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20 de outubro de 2014
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16:23

Que o voto seja melhor do que a campanha

Por
Sul 21
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Germano Rigotto*

O debate presidencial deste domingo (19), na TV Record, mostrou um contrafluxo no nível de agressividade dos candidatos. No confronto anterior, transmitido pelo SBT, as duas candidaturas optaram pelo ataque direto e pessoal. Naquela oportunidade, ao contrário de confrontar posicionamentos políticos ou programáticos, as duas campanhas adotaram um tom altamente belicoso. Ontem, porém, certamente percebendo a péssima repercussão, especialmente entre os eleitores indecisos, a estratégia foi revista.

Temas como saúde, segurança e educação foram abordados. Mas nem assim tivemos um diálogo mais aprofundado sobre o futuro do Brasil. A abordagem desses assuntos foi meramente superficial, sem maiores detalhamentos. A maior parte do tempo foi dedicada à discussão da paternidade de projetos do passado e ao questionamento da capacidade do adversário em encarar o futuro. Um tentou desqualificar o outro muito mais do que qualificar-se para conduzir o país nos próximos anos.

Infelizmente, como já apontamos, os grandes temas do país passaram ao largo desta campanha eleitoral. As manifestações de junho de 2013 e suas inspirações foram completamente esquecidas. Pelo contrário: até retrocedemos a um tipo de enfrentamento mais primário e visceral. Talvez essa tenha sido a disputa mais arcaica dos últimos anos, na medida em que descambou para as agressões pessoais de parte a parte.

A necessidade de reforma política, por exemplo, assumiu um caráter de urgência depois daquele levante popular. O tema, porém, praticamente não veio à tona durante a campanha. Os candidatos jogaram a responsabilidade para o Congresso Nacional ou, de outro modo, selecionaram apenas um ou dois pontos para cumprir seus 30 segundos de argumento. Nenhum deles mostrou uma plataforma mais robusta nesse sentido.

O mesmo vale para a reforma tributária, outra evidência – e unanimidade aparente. O compromisso de não aumentar impostos foi compartilhado, mas essa é apenas uma parte do contexto. Além de não querer pagar mais, a população já está esgotada em sua capacidade de suportar a atual carga. Temos uma das mais altas do mundo e também uma das mais complexas. Os arremedos e legislações paralelas foram criando um verdadeiro monstrengo, a ponto de as empresas precisarem de especialistas para lidar com o assunto. E com um viés de cobrança focado no consumo, o sistema acaba penalizando especialmente os mais pobres.

Outro tema central para o país, que também não veio ao centro das discussões, foi a revisão do pacto federativo. A abordagem dessa pauta não passou das generalidades. Porém, é um ponto fundamental para saber as competências de cada ente federado e suas respectivas fontes de financiamento. Hoje, em diversas áreas, não há clareza a respeito disso. E o resultado é que, no jogo de empurra-empurra, o cidadão fica no prejuízo. A União concentra tributos de maneira desproporcional. O Município, ente mais forte da vida social, é o mais fraco na repartição do bolo tributário. E a maioria dos estados, em virtude de problemas históricos, está endividado.

A alegação de que nem tudo depende do Executivo serve apenas de bengala retórica. Se formalmente isso é verdade, a prática do nosso sistema mostra que nada acontece sem a decisão e a liderança do Palácio do Planalto. O controle da base parlamentar garante ao presidente da República a capacidade de influenciar, de maneira decisiva, os rumos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Isso também é uma contradição, mas é o que temos no momento. Nenhuma grande mudança ocorrerá se não vier validada e apoiada pelo poder central.

Enfim, entramos na última semana de campanha com a expectativa de que o nível melhore e, quiçá, ainda possamos avançar um pouco nos temas que realmente importam. O comportamento belicoso das candidaturas tem motivado a militância, nas redes sociais e até mesmo nas ruas, a reproduzirem esse mesmo tom desarmônico e exagerado. As eleições passam, o país permanece. É tempo do Brasil e dos brasileiros. Não vamos perder a oportunidade democrática com uma política de baixo nível. Então, que cada um possa votar livre e conscientemente. E que o próximo presidente da República, seja Dilma ou Aécio, possa fazer o que precisa ser feito – bem diferente do que esta campanha eleitoral abordou.

*Ex-governador do Rio Grande do Sul, presidente do Instituto Germano Rigotto de Estudos Políticos e Tributários e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (www.germanorigotto.com.br)


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