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12 de outubro de 2014
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19:38

No segundo turno, o divisor de águas é a questão social

Por
Sul 21
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Benedito Tadeu César*

Se é verdade que foi a política, em oposição ao salvacionismo, a grande vencedora do primeiro turno das eleições deste ano, é também verdade que foram os segmentos político-ideológicos mais conservadores os que saíram mais fortalecidos das urnas em 5 de outubro. A baixa taxa de renovação nas Assembleias Legislativas em todos os estados brasileiros e também na Câmara Federal e no Senado destacou-se como resultado das eleições, em um primeiro momento, deixando na sombra outro resultado muito importante: o crescimento das bancadas conservadoras e reacionárias.

Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) constatou que a bancada evangélica na Câmara Federal passou de 78 para 81 deputados e que a bancada defensora de mais repressão como solução do problema da violência, conhecida como a bancada policial ou “da bala”, conquistou 20 cadeiras. A Frente Parlamentar Agropecuária estima que o seu “núcleo duro” passará de 70 para 80 deputados e que o apoio à sua agenda deve passar dos atuais 190 para mais de 200 congressistas.

No Rio Grande do Sul, apesar de Manuela D’Ávila (PCdoB) ter sido a campeã de votos para a Assembleia Legislativa, os deputados federais mais votados foram Luiz Carlos Heinze (PP), que expressou todo o seu preconceito quando se referiu aos índios, quilombolas e homossexuais como “tudo o que não presta”, e Alceu Moreira, também flagrado em declarações homofóbicas, integrante da bancada ruralista e contrário à demarcação das terras indígenas.

Nestas eleições, na disputa pela Presidência da República e pelos Governos de Estados, ainda em curso, a questão das classes sociais aflorou de forma nítida, tanto se considerando a distribuição geográfica dos votos, quanto as características sociológicas dos eleitores. Nos estados do Norte e do Nordeste do país, nas menores cidades, bem como nas faixas de menor renda e menor escolaridade, os candidatos identificados com o governo federal e o PT foram os melhor votados. Nos estados do Sul e Sudeste, nas regiões metropolitanas e nas cidades de porte médio e grande, bem como nas faixas de renda média e alta e com maior escolaridade, os candidatos de oposição ao governo federal e ao PT obtiveram a maioria dos votos. “Pobres” e “ricos” alinharam-se politicamente em polos opostos.

As “novas classes médias”, recém-saídas das faixas de pobreza, recém-incluídas no mercado consumidor e com acesso aos bens de consumo supérfluos, financiando sua primeira casa própria, seu primeiro carro, suas primeiras viagens aéreas pelo país e ao exterior e, pela primeira vez, vendo seus filhos chegarem ao ensino superior, cansaram-se diante da demora no atendimento médico pelo SUS, do transporte público precário, do trânsito congestionado, do aumento da violência e da sensação de insegurança. Influenciadas por intensa campanha de mídia, cansaram-se, também, da “corrupção”, hoje investigada e exposta amplamente e, por isto, vista como um fato novo e, portanto, atribuível ao governo em curso, do PT.

Recém ingressando no universo da cidadania e do consumo, as “novas classes médias” agora querem mais e tendem a votar naqueles que lhes acenam com a promessa de satisfação de todas as suas demandas. Cansadas, incompreendidas como fenômeno social pelas forças políticas de situação (notadamente petistas) e influenciadas pela grande mídia, estas “novas classes médias”, ao lado das “velhas classes médias” e das classes altas (tradicionalmente antipetistas), afluíram, em um primeiro momento, para as candidaturas que se apresentaram como portadoras da “nova política” e de um “novo jeito de governar”, corporificadas em Marina Silva, para a Presidência da República, e, no Rio Grande do Sul, para o Governo do Estado, em Ana Amélia Lemos. Tão logo as inconsistências dessas candidaturas “novo-jeitistas” foram reveladas, saltaram do barco, aportando, agora, nas candidaturas de oposição ao governo federal.

Órfã de alternativas, a insatisfação difusa dos “recém-ingressos” no mercado consumidor e no universo da cidadania canalizou-se para a centro-direita. A disputa PT x PSDB, que pareceu superada durante boa parte da campanha do primeiro turno, ressurgiu agora revigorada. O vácuo político criado pela evaporação da candidatura de Marina Silva foi preenchido pelas candidaturas alinhadas com as forças peessedebistas. A insatisfação difusa das “novas classes médias” encontrou seu porto, agora, em Aécio Neves/José Ivo Sartori.

As esquerdas, mesmo considerando-se os seus polos mais dinâmicos, não souberam entender e, consequentemente, não se capacitaram para representar politicamente os interesses e as insatisfações que emergiram juntamente com o surgimento das “novas classes médias brasileiras”, oriundas das políticas de valorização salarial, de crédito imobiliário e de consumo, de ampliação de vagas e de criação de novas universidades federais públicas, de financiamento estudantil nas instituições privadas de ensino superior, de bolsas de estudo no exterior, de ensino técnico gratuito, de cotas raciais e outras políticas públicas.

Se o eleitorado petista e o voto em Dilma Rousseff/Tarso Genro ficaram concentrados nos ditos “grotões” e entre os “mal informados”, como se referiu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) de forma jocosa e preconceituosa, não foi porque seus eleitores sejam mais atrasados e/ou desprovidos de espírito crítico, como tentou fazer crer aquele que vem se tornando um dos próceres do pensamento reacionário.

O que explica o voto petista/Dilmista dos “grotões” é o fato de ser nas regiões menos desenvolvidas do país que se concentram hoje os eleitores/cidadãos que, pela situação de extrema pobreza e carência anterior, ainda não ultrapassaram os patamares mais baixos da cidadania e do consumo. Há muito, ainda, a fazer no Brasil para se concluir o processo de inclusão social e de construção da cidadania plena, integrando o conjunto da população aos benefícios do crescimento, mas os segmentos sociais, que recém conseguiram ascender socialmente, têm pressa em continuar avançando e os segmentos, que sempre desfrutaram de privilégios, temem um governo que não lhes devolva a centralidade que sempre tiveram.

Embora as promessas de ascensão do país ao patamar das sociedades desenvolvidas, que vêm sendo anunciadas sem a necessária explicitação dos meios que serão empregados para alcançá-lo, seduzam principalmente os que recém atingiram níveis sociais mais altos, nunca será demais lembrar que, se as políticas sociais em curso forem abortadas ou, mesmo, congeladas e, sobretudo, se não for mantido o ritmo de geração de emprego e de valorização salarial praticado durante os últimos 12 anos, não só o processo de inserção social de novos segmentos será paralisado, como também será abortado o processo, ora em curso, de ascensão social das “novas classes médias brasileiras” a patamares de renda e consumo mais elevados.

As diferenças de classe existem e o conflito de seus interesses, que muitos julgavam extinto, recrudesce neste momento no Brasil. Qualquer que seja o resultado destas eleições, continuaremos a ser uma sociedade dividida, mas, a partir de agora, seremos também uma sociedade em que o conflito social estará exposto.

Das eleições de 2014 resultará a manutenção do processo de inserção social atualmente em curso no país ou a implantação de um projeto que se anuncia como “novo” e em contraposição a “tudo o que está aí”, mas que não revelou, até o momento, o caminho que utilizará para cumprir as promessas feitas a todos os diferentes (e como!!) segmentos sociais que compõem a sociedade brasileira, correndo o risco de voltar a atender somente aos tradicionalmente beneficiados e deixar à margem da riqueza gerada por todos a grande maioria da população.

*Cientista social


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