Areazero
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4 de novembro de 2014
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17:37

Expulsão e transferência de alunos indisciplinados: medida punitiva ou solução pedagógica?

Por
Sul 21
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 | Foto: Gustavo Gargioni/Palácio Piratini
Professores dizem que são cobrados como se fossem pais, psicólogos e assistentes sociais; especialistas dizem que expulsar alunos indisciplinados apenas afasta o problema, ao invés de resolvê-lo | Foto: Gustavo Gargioni/Palácio Piratini

Samir Oliveira

A Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou, na manhã desta terça-feira (04/11), uma audiência pública para debater o tema da expulsão e da transferência compulsória de alunos por parte de escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio. A reunião lotou o Plenarinho e contou com a presença massiva da comunidade escolar, especialmente de representantes de instituições privadas de ensino.

De um lado, muitos professores e diretores de instituições públicas e privadas defendem o direito de expulsar ou transferir compulsoriamente – sem necessidade de concordância dos pais – alunos que se portem de forma considerada inadequada ou agressiva no ambiente escolar. De outro lado, especialistas em educação, representantes de círculos de pais e mestres, gestores públicos e operadores do Direito sustentam que a escola deve procurar soluções pedagógicas para resolução de conflitos, ao invés de apostar em medidas punitivas.

Foto: Juarez Junior | Agência ALRS
Comissão de Educação da Assembleia Legislativa realizou audiência pública para debater expulsão e transferência compulsória de alunos | Foto: Juarez Junior | Agência ALRS

A audiência pública desta terça-feira apresentou essa polarização de posições. Os argumentos mais evocados para justificar o direito de uma escola expulsar ou transferir compulsoriamente alunos foram a “ordem”, a “disciplina”, o “respeito” e os “valores”. Bruno Eizerik, presidente do Sindicato do Ensino Privado (SINEPE-RS), disse que “a escola gaúcha é um dos últimos baluartes onde temos definição de limites” e cobrou comprometimento dos alunos com a comunidade.

O debate sobre direito à expulsão e transferência compulsória de alunos ganhou fôlego a partir de 2012, quando promotorias do Ministério Público no interior do estado começaram a fazer consultas sobre o tema ao Conselho Estadual de Educação (CEED-RS). Em seguida, órgão elaborou uma resolução que regulamentava casos em que seria admissível utilizar esses instrumentos. O documento acabou não sendo aprovado pelo plenário do conselho, durante votação em março de 2013.

A partir daí, o CEED-RS constituiu uma comissão especial para se debruçar sobre o tema. No dia 14 de julho deste ano, o colegiado publicou a Informação nº 44/2014 – uma minuta de parecer com posições sobre o assunto. Neste documento, o conselho recupera a legislação brasileira de proteção à criança e ao adolescente e recorda que a igualdade de oportunidades para acesso e permanência nas escolas é um direito básico universal.

Para o Conselho Estadual de Educação, a expulsão e a transferência compulsória acabam se convertendo em instrumentos punitivos que simplesmente afastam de determinado ambiente um aluno com condutas problemáticas. “O acesso e a permanência é um direito do aluno e, em respeito à legislação vigente, a transferência compulsória, a transferência dirigida, o cancelamento compulsório de matrícula, ou outro procedimento que acarrete suspensão, ainda que temporária, enquanto ato punitivo, fere o direito do aluno de estar na escola”, diz o parecer do órgão. O documento ainda não está finalizado e, de acordo com Thalisson Silveira da Silva, ainda não possui data para ser apreciado pelo plenário do conselho.

Professores dizem que estão sendo responsabilizados por educação que os pais deveriam dar aos alunos

As manifestações de dirigentes sindicais do magistério nas redes pública e privada, além da opinião de diversos professores presentes na audiência pública, foram praticamente unânimes: os docentes sentem que recai sobre eles a responsabilidade paterna de impor limites aos alunos.

Foto: Juarez Junior | Agência ALRS
Promotor Júlio Almeida disse que para algumas crianças e adolescentes “o ensino não é eficaz nem possível” | Foto: Juarez Junior | Agência ALRS

“Recebemos nas escolas, muitas vezes, crianças sem absolutamente nenhum limite e com uma defasagem muito grande de valores. Não resolve nada discutirmos a possibilidade de expulsar ou não alunos, este é um debate incompleto. Queremos discutir de quem é a responsabilidade da educação, que não é somente uma relação entre aluno e professor”, disse a presidente do CPERS/Sindicato, Helenir Oliveira.

A professora concorda que a expulsão de um aluno não resolve o problema, mas questiona o excesso de cobrança que recaí sobre os trabalhadores. “Como fica o professor que é agredido? Temos colegas traumatizados. Somos trabalhadores solitários e nesta solidão, nas escolas, somos cobrados como se fôssemos psicólogos, assistentes sociais, pais e mães”, comentou a sindicalista, sob forte aplauso do público presente.

Promotor do Ministério Público, Júlio Almeida trabalha com menores infratores que cumprem pena na Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE) – onde, segundo ele, “não tem coitadinhos”. Para o promotor, “o ensino não é eficaz nem possível para algumas crianças e adolescentes”. “Confesso que já reconheci que, para determinado aluno, de nada adiantava a escola, porque ele não tinha capacidade de captar conhecimento”, disse.

“O que tem de educativo numa transferência compulsória?”, questiona defensora pública

Integrante do Núcleo de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Cláudia Barros trabalha desde 2004 com o tema da indisciplina escolar. Ela acredita que o parecer do Conselho de Educação não retira autonomia das escolas, já que esta autonomia se restringe a aspectos político-pedagógicos.

“A autonomia das escolas não é absoluta e refere-se ao processo pedagógico. Essa autonomia tem que respeitar as regras da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação”, explicou.

Foto: Juarez Junior | Agência ALRS
A defensora pública Cláudia Barros explicou que adolescentes que cometem crimes já são punidos pela legislação penal e cumprem medida socioeducativa em privação de liberdade | Foto: Juarez Junior | Agência ALRS

A defensora pública rejeita a tese de que exista impunidade com as condutas agressivas de jovens. Ela lembrou que os adolescentes que cometem atos infracionais já são punidos pela legislação penal. “O ato infracional é tudo o que estiver previsto na lei penal como crime ou contravenção. Caso o adolescente cometa ato infracional, será punido pela Justiça e cumprirá medida de privação de liberdade na FASE”, reiterou.

Contudo, Cláudia Barros frisa a importância de se diferenciar práticas criminosas de atos de indisciplina no ambiente escolar. Estes últimos, segundo ela, não devem receber medidas punitivas, mas um tratamento pedagógico. “O ato de indisciplina corresponde à violação de regras e normas de convivência no âmbito escolar. As sanções devem estar previstas no regimento interno da escola, devem ser pedagogicamente corretas e não ter apenas um cunho punitivo, devem ensinar algo ao adolescente. Uma suspensão não é apenas para o aluno ir para a casa”, resumiu.

Para a defensora pública, a expulsão e a transferência compulsória de alunos por motivos de indisciplina apenas dos olhos de uma escola um problema que seguirá se repetindo em outra. “O que tem de educativo numa transferência compulsória? Vamos transferir o problema de lugar. Não podemos criar um estigma para esse adolescente transferido. Talvez tenhamos outro adolescente fora da escola. Quando o aluno demonstra atos de indisciplina, é porque algum problema está acontecendo na vida dele”, entende.


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