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27 de maio de 2015
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18:42

Ignorância sobre imigrantes haitianos aumenta preconceito; entenda quem são eles

Por
Sul 21
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Luiza Bulhões Olmedo

Foto: Nathalie Brasil/Diário de Manaus/ACNUR
Foto: Nathalie Brasil/Diário de Manaus/ACNUR

A chegada de imigrantes haitianos ao Rio Grande do Sul já não é novidade, mas cada vez que um ônibus sai do Acre o debate se acende. Nesse contexto, termos pejorativos como “invasão” são usados com frequência para fazer referência a essas pessoas que deixam seu país em busca de uma vida digna no Brasil. O desconhecimento sobre a realidade desses imigrantes normalmente é o que mais contribui para a estranheza e a desconfiança em relação a eles. Portanto, vamos entender o Haiti?

Um país majoritariamente negro, o Haiti foi o primeiro a abolir a escravidão no continente americano, e o primeiro da América Latina a conquistar sua independência, através de uma revolução de escravos. Entretanto, a soberania prematura, em um sistema internacional dominado por potências colonialistas, teve consequências nefastas que são sentidas até hoje. Apesar da independência formal, o país é altamente dependente econômica, financeira e militarmente, de modo que a instabilidade política e a pobreza ainda são características estruturais do Haiti moderno.

Localizado em uma ilha do Caribe, que divide com a República Dominicana, o Haiti tem cerca de 10 milhões de habitantes e é um dos países mais pobres do mundo, e o mais pobre da América Latina. Localizado estrategicamente perto de grandes mercados, o país possui mão de obra mais barata que a chinesa, é pouco regulamentado e sem muitas leis trabalhistas, sindicatos ou proteção ao trabalhador.

Em 2009, o país ocupava a posição 142 entre 182 nações do mundo, no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), realizado pelas Nações Unidas. Em 2011, passou para a posição 158, e, em 2014, chegou a 168. Educação e saúde são os serviços mais afetados no país. Além disso, o Haiti está entre os 15 países que possuem as maiores desigualdades sociais do mundo.

Uma história difícil 

Revolução Haitiana que levou à independência em 1804 |Foto: January Suchodolski
Revolução Haitiana | Pintura: January Suchodolski

O Haiti foi uma das principais colônias francesas na América, baseada na produção de açúcar com mão de obra escrava. Já no século XVIII os escravos representavam cerca de 90% da sua população, muito mais do que em qualquer outra colônia. Influenciados pela Revolução Francesa, em 1791 os escravos haitianos rebelaram-se, reivindicando liberdade e independência, que foram conquistadas, depois de mais de uma década de combates, em 1804. E essa independência custou caro, literalmente, já que os bancos franceses cobraram milhares de francos pelo reconhecimento da soberania do Haiti.

A autonomia veio acompanhada de fragmentação, e, mais tarde, a unificação veio acompanhada de ditaduras. Esquecido, o Haiti voltou para o foco da comunidade internacional somente na década de 1990, quando o presidente eleito, Jean-Bertrand Aristide, sofreu um golpe de Estado e foi para os EUA. Em 1993, através da operação “Restabelecer a Democracia”, que marca a primeira das cinco intervenções de paz da ONU no país, Aristide voltou ao Haiti para exercer o poder. Ele implementou um programa neoliberal, e a instabilidade econômica e política se acentuou.

Depois de deixar o poder em 1996, Aristide voltou a se candidatar à presidência em 2000, e foi eleito com uma taxa de abstenção de 90%, segundo a ONU. Com a falta legitimidade, em 2004 explodiu uma revolta popular contra o presidente, que se viu novamente forçado a deixar o país. A partir daí se iniciou a missão de paz da ONU no Haiti liderada pelo Brasil, a Minustah, que, de alguma forma, é a origem da vinda de tantos imigrantes haitianos para o nosso país.

O Brasil

Forças brasileiras na missão de paz no Haiti| Foto: Marcello Casl Jr./ Agência Brasil
Forças brasileiras na missão de paz no Haiti| Foto: Marcello Casl Jr./ Agência Brasil

A participação na missão de pacificação do Haiti se dá em um contexto em que o Brasil busca crescente projeção internacional. Desde o início da década de 2000, sobretudo com o governo Lula e seu Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a política externa brasileira ganha destaque e nova dinâmica. Amplia-se a influência brasileira na América Latina e no mundo. Nesse sentido, liderar uma missão de paz da ONU em um país da região foi uma sinalização do interesse brasileiro em assumir uma nova posição global.

Apesar dos nossos interesses diplomáticos, a atuação brasileira no Haiti representou para os haitianos uma presença muito menos hostil no país do que dos antigos colonizadores franceses, ou dos costumeiros interventores norte-americanos, por exemplo. O Brasil tornou-se um ponto de referência para os haitianos, e cada vez mais um polo econômico atraente para quem quer construir uma nova vida.

Em janeiro de 2010 uma tragédia devastou o Haiti, e aprofundou a necessidade dos haitianos deixarem seu país. Um terremoto de 7 graus na escala Richter matou mais de 300 mil pessoas, e deixou mais de 300 mil deslocados internos. E em seguida, dada a precariedade da infraestrutura após o desastre, o país foi atingido por uma epidemia de cólera que matou cerca de 8 mil pessoas.

 Imigrantes

Foto: Maurilio Cheli/ SMCS
Foto: Maurilio Cheli/ SMCS

A presença brasileira no Haiti, uma das nacionalidades dentro das forças da ONU mais bem-vindas pelos haitianos, somada à situação ambiental e humanitária do país após o terremoto, explicam os fluxos migratórios de haitianos para o Brasil. Assim, desde 2010, milhares de haitianos chegaram ao nosso país através do Peru, e são recebidos no Brasil na cidade de Brasileia, no Acre. De lá, os imigrantes partem para outras regiões do país. Estima-se que mais de 80 mil haitianos vivem no Brasil atualmente – ainda que seja difícil ter acesso a números precisos.

A chegada dessas pessoas em situação de vulnerabilidade foi bastante conturbada, dada a ausência de uma política migratória brasileira. Uma das soluções encontradas pelo governo brasileiro para melhor coordenar a vinda dos haitianos foi, em 2012, a concessão de vistos humanitários na embaixada de Porto Príncipe (capital do Haiti) para aqueles que quisessem vir para o Brasil.

Inicialmente, a migração foi majoritariamente masculina e jovem, e agora entra em uma nova fase de reagrupamento familiar. Aqueles que já estão estabelecidos aqui, agora trazem as mulheres e filhos que ficaram no Haiti. Ou seja, esses imigrantes já têm certa estabilidade financeira para se manter e ajudar os parentes. O demógrafo Duval Magalhães, em uma entrevista à Folha de S.Paulo, afirmou que atualmente 80% dos imigrantes haitianos que vivem no Brasil são economicamente ativos e mandam dinheiro às suas famílias. Muito religiosos – evangélicos e batistas – eles não bebem nem fumam, e costumam ser considerados bons funcionários pelos empregadores brasileiros.

No Rio Grande do Sul, segundo o coordenador do Fórum Permanente de Mobilidade Urbana, estima-se que tenham chegado mais de 10 mil imigrantes haitianos desde 2012. Com a falta de coordenação entre os governos estaduais, e com pouca estrutura de assistência organizada para imigrantes, essas pessoas enfrentam dificuldades para o acesso à saúde, moradia e educação, além da barreira linguística, já que eles falam francês e crioulo. Além dessas barreiras institucionais, o preconceito e o desconhecimento do brasileiro a respeito da situação desses imigrantes também afetam a integração dessas pessoas no Brasil.


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