordena o Sistema Contas Regionais no País e já se manifestou contrário à elaboração de estatísticas oficiais por empresas privadas. Contudo, a surpresa é ainda maior quando se considera que a instituição contratada, sem licitação e por notório saber, embora relevante academicamente e conhecida pela produção de índices de preços, não tem tradição na elaboração do PIB regional. Em São Paulo, a instituição que calcula o PIB é a Fundação Seade, também pública.
A FEE, reconhecida nacionalmente na área de PIB regional, possui equipe treinada nos princípios da ética estatística e na geração de dados com credibilidade e unidade metodológica. O que o governo pretende revela desconhecimento, e por isso mesmo descaso, em relação ao acúmulo técnico e científico gerado dentro do Estado, em uma instituição sob a sua custódia. O que é apresentado como “modernização” constitui, de fato, um grande retrocesso no sistema estatístico estadual.
(*) Economista, ex-coordenador do Núcleo de Contas Regionais da FEE e membro do Comitê de Contas Regionais do IBGE até 2015.
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