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14 de outubro de 2014
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21:19

Ainda as eleições

Por
Sul 21
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Disputa presidencial: como os brasileiros votaram por estado

Paulo Timm*

Divulgados e digeridos os resultados do primeiro turno das eleições – ainda que com a ajuda de algum antiácido em alguns casos – eis algumas conclusões e curiosidades.

Primeiro: como os Institutos de Pesquisa puderam errar tanto, principalmente no Rio Grande do Sul, que nos brindou com a surpresa de Ivo Sartori, do PMDB, no segundo turno, com pontuação superior à de Tarso Genro, do PT? Há inúmeras explicações e um outro tanto de indignações, grande parte destas, infundadas. Diz-se, por exemplo, que não há critérios científicos em pesquisas de opinião. Isto seria um privilégio das ciências exatas, ou da natureza. Ledo engano. O paradigma contemporâneo de qualquer ciência não é a de descrever uma realidade com vistas a dominar, com total segurança, as leis internas que a regem e prever com absoluta certeza resultados. Pelo contrário, tem-se, sempre, apenas uma probabilidade, esta insidiosa filha da matemática, maior ou menor, de que isto venha a ocorrer. As “leis”, antes consideradas verdades absolutas, hoje são tomadas como hipóteses. Nas pesquisas de opinião, também. Há metodologias para aplicá-las, dentro de margens de erro que lhe acompanham. Certamente, os institutos devem melhorar suas metodologias, mas pior seria, diante das divergências verificadas, cair no erro maior de proibir sua aplicação e divulgação. Elas são instrumentos importantes aos eleitores. Quanto mais, melhor. O mercado que lhes ateste a confiabilidade.

Vamos a outras questões: a alienação eleitoral. Até aqui eu desconhecia o conceito. Trata-se daqueles que se abstêm de votar – não vão às urnas –, ou que votam em branco ou nulo. A taxa de abstenção no primeiro turno foi elevada – 19,9% –, um pouco superior à média dos últimos anos, embora inferior à de 1998 que foi de 23%. Mas somada aos que anularam o voto e votaram em branco os “alienados” chegam a 1/3 dos eleitores. Somados estes aos que votaram em Marina, que expressam, segundo consta, os “antipolítica”, chegamos à mais da metade do eleitorado que vê o processo político atual com reticências. Se, enfim, juntarmos este montante aos que votaram no Aécio, teremos que Dilma está caminhando para um desempate com Aécio com 1/3 dos votos e uma tal taxa de rejeição em São Paulo que a colocou em terceiro lugar até mesmo em São Bernardo do Campo, terra de Lula. Preocupante…

Outra preocupação: os campeões de votos. Tiririca, em São Paulo, com 1,5 milhão de votos; Maluf, em torno de 150 mil; Pastor Feliciano “Direitos Humanos”, mais de 400 mil. Como explicar esta preferência? O que ela nos diz? Seriam, estes, votos de protesto? Ou seriam eles o modelo de representante que o movimento de junho de 2013 anunciou? A meu juízo nada disso, ou apenas um pouco. Trata-se do calcanhar de Aquiles do regime democrático. Ele se baseia no voto de todos, indistintamente, com base na capacidade de discernimento de cada um, mas supõe a credibilidade das instituições políticas, dentre elas os poderes e os partidos políticos que detêm o monopólio do processo representativo. Só eles podem indicar os candidatos a cargos eletivos.

Aí verifica-se que, na prática, os eleitores são teleguiados por poderosos mecanismos de formação de opinião, quando não simplesmente influenciados por estruturas de poder, tanto privado, como público: o velho coronelismo, em suas constantes metamorfoses. Urge, pois, aqui, aperfeiçoar os instrumentos de construção da autonomia do eleitor para o exercício da cidadania, através da universalização do sistema de educação pública e gratuita, clamada por Anísio Teixeira desde o “Manifesto da Escola Nova” de 1932, e do acesso à informação, o que só será possível com maior concurso nas concessões de veículos de comunicação e ampliação da banda larga a toda a população. A verdadeira democracia, enfim, só será efetiva no dia em que tivermos um sujeito plenamente capaz de formar opiniões dentro de um processo de transparência absoluta na circulação da informação. Educação, enfim, no plano subjetivo; universalização da informação, no plano objetivo.

Outro requisito da democracia diz respeito às instituições. Como sensibilizar a cidadania ao exercício do voto se este não confia nas instituições públicas? Aqui reside a grande crise das democracias modernas, Brasil inclusive. O nível de credibilidade dos poderes é extremamente baixo. Os partidos não têm qualquer confiabilidade, tampouco os políticos. No Brasil as duas grandes instituições mais respeitadas pela população são as Igrejas e as Forças Armadas. Diante disto, cresce o que se denomina “antipolítica” no mundo inteiro, contrariando frontalmente a idealização de que partidos ideologicamente estruturados seriam capazes de construir consensos. Dá o que pensar…

E quanto ao segundo turno? O que se pode esperar?

Aqui os especialistas têm a palavra. Segundo eles, o modelo dos marqueteiros para este tipo de confronto é uma espécie de mata-mata. Ganhará quem bater mais e melhor, tornando a disputa verdadeiramente sanguinolenta. Quem queria um debate civilizado, republicano, sobre alternativas acerca dos melhores rumos para o país, vai ter que se contentar com um oceano de incitações aos sentimentos com apelos ao medo (fantasmas do passado x monstros do presente) e ao ódio (pobres x ricos). Queríamos um “Sonho de Luz” num “Domingo no Parque”, teremos que nos contentar com “Vinganças, vinganças”. Este modelo, porém, nada tem de tupiniquim. Até dizem que um dia fomos cordiais. Hoje sucumbimos à violência no trânsito, nas ruas, até nas escolas, tendo em vista o Relatório da OCDE que nos situou à testa de todos os países pesquisados no tocante à violência escolar. A verdade é que a metodologia que guiará os marqueteiros do segundo turno é mais um dos sempre cobiçados produtos do exterior. Foi importada das experiências francesa e americana. Mais uma vez, somos colonizados…

E a pretendida renovação do Congresso Nacional, será que aconteceu?

Os números apontam para 46% de renovação na Câmara Federal mas isto não significa mais qualidade representativa. A quantidade de celebridades, jogadores de futebol, pastores evangélicos, filhos de políticos tradicionais é impressionante. Temos inclusive novos partidos: PHS, PTN, PTC, PSDC, PRTB e PSL que ninguém sabe o que defendem. Tudo indica que, senão todos, muitos se incluem naquela máxima do “Pequenos Partidos, Grandes Negócios”. A eles somam-se os já conhecidos PRP, PMN, PEN e PTdoB, tampouco autoexplicativos, mas sedentos de cargos na administração federal… Mesmo partidos tradicionais, como o PDT, caem na tentação de filiar pessoas sem qualquer compromisso com sua ideologia e agenda de lutas, apenas pela oportunidade de carregar a legenda ou ter puxadores de votos. Enfim, um número maior de partidos no Congresso representaria um aprofundamento da democracia no país? Difícil responder. O certo é que, com eles, amplia-se o campo do “toma lá de cá”, no tortuoso caminho da governabilidade. Diante disto fica a indagação: onde os líderes da sociedade civil neste processo? Onde os representantes dos movimentos sociais, populares, profissionais e culturais? E os grandes nomes da Academia e das Letras, sumiram?

Ó tempos! Ó costumes! – bradava Cícero, estarrecido com os acontecimentos em Roma, à época de César. O que não diria ao saber que, nestas eleições, cerca de 700 candidatos a deputado disputaram sub judice, visto estarem respondendo a processo, os chamados ficha-suja? Ou saber que o candidato preferido da capital da República era (retirou a candidatura na iminência de ser cassado por ficha suja) José Roberto Arruda, o que chorou da Tribuna do Senado ao confessar que havia manipulado o painel de votação e mais tarde foi preso, no Palácio do Buriti, como governador, diante da provas visíveis de corrupção?

Entre Cícero e Edu Lobo, prefiro pontear com este : “Ai, quem me dera se eu tivesse agora uma viola pra cantar”. Afinal, quem canta seus males espanta, ainda que nem o grande Festival de Música de 1967, quando Ponteio, Alegria-Alegria saíram vencedoras, dentre outras pérolas da MPB, não tenha conseguido afastar o vampiro do AI-5 um ano depois. Cantar e pensar, pois, acima de tudo é a curiosidade, o espanto e a esperança que nos mantêm vivos.

*Economista, Pós Graduado ESCOLATINA , Universidade do Chile e CEPAL/BNDES, Ex Presidente do Conselho de Economia DF – Professor UnB


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