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2 de outubro de 2014
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14:01

A vitória da política

Por
Sul 21
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Mauri Cruz*

Nós temos lado, nós temos projetos e, pasmem, não somos perfeitos. Essa é a mensagem passada pela candidata do PT, Dilma, e pelos candidatos Olívio e Tarso nas últimas semanas. E foi esta postura franca, aberta e de disputa de projetos de sociedade que viraram o jogo das eleições, demonstrando, mais uma vez, que a sociedade brasileira – em especial, as classes populares – está amadurecida e esclarecida politicamente e não quer escolher quem melhor sabe gerir o capitalismo em crise.

Para quem acompanhava as discussões e programas dos principais candidatos, há pouco mais de um mês, restava um sentimento deprimente. A disputa era entre quem fez mais presídios, quem reformou mais escolas, quem pagou o piso dos professores, quem construiu e reformou mais estradas, etc, etc, etc e tal. Uma ladainha enfadonha que não colocava no centro do debate os dramas e dilemas que o Brasil, o Rio Grande do Sul e a humanidade vivem nos dias atuais.

Há bastante tempo vinha me perguntando o que seria e de onde viria um projeto pós-PT, tão necessário para o avanço das lutas populares. E, analisando o comportamento e as posições das forças políticas brasileiras, sempre me vinha à cabeça a ideia de que para superar o PT somente teríamos o próprio PT. Não por um desejo político, mas por uma realidade fática. Não se produziu no Brasil e nem mesmo na América Latina uma experiência tão rica política, orgânica e eficaz na conquista de mudanças concretas para a classe trabalhadora. Mesmo que se queira, não será fácil superar o PT.

Mas, apesar desta força, após algumas décadas de governos locais e estaduais e de 12 anos de governo federal petista em alianças com o grande capital conservador, tudo parecia estar adormecido, perdendo o ânimo das mudanças e das transformações reais na sociedade. Não que retirar 50 milhões de pessoas da pobreza não seja uma revolução democrática e popular. Não que colocar o Brasil dentre as principais potências de forma altiva, não submissa aos EUA ou à UE, em aliança estratégica com China, Rússia, Índia e África do Sul não seja uma verdadeira bomba atômica na geopolítica internacional. Ocorre que tudo isso foi sendo feito sem quebrar os pratos com os projetos da burguesia nacional e internacional e, praticamente, sem mexer nos grandes interesses.

O PT no comando do Brasil representou os trabalhadores e trabalhadoras na mesa de negociações do tabuleiro internacional. E, a partir de muita inteligência e capacidade, negociação e articulação, mudou o cenário, alterou a correlação de forças e fez a roda girar a favor do Brasil e dos brasileiros. Este jogo ainda está sendo jogado e os próximos lances serão decisivos. Ainda pilotando a sua guerra contra o terror, agora criando um novo adversário, os Estados Unidos da América querem retomar sua aliança submissa com o Brasil. Precisam, portanto, a qualquer custo, tirar o PT do poder. A União Europeia, esfacelada, quer ter um parceiro, igualmente submisso, à sua agenda de austeridade. A estratégia do Brasil, de superar a crise com investimentos públicos nas áreas sociais, é justamente a contraordem do que Ângela Merkel e o Banco Central Europeu fazem na Alemanha e nos demais países do bloco. O Brasil, com democracia e desenvolvimento, dá um exemplo de outro caminho possível que incomoda internacionalmente.

Internamente, após a morte do candidato do PSB, os blocos políticos se realinharam principalmente após as posições declaradamente neoliberais, conservadoras e, em algumas declarações, pré-homofóbicas da candidata Marina. A possibilidade real em derrotar o PT gerou uma euforia na oposição e nos setores conservadores que há muito não se via. Contraditoriamente, este mesmo risco, de perder o governo, foi um sinal de alerta para um petismo que estava acomodado, amorfo e satisfeito com o andar, mesmo que lento, das conquistas. O alerta surtiu resultados, começando por Lula que disse com todas as letras: tá faltando política. E essa conclusão mudou o discurso da candidata Dilma e a postura do PT em todos os estados.

Aqui no RS, da mesma forma, a campanha se desenrolava para um desfecho previsível. Apesar das conquistas inegáveis do Governo Tarso Genro, a rotina de derrota do governante parecia certa. A candidata do conservadorismo e da maior empresa de comunicação do Sul do Brasil ponteava as pesquisas e, mesmo sem dizer ao que veio, fazia um passeio. Sem ter os mesmos recursos financeiros que o Governo Federal, a candidatura Tarso sequer podia se apresentar como um excelente gestor do capitalismo.

Mas a política tomou parte, novamente, na mudança dos rumos deste enredo. A partir de denúncias feitas pelo site Sul21 em relação a um cargo fantasma da candidata Ana Amélia e das ligações do candidato ao Senado pelo PDT com a Arena durante a ditadura, a velha luta de classes veio à tona com toda a força. E na luta capital e trabalho, o PT tem lado, tem história e, principalmente, tem muitas conquistas para mostrar. Esta nova qualidade de enfrentamento está fazendo a diferença, retomando a possibilidade de, pela primeira vez, em quase 30 anos de abertura política, um projeto político conseguir se reeleger no Estado. Por isso, tem tanto significado a fala do governador Tarso Genro no debate da RBS desta terça-feira (30/9), quando disse: “No RS, a novidade é a continuidade e não o retrocesso.” Para o bem do RS, do Brasil e, porque não dizer, do mundo, é melhor que assim seja. Estes próximos dias prometem muitas emoções. Continuemos nas ruas, porque em política quem deixa para depois geralmente perde o trem da história.

*Advogado, professor de pós graduação em Direito à Cidade e Mobilidade Urbana, diretor regional da AbongRS


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