Notícias em geral
|
10 de outubro de 2014
|
18:13

O paradoxo do segundo turno

Por
Sul 21
[email protected]

Céli Pinto*

Dilma e Aécio no segundo turno na eleição presidencial, Tarso e Sartori no Rio Grande do Sul na eleição para governador repõem a política nos seus trilhos. PT e PSDB nacionalmente e PT e PMDB no Estado representam forças políticas organizadas, posturas ideológicas claras (estou falando do PMDB do RS, que faz as vezes do PSDB em São Paulo).

Mas há muito mais a ser dito sobre as eleições do último domingo (5) do que esta conclusão tão óbvia. E a primeira coisa é que o PT teve uma parte importante de responsabilidade nas chegadas fortalecidas de Aécio e Sartori ao segundo turno. As estratégias de Dilma e Tarso foram muito parecidas, para não dizer iguais. Dilma bateu fortemente em Marina, um fenômeno de intenção de votos em grande parte da campanha, esquecendo de Aécio, que a certa altura parecia ter jogado a toalha. Tarso bateu forte em Ana Amélia que, a exemplo de Marina, também aparecia muito forte nas pesquisas, não tomando em consideração o candidato do PMDB, Sartori. As estratégias deram certo, Marina e Ana Amélia não chegaram ao segundo turno. Mas, como diria o filósofo Garrincha, eles esqueceram de combinar com os russos, e os votos tirados das duas candidatas não foram nem para Dilma, nem para Tarso, mas Aécio e Sartori viram cair votos em suas cestas sem muito trabalho. Teremos, pois, um acirrado segundo turno.

O segundo turno de uma eleição presidencial no Brasil revela, com muita clareza, o aparente paradoxo de um sistema presidencialista com 32 partidos, a grande maioria com representação parlamentar. O paradoxo ocorre porque não há nenhuma correspondência entre os partidos coligados para governar e os partidos coligados para disputar o segundo turno. E isto ocorre não por pura esquizofrenia política, mas porque desnudam-se frente ao eleitor duas ordens do fazer político que funcionam com regras próprias e completamente distintas.

O governo de Dilma e anteriormente os de Lula, para se concretizarem, para serem viáveis, necessitaram fazer alianças com partidos de centro e até de direita. Isto, certamente, complicou os mandatos e gerou muitos dos problemas que hoje a candidatura Dilma enfrenta nas eleições. Entretanto, ao contrário do que creem os voluntaristas da esquerda juvenil, este é o mundo real da política: ou se faz maioria ou não se governa. Muito mais do que uma culpa do PT ou de Lula e Dilma, o que provoca a aliança com tendências conservadoras é a composição da Câmara dos Deputados democraticamente eleita. Uma coisa precisa ficar bem clara: não vivemos em um país de centro-esquerda, sequer em uma social-democracia, ou coisa parecida; vivemos em um país em que a maioria vota em deputados de centro-direita e, nestas condições, governar é fazer alianças com o PMDB, o PP, o PTB e outros de menor nomeada.

A centro-direita, por sua vez, aceita fazer parte do governo porque precisa sobrevier politicamente e, como não tem possibilidade de ser ela própria poder, necessita – para responder aos interesses dos próprios partidos e daqueles que representam -, de cargos no Legislativo, ministérios, liberação de financiamentos, influência nos grandes negócios que representam os investimentos públicos.

Em governos do PT, a única oposição é o PSDB, porque é o único partido que pode chegar ao poder em uma próxima eleição, assim como nos governos FHC a única oposição era o PT, pela mesma razão. Há os coadjuvantes, como Eduardo Campos, no nível nacional, ou Beto Albuquerque e Beto Grill, no Rio Grande do Sul, que traem por terem pensado possível um projeto para 2018 que o acaso adiantou de mais longo termo.

A lógica que preside a formação de governos não é a mesma que preside as alianças eleitorais. Nos arranjos para governar, estamos no campo dos profissionais da política, onde os consumidores de ocasião contam pouco. Na disputa eleitoral e, neste caso, primordialmente no segundo turno, as forças se rearticulam tentando formar grandes grupos ideológicos, onde as linhas mestras das propostas de governo são permeadas por interesses de classe, por programas que se alinham ou a uma proposta voltada para as políticas sociais e privilegiando, ainda que timidamente, os setores menos favorecidos da sociedade, ou a uma proposta, liberal, antiestatal, antipolíticas sociais, antipresença do Estado. Estes dois grupos se alinham claramente ao lado do PT ou do PSDB. Neste momento, os setores conservadores, que até ontem faziam parte do governo Dilma, tentam eleger um presidente mais ao seu feitio, tentam uma posição mais confortável para os próximos quatro anos, sem ter de negociar tanto e engolir outras tantos.

Neste cenário, a tendência do PT é a solidão, já que a pequena extrema esquerda se nega a fazer política, seus militantes são puros. Por isso, só resta buscar o eleitor no sentido mais forte do termo. Esta busca tem de ser absolutamente política, isto é, de desconstrução do discurso adversário e construção de um discurso antagônico, que negue pelas suas verdades as verdades do outro. Política é luta política. Ao exercê-la, as partes se enfrentam, e só no enfrentamento é possível buscar espaços para se ganhar uma eleição. Não se trata aqui de violência, baixaria, mas de embate duro, no sentido político do termo. Ou o PT, sua candidata à presidência e seu candidato a governador do Rio Grande do Sul partem para o embate, ou perderão as eleições.

* Cientista Política, professora do Departamento de História da UFRGS


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora