Política
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26 de outubro de 2014
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12:05

Sartori, o gringo que queria ser padre e está na política há 40 anos

Por
Sul 21
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Sartori chegou ao segundo turno em primeiro lugar, contrariando as previsões. De braços abertos, repete o slogan “Meu partido é o Rio Grande” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sartori chegou ao segundo turno em primeiro lugar, contrariando as previsões. De braços abertos, repete o slogan “Meu partido é o Rio Grande” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Adélia Porto

Quando saiu o resultado do primeiro turno, dona Elsa Sartori, 85 anos, recebeu uma ligação do filho José Ivo para saber se ela estava bem. Nem a mãe esperava aquela votação do mais velho dos seis filhos. Como ela, amigos e adversários apreciam o jeito simples, franco e piadista desse descendente de italianos, nascido na colônia em Farroupilha. Ele passou a adolescência em Antônio Prado, estudou para padre em Caxias e Viamão, formou-se em Filosofia na Universidade de Caxias do Sul (UCS), integrou o movimento estudantil, casou com Maria Helena Sartori há 37 anos e é pai de Marcos e Carolina. Gosta do carteado, tortéi e sopa e não gostava de trabalhar na borracharia do pai Antônio, falecido há 16 anos.

A deputada Maria Helena Sartori diz que o marido “está sempre querendo mais. Ele cobra dos outros, mas cobra muito dele”. Ela também revela que Sartori é o tipo que está sempre juntando gente na sua volta. “Ele tem prazer em estar em meio às pessoas”. Professora aposentada, Maria Helena, que está no seu segundo mandato como deputada estadual, diz que “a partir do momento que ele decidiu ser candidato, a família apoia”.

Maria Helena com o marido e os filhos:  "Sartori cobra dos outros, mas cobra muito dele” | Foto:Álbum de Família
Maria Helena com o marido e os filhos: “Sartori cobra dos outros, mas cobra muito dele” | Foto:Álbum de Família

Além da família, quem conhece bem o “gringo” é João Tonus. Moraram e estudaram juntos de 1966 a 1976. Foram internos no Colégio do Carmo, em Caxias, e no Seminário Maior de Viamão. Nesse período, se identificaram com a ala mais progressista da Igreja Católica, com textos do Frei Betto e do francês Teilhard de Chardin, padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo que tentou construir uma visão integradora entre ciência e teologia, proibida pela própria Igreja naquele período. “Fazíamos muitas leituras nas áreas de humanas, sociologia, movimentos sociais, cosmologia evolucionista”, recorda o colega.

Juntos, deixaram o seminário e voltaram a Caxias, onde moraram com vários colegas seminaristas numa espécie de república, período em que estudaram Filosofia na UCS, integraram o movimento estudantil e fizeram agitação cultural. Foram presidentes do Diretório Central de Estudantes em gestões sucessivas. “O DCE foi um grande promotor cultural da cidade”, relembra Tonus. Mantinham o grupo Unidos Unidade, que publicava textos, crônicas, palestras sobre a política nacional. Trouxeram para palestrar Teotônio Vilella, porta-voz do processo de distensão política e assumindo a posição de oposicionista na Arena.

Depois de deixar o Seminário, Sartori formou-se em Filosofia na Universidade de Caxias do Sul | Foto: Álbum de Família
Depois de deixar o Seminário, formou-se em Filosofia na Universidade de Caxias do Sul | Foto: Álbum de Família

Nesse período organizaram a vinda de Chico Buarque, Milton Nascimento, e peças de teatro como “Eles não usam black-tie”, com o autor e ator Gianfrancesco Guarnieri e outros atores do Teatro de Arena de Porto Alegre. Antes dos shows, tinham de apresentar à censura militar o teor do que seria cantado e apresentado. E foi no Ginásio do Carmo que Chico Buarque interpretou “Cálice” pela primeira vez, uma das músicas da resistência à ditadura. Ninguém foi preso. “Não sofremos repressão direta, mas fazíamos coisas que podiam dar cadeia. Éramos jovens, desimpedidos e tínhamos mais liberdade de atuação. Fazia parte do momento”, revela o professor aposentado, ator do grupo Míseri Colono, que mais tarde foi chefe de gabinete na primeira gestão de Sartori na Assembleia e secretário de Cultura na parte final da gestão do amigo de juventude na prefeitura de Caxias.

O movimento estudantil na década de 70 em Caxias do Sul era de vanguarda. Entre as pautas, estava a federalização da UCS, uma mobilização com apoio de movimentos populares. Militavam juntos também no MDB. “Ele sempre foi líder, tinha ideias, promovia reuniões, encontros, agitação política”, diz o amigo de juventude. E brinca que uma das suas diferenças é que Sartori era muito namorador desde o seminário.

Na colônia, ainda criança, com os pais | Foto: Álbum de Família
Na colônia, ainda criança, com os pais | Foto: Álbum de Família

Sartori tem na sua trajetória ainda a carreira de professor de um curso pré-vestibular, que manteve em sociedade com Germano Rigotto e apoio disciplinar de Luiz Felipe Scolari. Deu aulas de História, Educação Religiosa e Moral e Cívica em escolas particulares, onde aprimorou sua oratória. Também lecionou na universidade.

A pessoa e a política

José Ivo Sartori, 66 anos, tem longa vida na política. Foi eleito vereador em 1976; deputado estadual por 20 anos consecutivos (1982 a 2002); deputado federal eleito em 2002, prefeito de Caxias de 2004/2012 e presidente do PMDB no município (2013/2014). Apesar disso, o marketing da campanha o apresenta como um gringo simples da colônia.

Seu único partido foi o PMDB, onde militou junto com André Forster | Foto: Álbum de Família
Seu único partido foi o PMDB, onde militou ao lado de André Forster | Foto: Álbum de Família

Sartori foi secretário do Trabalho quando o partido esteve no governo do Estado, com Pedro Simon (1987/1990), momento em que enfrentou a maior greve da história do magistério. No governo de Antonio Britto (1995/1998), foi líder do partido e presidiu a Assembleia Legislativa no período em que foram feitas as privatizações de empresas públicas, o Plano de Demissão Voluntária de servidores do Estado, pedágios privados e uma renegociação da dívida, que se mostrou nefasta para o Estado. Sartori apoiou Germano Rigotto, que em seu governo (2003/2006) aumentou impostos e parcelou salários. Apoiou o governo Yeda Crusius (2007/2010) e levou para seu mandato na prefeitura em Caxias, a mesma secretária de Educação da governadora, Mariza Abreu.

Para o vice-presidente do PMDB, Alexandre Postal, reeleito deputado estadual pela sexta vez consecutiva, Sartori é um homem probo e inatacável que não quer enganar ninguém. Conviveram juntos por três mandatos e Postal elogia a personalidade do correligionário: “é um cara extremamente sério, leal, que não apunhala pelas costas, é de diálogo e se pode confiar. O Rio Grande quer um governo que fale às claras”, diz o dirigente.

No governo de Antonio Britto (1995/1998),  foi líder do partido e presidiu a Assembleia Legislativa | Foto: Álbum de Família
No governo de Antonio Britto (1995/1998), foi líder do PMDB e presidiu a Assembleia Legislativa | Foto: Álbum de Família

Sartori concorreu quatro vezes ao cargo de prefeito de Caxias do Sul, em 1992, 2000 e 2004, quando foi eleito com 52,43%, em segundo turno. Em 2008, foi reeleito prefeito de Caxias do Sul com 54,35% dos votos válidos, contra 45,65% do candidato derrotado. Nos oito anos na prefeitura de Caxias, em que governou coligado com 16 partidos, Sartori fez o sucessor do PDT, Alceu Barbosa Velho. Agradou boa parte dos caxienses melhorando o sistema viário, ganhando títulos de Prefeito Amigo da Criança, reduzindo a mortalidade e o analfabetismo.

“Fizemos um belo de um governo”, diz o agricultor e um dos 10 subprefeitos na gestão Sartori, Orlando Rizzi. Aos 76 anos, mora na comunidade de Forqueta e diz que não houve prefeito melhor nos últimos 50 anos. “Fizemos 184 km de estradas na zona rural, ligando todo o interior do município às estradas estaduais”, exemplifica, além das creches, unidades de saúde e obras de água e esgoto. Sobre o método de trabalho é só elogios: “Ele é excepcional: na hora do pega, exige, dá as ordens. Depois vem ver como tá e ajusta. Agrega, conversa com todos”, conclui Rizzi, que desde 1959 faz campanha para Pedro Simon e outros candidatos do MDB.

Mas recebeu muitas críticas por criar impostos novos, como a taxa de iluminação pública e o Fundo Municipal de Recursos Hídricos (FMRH), chamada de Taxa Sartori, pelo empenho para a aprovação dessa cobrança obrigatória, sobre as contas de água dos caxienses. Levada à Justiça, a questão segue sub judice. Prometeu creches para todas as crianças, mas o Ministério Público teve de intervir para garantir atendimento. Outro enfrentamento de seu governo foi a greve dos médicos que durou quase um ano, período em que – de acordo com a imprensa local – morreram pacientes sem atendimento.

Na prefeitura de Caxias, recebeu críticas por criar impostos novos, como a taxa de iluminação pública | Foto: Álbum de Família
Na prefeitura de Caxias, recebeu críticas por criar impostos novos, como a taxa de iluminação pública | Foto: Álbum de Família

Sobre a expressiva votação na Serra e a identificação com a colônia, o ex-prefeito de Caxias Pepe Vargas (PT) analisa que foi o “bairrismo e não o gringuismo” que atraiu o apoio. “Não se deve à questão étnica, mas ao possível favorecimento da região caso venha a ser eleito”, acredita. “Sartori recebeu o município em excelente condição e numa situação privilegiada de financiamentos federais, que antes não existiam. Ele teve capacidade de aproveitar essas características”, reconhece Pepe Vargas. Ele relata que entregou a prefeitura com dinheiro em caixa, sem passivo salarial e previdenciário, e com um conjunto de projetos de captação de recursos encaminhados junto ao governo federal e mantém uma relação cordial e respeitosa com o candidato. “Não faço qualquer ataque ao indivíduo Sartori e mantemos um bom relacionamento pessoal”. Mas ressalta as diferenças políticas. “Dos últimos sete governos, ele esteve em quatro”, diz Pepe, lembrando que Sartori só não governou com Alceu Collares, Olívio Dutra e Tarso Genro.

Coligado com oito partidos no primeiro turno e com apoio dos dirigentes do PP, PSDB, SDD e DEM para o segundo turno, o candidato do PMDB mantém a mesma linha de campanha no segundo turno. Seu coordenador de marketing, Marcos Martinelli, declarou que o slogan “Meu partido é o Rio Grande” foi criado para atingir o PT. Sartori chegou em primeiro lugar, contrariando as pesquisas de boca de urna que davam 36% para o petista e 29% para o “gringo” do PMDB, fechando a contagem com escore inverso: 40,4% a 32,6%.


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