Deputados batem boca em reunião para discutir envolvimento de Marcel Van Hattem em atropelamento

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Sul 21
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Foto: Pedro Belo Garcia | Agência ALRS
Pedro Ruas afirmou que caso é de prevaricação por parte da polícia | Foto: Pedro Belo Garcia | Agência ALRS

Débora Fogliatto

Cinco dias após entregar para a Comissão de Direitos Humanos documento sobre a morte de Adair Wiest, familiares voltaram à Assembleia Legislativa para reunião sobre o caso. O homem foi atropelado em 2006 pelo atualmente deputado Marcel Van Hattem (PP) e ficou em coma, morrendo sete meses depois. Os familiares e advogado da vítima foram recebidos pela comissão, que após discussão entre os deputados, se comprometeu a encaminhar o assunto e tratar com outras comissões, como Ética e Segurança.

A procuradoria da Assembleia entendeu que a ação cível aguarda decisão para encaminhar a ação criminal por homicídio culposo, portanto, sugeriu o arquivamento do caso por parte da comissão, argumentando que isso deve ser apurado pela Justiça. A decisão foi contestada por alguns deputados, entre eles Pedro Ruas (PSOL), que também é advogado. “Se um inquérito fica cinco anos sem andamento numa delegacia, não tenho dúvida de que é prevaricação [crime cometido quando servidores públicos não cumprem com sua função] e essa comissão deve examinar caso dessa natureza”, afirmou.

Ele foi apoiado por Jeferson Fernandes (PT), que lembrou que a família nunca foi indenizada, mesmo que Van Hattem tenha sido responsabilizado no âmbito cível. “Ele tem que vir e dizer sua justificativa sobre isso. É extremamente grave o crime ter sido engavetado, até porque não conheço nenhuma das partes envolvidas, mas temos que saber as razões. Não é razoável que não tenha sido encaminhado relatório da polícia”, argumentou, destacando que procurar essas respostas não é “se meter em processo judicial, é obter informações”.

Em correspondência entregue à Comissão de Direitos Humanos,  os familiares de Adair Wiest pedem  providências no sentido de ver esclarecida a  ausência de apuração  sobre a morte do pai por atropelamento.
Em correspondência entregue à Comissão de Direitos Humanos, os familiares de Adair Wiest pedem providências no sentido de ver esclarecida a ausência de apuração sobre a morte do pai por atropelamento.

A ausência do próprio Van Hattem, que é integrante da Comissão, foi criticada por Manuela D’Ávila (PCdoB), que lembrou que o deputado é “o maior interessado no caso”. Ela levou em conta as semelhanças entre este caso e o do menino Eduardo Fösch, que também foi tratado pela Comissão e cuja família também busca respostas e justiça. “O caso é absolutamente semelhante. Há uma família que questiona termos da investigação. Por que trataremos de maneira diferenciada? Sugerimos visita ao MP para compreender o episódio do Eduardo, por que não fazer o mesmo com o caso do deputado? Ele nem era deputado na época”, afirmou.

Já Jorge Pozzobom (PSDB) disse que, “lamentavelmente”, a espera de cinco anos para tramitação de casos policiais era “de praxe”. “O processo criminal já prescreveu, nós não temos o que fazer. Evidentemente, o titular da ação penal, que é o MP, pode se habilitar do processo e persistir. Entendo que é isso que temos que encaminhar na comissão aqui”, disse, sendo contestado pelo advogado da família na plateia.

Embora não tenha tido a oportunidade de falar durante o encontro, o advogado Marcelo Bastos explicou ao Sul21 que o inquérito de morte não foi aberto ainda, portanto, não prescreveu. “O que prescreveu foi a lesão corporal, mas não a morte. A família quer que se investigue, mas não pode ir lá na polícia pedir isso. Tem que ser o Ministério Público”, esclareceu.

Bate-boca

Foto: Pedro Belo Garcia | Agência ALRS
Sérgio Turra argumentou que não tem cabimento discussão ser feita | Foto: Pedro Belo Garcia/ Agência ALRS

Os deputados começaram a discutir quando Sérgio Turra (PP), que não é membro da comissão, posicionou-se dizendo que a polícia já está investigando o caso, e que “não tem cabimento” isso estar sendo discutido na Assembleia. “Então quando atinge a nossa corporação, não nos manifestamos?”, criticou Miriam Marroni (PT), ao que Enio Bacci (PDT) respondeu: “é importante ter cuidado para não fazer proselitismo político”. Para ele, o assunto cabe à Comissão de Ética, e a de Direitos Humanos não deve “ocupar a função de julgadora”.

Durante sua fala, Jeferson disse que Turra o estava acusando de ser um dos que está “fazendo proselitismo político”, ao que o companheiro de partido de Van Hattem respondeu: “Vamos virar um tribunal de sessão? É lá que se trata disso, não podemos individualizar só porque é um deputado. Estamos tentando passar por cima da Justiça?”

Nesse momento, a viúva de Adair, Anelise, se indignou com a fala do deputado. “Por que ele [Van Hattem] não vem aqui e nos olha nos olhos enquanto diz isso, então? Onde ele está?”, gritou, chorando. Ela foi amparada pelos filhos e assessores de deputados, que sugeriram que sentasse, ao invés de ficar em pé. “Eu vou ficar aqui porque quero que eles me olhem enquanto dizem isso”, afirmou.

Tentando acalmar os ânimos, o presidente da Comissão, deputado Catarina Paladina (PSB), encaminhou a criação de um grupo de trabalho com as comissões e o Ministério Público, convidando os deputados que tiverem disposição para acompanhar o caso.

Sem filiação política

Foto: Pedro Belo Garcia/ Agência ALRS
Catarina encaminhou formação de grupo de trabalho | Foto: Pedro Belo Garcia/ Agência ALRS

O advogado Marcelo Bastos garantiu que tanto ele quanto a família não têm filiação nem interesses políticos no caso, apenas querem justiça pelo acontecido. “Ele respondeu apenas por uma lesão corporal leve, e esse processo foi arquivado pela inércia da investigação na delegacia. O processo criminal de homicídio está pendente de julgamento, nunca foi sequer aberto. O deputado até hoje não respondeu, essa é a indignação da família. Não tem nada de político nessa manifestação”, afirmou.

A filha de Adair, Adane, contou ter recebido uma ligação de Van Hattem, que se desculpou pelo ocorrido e pediu para encontrar com a família sem os advogados. “Ele só se interessou por isso agora, que é deputado. A gente quer a justiça feita, quer que ele responda. O que importa é que ele deixou uma família desamparada. Que tipo de pessoa ele é? Ele nem tem direito de ser da Comissão de Direitos Humanos”, disse, chorando. A jovem afirmou que a família procurou auxílio de Van Hattem na época e não o obteve.

 


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